terça-feira, 31 de janeiro de 2012

BRIGADA MILITAR: DE EXÉRCITO À POLÍCIA DEMOCRÁTICA - ROMEU KARNIKOWSKI.

Criada como Força Policial em 18 de novembro de 1837, pelo Presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, o marechal-de-campo Elzeário de Miranda e Brito, a Brigada Militar tornou-se ao longo da sua existência na maior prestadora de serviços públicos do Estado do Rio Grande do Sul, além de ter participado efetivamente nos mais importantes conflitos insurrecionais que abalaram o Brasil até os anos trinta do século XX. A partir do advento da República em 1889, cada estado da Federação instituiu a sua força pública – também chamada de milícia por se constituir tropa de segunda linha do Exército Nacional – com o objetivo de ser a garantia armada das suas oligarquias dominantes. A Brigada Militar foi criada como força pública em 15 de outubro de 1892, que em razão da guerra federalista de 1893/95 emergiu como um formidável exército estadual, constituindo-se, na milícia (força estadual) com maior experiência bélica do Brasil.
A Lei nº 11, de 4 de janeiro de 1896, baixada por Júlio de Castilhos, organizou os serviços de polícia no Rio Grande do Sul, deixando ao Estado a missão de polícia judiciária sob o trabalho dos delegados e subdelegados e aos municípios o encardo de polícia administrativa sob a responsabilidade dos intendentes e sub-intendentes. Diante disso é criado em Porto Alegre a polícia administrativa em outubro de 1896, com a responsabilidade pela vigilância ostensiva na capital gaúcha. A Brigada Militar, em razão da não estruturação da polícia administrativa foi destinada a auxiliara serviços de vigilância e salvamento, escalando alguns praças dos 1º, 2º e 3º batalhões de infantaria para executar esse tipo de tarefa nos arraiais de Porto Alegre, principalmente na Colônia Africana e no Areal da Baronesa. Está nos anais da cidade a heróica atuação dos seus batalhões nas terríveis enchentes de 1897 e principalmente na de 1941, que atingiram duramente a capital gaúcha. Os jornais da cidade, no final do século XIX e início do XX, semanalmente traziam notícias das refregas, inclusive com mortes, entre as praças da Brigada Militar e os soldados do Exército nas ruas de Porto Alegre motivadas por bebedeiras, indisciplina ou até mesmo por rivalidade entre essas forças.
A chegada da Missão Instrutora do Exército em 1909 inaugurou a era do profissionalismo militar da milícia gaúcha, afastando-a dos serviços de policiamento. O estudioso Corálio Cabeda escreveu que essa Missão provocou verdadeira revolução nos rumos da Brigada Militar onde pode-se destacar a criação da sua academia em 1916 e o aprofundamento do seu ethos bélico. A Missão Instrutora do Exército, tal como a Missão Militar Francesa que começou a treinar a Força Pública de São Paulo em 1906, foi a grande responsável em estabelecer a consistência profissional do oficialato da milícia gaúcha. Seus instrutores foram oficiais da envergadura do general Emílio Lúcio Esteves, coronel João de Deus Canabarro Cunha e o coronel Ruy França entre outros. Assomado a grande experiência adquirida nas guerras insurrecionais ela tornou-se, assim, um respeitado e temido exército estadual que teve a sua maior prova de força e valor na Revolução Constitucionalista de 1932, onde pereceu o tenente-coronel Aparício Borges que comandava o 1º batalhão de infantaria da milícia gaúcha .
Getúlio Vargas vitorioso na Revolução de Outubro de 1930, muito por causa da atuação da Brigada Militar e de seus corpos auxiliares (antigos corpos provisórios), ironicamente inicia o processo de desmantelamento bélico da Brigada Militar e das demais milícias. Vargas, por interferência dos generais das Forças Armadas, desbelicizou as milícias estaduais por meio da Lei nº 192/1936. Os generais ficaram assustados com o enorme poder militar das forças estaduais na Revolução Constitucionalista, principalmente da Força Pública de São Paulo e da Brigada Militar gaúcha. Esse foi um dos aspectos da centralização perpetrada por Getúlio Vargas que se intensificou no Estado Novo (1937-1945). Dessa forma, com os esvaziamentos das instituições municipais, a milícia assumiu os serviços de bombeiros de Porto Alegre, por meio do Decreto 5.585, de 27 de junho de 1935, de forma que ela passou a incorporar definitivamente os bombeiros de todo o Estado. O coronel Walter Peracchi de Barcellos, comandante-geral entre 1947-1950, percebeu que a era dos exércitos estaduais havia terminado dando início ao longo processo de policialização da força destacando-se, nesse sentido, a criação da Companhia de Polícia “Pedro e Paulo” em Porto Alegre, do Regimento de Polícia Rural Montada em Santa Maria e do Curso de Polícia para os oficiais, todos em 1955. Esse ano marca efetivamente o início concreto da policialização da milícia gaúcha com a criação dessas unidades. É importante salientar que esse processo de transformação de exército em polícia teve como agente fundamental um núcleo de oficiais dentro da força que denominamos de modernizadores e o mais destacado entre eles foi o coronel Peracchi de Barcellos que foi o grande mentor da criação tanto da Companhia de Polícia “Pedro e Paulo” bem como do Regimento de Polícia Rural Montada que teve como modelo a Real Polícia Montada do Canadá, razão pelo qual os integrantes desse regimento passaram ser chamados de “Abas-Largas”.
O regime militar de 1964 mudou radicalmente o papel das milícias estaduais tornando-as polícias militares por meio do Decreto-lei 317/1967, dentro do qual criou a Inspetoria-Geral das Polícias Militares (IGPM), extinguiu as Guardas Civis e atribuiu exclusividade do policiamento ostensivo nos estados a elas. No Rio Grande do Sul, a Brigada Militar assumiu a totalidade do policiamento ostensivo com a extinção da Guarda Civil em maio de 1967 por força do DL 317/67. A Constituição de 1934, já havia definido as milícias com designação geral de “polícias militares”, mas foi o regime de 1964 que as plasmou como polícias militares nos Decretos-leis 317/67 e principalmente no 667/69, com a incumbência exclusiva do policiamento ostensivo nos Estados, sob a férrea fiscalização da IGPM. A essa altura, a Brigada Militar havia formado uma sólida doutrina de policiamento ostensivo que superava mesmo as linhas da própria IGPM. A rigor, a sua policialização aprofundou-se com a Constituição de 1988, que redefiniu o seu papel não mais como polícia de ordem de caráter autoritário instituído pelo regime de 1964, agindo somente na defesa do Estado, mas como polícia de segurança, imbuída de valores democráticos atuando na preservação da vida das pessoas e da sociedade. No entanto, para conseguir plenamente esse intento, o governo deve aprofundar a valorização profissional dos militares estaduais da milícia em três fundamentos: melhorar as condições de trabalho; modernizar os seus estatutos e dignificar consideravelmente o seu lastro salarial e por terceiro adentrar definitivamente nos elementos do ciclo completo de polícia.
Por fim, a Brigada Militar, dentro da sua policialização deve avançar na seara do policiamento comunitário, com ciclo completo e com respeito aos direitos humanos, da cidadania e trabalhar sem preconceito de qualquer natureza, na dimensão de uma verdadeira polícia democrática, sempre dentro de uma perspectiva de valorização profissional e salarial dos seus integrantes. Essa foi a trajetória da Brigada Militar de exército estadual, passando por um longo processo de policialização aos passos iniciais da construção de uma verdadeira polícia democrática.
( 1 ) O posto de marechal-de-campo, durante o Império (1822-1889), equivalia ao atual posto de general-de-divisão que tinha a seguinte formato do generalato: brigadeiro, marachal-de-campo, tenente-general e marechal-de-exército. A República em 1890 reformou o generalato: general-de-brigada, general-de-divisão e marechal, extinguindo o posto de tenente-general. Em 1946 é criado o posto de general-de-exército e marechal passa a ser ativado somente em tempo de guerra.
( 2 ) As forças estaduais são chamadas de milícia porque no seu início eram consideradas tropas de 2ª linha do Exército Nacional. A condição de milícia das policias militarizadas é sedimentada na Constituição da República de 1934, que as definiu como forças de reserva e na Constituição de 1946 como tropas auxiliares do Exército. A condição de milícia não impediu o auto grau de profissionalização militar das mesmas tal como aconteceu com a Força Pública de São Paulo que passou a ser treinada pela Missão Militar Francesa comandada pelo coronel de artilharia Paul Balagny e da Brigada Militar que começou a ser treinada pela Missão Instrutora do Exército composta por alguns dos mais brilhantes oficiais da Força Federal. A Missão Instrutora do Exército foi a grande responsável pela profissionalização militar da milícia gaúcha inclusive da criação da sua Academia em 1916.
- BAYLEY, David A. Padrões de Policiamento. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001. (Série Política e Sociedade; nº 1).
- CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e Política no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
- ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador: Formação do Estado e Civilização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993.
- KARNIKOWSKI, Romeu Machado. De Exército Estadual à Polícia Militar: o papel dos Oficiais na Policialização da Brigada Militar (1892-1988). Porto Alegre: UFRGS, 2010 – Tese de doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFRGS em 8 de outubro de 2010.
- PEREIRA, Miguel José. Esboço Histórico da Brigada Militar do Rio Grande do Sul. Vol. I. 2ª edição. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Brigada Militar, 1950.
Romeu Karnikowski
Doutor em Sociologia pela UFRGS e Pesquisador PNPD da PUC/RS
Juntos Somos Fortes!

2 comentários:

Anônimo disse...

ACABA COM A PECÚNIA DE TODO MUNDO E NIVELA O SALÁRIO DE TODOS....BOMBEIRO E PM QUE MERECIA PECÚNIA FORAM BOLEADOS PELOS PEIXES....A MAIORIA QUE TEM PECÚNIA NÃO MERECIA...E OS MESMOS NUNCA PARTICIPARAM DOS MOVIMENTOS....ISSO É UMA INJUSTIÇA!!!....MUITOS QUE MERECIAM NÃO GANHARAM PECÚNIA...TIRA A PECÚNIA E NIVELA TODO MUNDO....UM MONTE DE SGT FROUXO GANHANDO IGUAL OU MELHOR QUE CORONEL.....E OFICIAIS GANHANDO O TETO DO GOVERNADOR....SERIA A MELHOR FORMA DE SOLUCIONAR AS DIFERENÇAS (QUE SÃO MUITAS)...MUITOS QUE COMPRARAM DIVISAS, POSTO E GRATIFICAÇÕES E HOJE RECEBEM SALÁRIOS MUITO SUPERIORES A SEUS PARES. AÍ SIM SERÁ FEITO JUSTIÇA...

Anônimo disse...

Muito boa aula de história, com especial atenção para o seguinte trecho:
"...o governo deve aprofundar a valorização profissional dos militares estaduais da milícia em três fundamentos: melhorar as condições de trabalho; modernizar os seus estatutos e dignificar consideravelmente o seu lastro salarial e por terceiro adentrar definitivamente nos elementos do ciclo completo de polícia."
Ainda bem que foi um Doutor em Sociologia pela UFRGS e Pesquisador PNPD da PUC/RS que falou isso. Ao contrário do que alguns desejam e muitos outros são conduzidos a pensar, não são todos que desejam a extinção das PM.