terça-feira, 10 de janeiro de 2012

SÃO PAULO: A RETOMADA DA CRACOLÂNDIA - REINALDO AZEVEDO.

REVISTA VEJA
09/01/2012
às 5:39
A RETOMADA DA CRACOLÂNDIA: Homens de bem têm de renovar sua confiança no estado democrático; os bandidos têm de temê-lo. Ou: O “especialista” como mau engenheiro social.
O governo do Estado e a Prefeitura de São Paulo decidiram fazer uma radical intervenção numa área da região central da cidade que ganhou o nome de “cracolândia”. Muitas outras existem Brasil afora, inclusive nas imediações da Esplanada dos Ministérios, a poucos metros do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto, sob as barbas do ministro da Justiça e do batom de Dilma Rousseff. É uma vergonha que várias esferas do Poder Público, Brasil afora, tenham permitido a formação dessas comunidades de zumbis, de mortos-vivos, de andrajosos que perambulam, como disse o poeta, “sem ar, sem luz, sem razão”, escravos do seu vício, promovendo e se submetendo a toda sorte de violência, condenados à miséria material e espiritual pelo casamento infeliz da incúria do Estado com os nefelibatismo de teóricos mancos da política de redução de danos — que assumiu, entre nós, a danosa face da tolerância que mata e que corrói indivíduos, famílias e áreas da cidade.
Uniram-se o Estado e a Prefeitura para asfixiar o tráfico do crack e para fazer a coisa certa: retomar uma parte do território que há anos vem sendo ocupada por traficantes e usuários, num espetáculo grotesco, cruel, de degradação humana e urbana. O objetivo é impedir a chegada da droga para forçar o usuário a procurar ajuda. Infelizmente, ainda não existe uma lei que permita a internação compulsória daquelas pessoas que já não podem mais responder por si mesmas, que já perderam o poder de escolha, que não têm mais como arbitrar sobre a própria vida.
Não tardou para que os “reacionários” resolvessem, afinal de contas…, reagir! A ação de governo e Prefeitura fere a sensibilidade dos “engenheiros sociais” de algumas ONGs, de que os viciados, afinal de contas, são uma espécie de clientes afetivos e morais. Há muitos anos, essa população que está na rua se tornou uma reserva de mercado dessas entidades e de uns dois ou três “padres de passeata”, que entendem de drogas o que entendem da Bíblia: NADA!!! Essa gente brada, pede, reivindica uma “política alternativa” ao que considera “repressão”. Ora, a “política alternativa” , que é a deles, está em curso. E qual tem sido o resultado efetivo? A multiplicação de viciados e a ampliação das áreas das cidades ocupadas pelos chamados “nóias”. Não há hoje município brasileiro, por menor que seja, livre do crack, que já chegou às comunidades indígenas. O flagelo social tem um nome: TOLERÂNCIA. A lógica elementar indica o óbvio: a única forma de conter o crime é combatendo-o. Sem isso, o traficante fica livre para buscar seu lucro, e o dependente, para buscar o seu prazer. Ainda que seja um prazer suicida e seja ele próprio o principal prejudicado, isso não implica que a sociedade deva arcar com as conseqüências nefastas de sua escolha inicial, tornada depois uma doença. Haver nas cidades regiões dedicadas ao consumo, ocupadas pelo estado paralelo do tráfico e por indivíduos destituídos de cidadania, é um escárnio.
Que governo e Prefeitura não recuem de sua disposição e respondam com convicção aos protestos estridentes do humanismo de pé quebrado e à gritaria ideológica. Não tenho pesquisas em mãos, mas estou certo de que a maioria dos paulistanos e dos paulistas apóia a retomada daquele território, que havia sido entregue ao outro mundo. Mas as dificuldades são imensas. No Estadão deste domingo, o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira escreve um artigo que traz uma impressionante soma de equívocos. Ele é diretor do Programa de Orientação, Atendimento a Dependentes (Proad), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e merece, claro, a minha consideração por isso. Mas nem ao mais experimentado especialista no que quer que seja se faculta o direito de jogar no lixo a história e a lógica. Reproduzo o seu artigo em vermelho. E contesto-o em azul.
Estou muito pessimista em relação ao resultado dessa operação. Estão fazendo tudo o que não se pode fazer. A história mostrou por diversas vezes que a adoção de medidas repressivas não dá certo. Pelo contrário, provoca os piores resultados. Se uma ação como essa ocorresse na Europa, por exemplo, renderia até processo contra o governo.
Se é de história que Dartiu quer falar, posso inverter os seus termos, e os fatos estarão comigo. A história provou que abrir mão das medidas repressivas faz as cracolândias: em São Paulo, Brasília, Rio, Belo Horizonte ou Xiririca da Serra. Quanto à sua afirmação de que uma ação como essa renderia processos contra o governo, trata-se apenas, vênia máxima, de retórica oca. A “Europa” não é um país de legislação única. Seria preciso que ele apontasse as “cracolândias” européias e demonstrasse, então, que não há repressão por lá. A propósito: que legislação “européia” — ou brasileira — Estado e Prefeitura estariam infringindo? Ou Dartiu explica, ou serei obrigado a afirmar que não se trata de um argumento, mas de mera trapaça retórica.
Temos um exemplo clássico. Na década de 1960, os Estados Unidos resolveram iniciar a chamada guerra às drogas. Após 30 anos, o próprio governo americano chegou à conclusão de que jogou US$ 20 bilhões no ralo. Mas esse discurso de repressão policial vende voto e capta a simpatia da população menos familiarizada com as nuances do problema.
Há aqui vários equívocos. Dartiu se refere à suposta ineficácia da política americana de repressão ao tráfico de drogas. O que se faz na cracolândia
Em nossa realidade, é ridículo pensar que uma pessoa não vai usar drogas porque a Polícia Militar está na cracolândia. Os usuários vão para as ruas vizinhas.
E é preciso que se coíba o tráfico e o consumo de drogas também nas ruas vizinhas. Quem disse que a retomada da região hoje chamada “Cracolândia” é uma política de prevenção ao uso de drogas? Não é! É uma política de combate ao tráfico e, reitero, de combate ao estado paralelo.
O segundo equívoco é pensar que a droga é que causa a situação de miséria de quem a consome. É exatamente o contrário. O que leva as pessoas para o buraco é a ausência do Estado, que não oferece escola de qualidade, habitação digna nem chance de trabalho. A droga é consequência, não é causa. É por isso que o trabalho não deve ser reprimir, mas prevenir. E, claro, trabalhar para devolver dignidade às pessoas.
Aqui Dartiu já não fala mais como psiquiatra, mas como político, sociólogo e ideólogo. Se o psiquiatra merece respeito por sua expertise na área, o pensador é desprezível porque… bem, porque o que ele diz é o contrário da verdade factual. Terei de ser didático com ele. Não tenho a esperança de que mude de idéia. A minha aposta é que outros não sigam os seus equívocos.
1 - o salário médio do brasileiro anda na casa dos R$ 1.600. Uma imensa quantidade, no entanto, ganha muito menos. Isso que passaram a chamar de “classe média” é, na verdade, pobreza. Não quero deixar o ideólogo Dartiu chateado, mas a esmagadora maioria dos pobres NÃO CONSOME DROGAS. Durante muito tempo, diga-se, cometeu-se o equívoco de associar violência à pobreza, transformando uma mera correlação em relação de causa e efeito. O fato de toda área muito violenta ser pobre não implica que toda área pobre seja violenta. Nunca é tarde para Dartiu aprender: se as “comunidades” A, B e C são pobres, mas só a B e a C estão entregues ao crime, a pobreza não faz os criminosos. Outros fatores condicionam a ocorrência;
2 - Dartiu comete o equívoco detestável de achar que pessoas pobres são incapazes de fazer escolhas morais. Por isso, segundo o seu ponto de vista, o consumidor de drogas, eventualmente pobre, é só uma vítima da incúria do estado. E o que ele diria dos consumidores que tiveram casa, comida, escola e roupa lavada?;
3 - O Mapa da Violência demonstra que houve uma explosão de homicídios em vários estados do Nordeste, como já demonstrei aqui. Não obstante, a economia na região cresceu mais do que no resto do país;
4 - segundo o doutor, o tráfico e o consumo de drogas não podem ser reprimidos enquanto o país não der por resolvidas todas as mazelas sociais, como se esses dois crimes não alimentassem o ciclo da violência e da exclusão social. Sua tese é desmentida pelos fatos. O crime, reitero, cresceu junto com a economia no Nordeste. O observador apressado diria que crescimento econômico induz a violência. Seria uma tolice! Os dados do Mapa da Violência demonstram, para qualquer observador isento, que é a impunidade que alimenta o crime.
Mesmo que fosse planejada, essa ação repressiva não daria certo, assim como a internação compulsória não resolve. Estudos mostram que a taxa de recaída chega a 98% entre os internados à força. O máximo que essa operação pode promover é pulverizar a cracolândia e higienizar a área.
Pronto! Apareceu a palavrinha mágica com que ideólogos sociais de quinta categoria pretendem silenciar o debate: “higienizar”. Dartiu pode até ser um psiquiatra de primeira, mas, como pensador social, é um falastrão. Quais são os “estudos” que demonstram que a “recaída” dos “internados à força” chega a 98%??? Não existe essa política pública no Brasil! Quando muito, se muito, ele se refere a famílias que tomam essa decisão, recorrendo a clínicas privadas. Qual é a série histórica de que dispõe? Qual é o perfil dessas famílias? De que tipo de droga ele está falando?
Dartiu recorre a um vício típico das esquerdas quando vencidas num debate: basta chamar o adversário de “fascista”, e tudo se resolve num passe de mágica. Ora, se o adversário é “fascista” — e isso quer dizer que ele é mau —, então não é preciso expor os próprios argumentos nem contestar os do outro. A acusação de “higienismo” é o correlato do “fascismo” quando o assunto é combate às cracolândias e intervenção do poder público nas cidades.
Os zumbis que vagam pelas ruas, muitos deles crianças, perderam os vínculos com a família ou com qualquer outro grupo. Se é verdade que não tiveram escola, habitação e trabalho de qualidade (o argumento é falacioso), o que Dartiu propõe como compensação? O abandono? O homem é psiquiatra, e isso quer dizer que não é bobo. Sabe que, ao afirmar que a ação do Estado e da Prefeitura está errada, tem de propor, especialista que é, algo no lugar. E o que ele propõe? Releiam: “O trabalho não deve ser reprimir, mas prevenir.”
É uma sorte dos pacientes, talvez nem tanto dos vendedores de túmulos, que Dartiu não seja pneumologista. Ao receber um paciente com pneumonia, ele não teria dúvida: recomendar-lhe-ia muito exercício aeróbico, natação para fortalecer os pulmões e a capacidade respiratória, quem sabe o ar fresco das manhãs… Essas coisas que ajudam a prevenir a pneumonia, mas que matariam um doente.
É uma estupidez do raciocínio opor prevenção a repressão. São políticas complementares para lidar com fases distintas do problema. Ademais, ignorar que a repressão também tem caráter preventivo corresponde a fazer pouco caso dos fatos. O ideal, e por isso todos apostamos na educação, é que as pessoas não cometam delinqüência porque interiorizaram valores morais. Mas é preciso que o Estado democrático dê a certeza aos homens de bem e aos bandidos de que os delinqüentes serão punidos. Os primeiros precisam ter confiança nesse estado, para reforçá-lo. Os outros têm de ter medo. Para reforçá-lo.
O bandido também exerce um importante papel social. Atrás das grades!
Por Reinaldo Azevedo.
Juntos Somos Fortes!

5 comentários:

Anônimo disse...

coronel paul, a sua policia militar tambem vai parar. juntos somos fortes!!!

Anônimo disse...

Brilhante artigo. A parte, então, em que diz "Ora, a 'política alternativa', que é a deles, está em curso." resume tudo.

Anônimo disse...

Promotores de São Paulo requisitaram a instauração de inquérito para apurar a ação policial na cracolândia. Acham que houve gasto excessivo de dinheiro público e que a ação foi um fiasco. Enquadra direitinho em tudo que o artigo acima retrata.
Por que não instauraram inquérito, antes, para investigar a ineficiência das inúmeras ONG's, psiquiatras etc. que tratam das "políticas alternativas"?
Por que não instauraram inquérito, antes, para investigar o gasto de verba com estádios de futebol e copa do mundo ao invés de clínicas, médicos, remédios, assistentes sociais etc.?
Agora, quando a polícia age para minimizar o intolerável, querem investigar?
Por que não exigem agora que os órgãos responsáveis pelo atendimento façam a abordagem dos pequenos grupos espalhados de forma pacífica, já que antes não dava né? A propósito: hoje fizeram?
Aonde acham que estão, no mundo feliz?
No mundo real tem mais é que dispersa-los; no mundo real não há comida para todos, nem toda criança tem cobertor, nem todo filho quer estudar ou segue o caminho do bem, nem todos são saudáveis, nem todo doente recebe socorro e o mundo não para de girar por isso...

Anônimo disse...

parabéns, Reinaldo Azevedo!
Lavou a alma de quem quer a coisa certa!

Paulo Ricardo Paúl disse...

Grato pelos comentários.
Juntos Somos Fortes!