MATÉRIA EXTRAÍDA DO JORNAL O GLOBO DO DIA 14 DE FEVEREIRO DE 2008.
“ UMA ÁGUA, UMA COXINHA DE GALINHA ”
“ UMA ÁGUA, UMA COXINHA DE GALINHA ”
JOÃO XIMENES BRAGA
Uma bela tarde de sol, um engavetamento numa grande avenida da Cidade. Consegue frear a tempo de não encostar no carro da frente. O carro de trás, não. Havia mais duas pessoas comigo. A amiga no banco traseiro desmaiou e foi logo despachada para um hospital junto com o outro carona. Mas meu horror começou mesmo quando fiquei entre a patrulhinha e os companheiros de acidente.
O playboy descamisado do carro que abalroará o meu não tinha seguro e me fez uma proposta assaz curiosa e bem brasileira, no mau sentido: que eu assumisse a culpa pelo acidente. Assim, a minha seguradora pagaria pelos dois carros. Não que eu achasse que ele tivesse culpa. A situação era, de fato, um acidente: alguns metros à frente algum mané deu uma freada brusca, todo mundo teve que seguir o exemplo, e ele foi mais infeliz. Mas como eu poderia assumir a culpa por receber uma batida na traseira? E por que ele partia do princípio que fraude é um esporte universal? Nem respondi. Apenas me afastei e sentei ao pé de um poste para proteger a cara do sol. Nisso, um dos policiais se aproximou:
- vou ali comprar água.
Devo ter murmurado algo entre como “beleza”, mas o policial ficou estático, me encarando. Nunca terei certeza do que ele queria, mas a única opção crível é que fosse a deixa para eu pagar a sua “água”, provavelmente sem esperar troco. Ah, sim, eu era a vítima do acidente e tinha todos os documentos em ordem, mas mesmo assim ele esperou pacientemente que eu me manifestasse. Quando desistiu de encarar meu silêncio, também desistiu de comprar a água.
Chegado o guincho, fui para a delegacia, onde dei meu relato e citei como vítima a minha amiga que foi para no hospital. Dias depois, quando fui buscar o boletim de ocorrência... a existência dela fora simplesmente apagada do papel. Como “vítima”, constava apenas uma das popozudas do carro que batera no meu.
Não sei como foi feita essa mágica, só posso especular. Então decidi nunca mais dirigir. E o principal motivo para isso é que eu tenho pavor de polícia. Pavor até de confessar que tenho medo da PM.
Isso aconteceu há anos, e nunca tive coragem de escrever a respeito. Não perdi o medo, mas acho que o entendi melhor graças à crise da PM nas últimas semanas.
Não entendo xongas de segurança pública, sou só carioca. Só um carioca que, dia desses passeando à noite por um subúrbio cercado de favelas e que me parecia particularmente seguro, ouvi do taxista:
- É que os donos da boate pagam 20 reais por noite pra patrulhinha circular aqui, dez pra cada policial. Mais daquela esquina pra lá o bicho pega.
Como um simples carioca, não sei quem é o mocinho e bandido nessa crise entre a Secretaria de Segurança e um grupo de coronéis da PM, só sei que não vejo vantagem em ser “protegido” por homens insatisfeitos com o salário e fazendo bico por aí de arma na mão.
Se eu fosse um jovem negro de classe baixa, certamente teria medo por ter maiores chance de ser preso ou morto. Como adulto branco de classe média a alta, o medo que tenho da PM é o mesmo que tenho de um mendigo. Medo de que ele venha me pedir uns trocados e acabe esfregando as sujeiras das ruas em mim.
Aumento de salário não traz ética instantânea a ninguém, não vai fazer com que a PM carioca perca a imagem de corrupta, violenta e ineficiente. E se esta história sobre a batida de carro serve para alguma coisa, é para exemplificar que a corrupção não é exclusividade de uma corporação, está entranhada na sociedade, e não vai acabar facilmente.
Por outro lado, a PM nunca vai perder essa imagem sem antes se livrar da imagem de mendicância,de que vale quarqué déi real, uma água, uma coxinha de galinha.
Longe de mim defender os barbonos, não entendo direito que apito tocam. Só não compreendo que uma justificada reivindicação salarial seja lida como insubordinação militar. Não é por falta de trocados que um PM desonesto saqueia um caminhão. Mas nem por isso a frase que deu origem à crise – “um soldado mal pago é presa fácil de corruptos ativos nas esquinas” – soa menos verdadeira. Dificilmente teremos mais PMs honestos (sim, eles existem) enquanto quarqué déi real fizerem tanta diferença para pagar as contas, da mesma forma que nunca teremos paz nas ruas enquanto o crime for mais atraente que a escola para jovens pobres.
Daí ser difícil entender a reação de Sérgio Cabral Filho, que nunca pareceu tão arrogante, tão Garotinho. E pior: abrindo o flanco para a empreitada eleitoral de Wagner Montes.
Restar torcer para que os novos carros em tom azul-claro e as gratificações para soldados – anunciados bem depois de instaurado o furdunço - sejam o suficiente para acalmar os ânimos. Para levantar, duvido.
O playboy descamisado do carro que abalroará o meu não tinha seguro e me fez uma proposta assaz curiosa e bem brasileira, no mau sentido: que eu assumisse a culpa pelo acidente. Assim, a minha seguradora pagaria pelos dois carros. Não que eu achasse que ele tivesse culpa. A situação era, de fato, um acidente: alguns metros à frente algum mané deu uma freada brusca, todo mundo teve que seguir o exemplo, e ele foi mais infeliz. Mas como eu poderia assumir a culpa por receber uma batida na traseira? E por que ele partia do princípio que fraude é um esporte universal? Nem respondi. Apenas me afastei e sentei ao pé de um poste para proteger a cara do sol. Nisso, um dos policiais se aproximou:
- vou ali comprar água.
Devo ter murmurado algo entre como “beleza”, mas o policial ficou estático, me encarando. Nunca terei certeza do que ele queria, mas a única opção crível é que fosse a deixa para eu pagar a sua “água”, provavelmente sem esperar troco. Ah, sim, eu era a vítima do acidente e tinha todos os documentos em ordem, mas mesmo assim ele esperou pacientemente que eu me manifestasse. Quando desistiu de encarar meu silêncio, também desistiu de comprar a água.
Chegado o guincho, fui para a delegacia, onde dei meu relato e citei como vítima a minha amiga que foi para no hospital. Dias depois, quando fui buscar o boletim de ocorrência... a existência dela fora simplesmente apagada do papel. Como “vítima”, constava apenas uma das popozudas do carro que batera no meu.
Não sei como foi feita essa mágica, só posso especular. Então decidi nunca mais dirigir. E o principal motivo para isso é que eu tenho pavor de polícia. Pavor até de confessar que tenho medo da PM.
Isso aconteceu há anos, e nunca tive coragem de escrever a respeito. Não perdi o medo, mas acho que o entendi melhor graças à crise da PM nas últimas semanas.
Não entendo xongas de segurança pública, sou só carioca. Só um carioca que, dia desses passeando à noite por um subúrbio cercado de favelas e que me parecia particularmente seguro, ouvi do taxista:
- É que os donos da boate pagam 20 reais por noite pra patrulhinha circular aqui, dez pra cada policial. Mais daquela esquina pra lá o bicho pega.
Como um simples carioca, não sei quem é o mocinho e bandido nessa crise entre a Secretaria de Segurança e um grupo de coronéis da PM, só sei que não vejo vantagem em ser “protegido” por homens insatisfeitos com o salário e fazendo bico por aí de arma na mão.
Se eu fosse um jovem negro de classe baixa, certamente teria medo por ter maiores chance de ser preso ou morto. Como adulto branco de classe média a alta, o medo que tenho da PM é o mesmo que tenho de um mendigo. Medo de que ele venha me pedir uns trocados e acabe esfregando as sujeiras das ruas em mim.
Aumento de salário não traz ética instantânea a ninguém, não vai fazer com que a PM carioca perca a imagem de corrupta, violenta e ineficiente. E se esta história sobre a batida de carro serve para alguma coisa, é para exemplificar que a corrupção não é exclusividade de uma corporação, está entranhada na sociedade, e não vai acabar facilmente.
Por outro lado, a PM nunca vai perder essa imagem sem antes se livrar da imagem de mendicância,de que vale quarqué déi real, uma água, uma coxinha de galinha.
Longe de mim defender os barbonos, não entendo direito que apito tocam. Só não compreendo que uma justificada reivindicação salarial seja lida como insubordinação militar. Não é por falta de trocados que um PM desonesto saqueia um caminhão. Mas nem por isso a frase que deu origem à crise – “um soldado mal pago é presa fácil de corruptos ativos nas esquinas” – soa menos verdadeira. Dificilmente teremos mais PMs honestos (sim, eles existem) enquanto quarqué déi real fizerem tanta diferença para pagar as contas, da mesma forma que nunca teremos paz nas ruas enquanto o crime for mais atraente que a escola para jovens pobres.
Daí ser difícil entender a reação de Sérgio Cabral Filho, que nunca pareceu tão arrogante, tão Garotinho. E pior: abrindo o flanco para a empreitada eleitoral de Wagner Montes.
Restar torcer para que os novos carros em tom azul-claro e as gratificações para soldados – anunciados bem depois de instaurado o furdunço - sejam o suficiente para acalmar os ânimos. Para levantar, duvido.
PAULO RICARDO PAÚL
CORONEL DE POLÍCIA
CIDADÃO BRASILEIRO PLENO
3 comentários:
Meu DEUS!!!!! Fico pensando o que sente um Bom Soldado lendo uma matéria dessas!!!!
e bom saber que a sociedade esta começando a perceber o quanto nois policiais,estamos em um estado de miseria , o quanto e dificil sustentar nossas familias, nois policiais ,nao vou entrar no merito de "honestos", pois cada um sabe onde seu calo aperta.muitos preferem fazer seguranças. é a forma mais honesta que arrumamos pra tentar complementar nossa renda,melhor dizendo ,a grosso modo , e o salario da policia que complementa a nossa renda,pq trabalhamos mais no bico do que na nossa propria corporaçao, entao quando assumimos nossos serviços principalmente a noite buscamos locais onde possamos dar uma "cochilada" pois no dia seguinte temos empresarios para serem escoltados, temos lojas para evitar roubos e furtos, entao para nossa corporaçao so sobra o resto , e o resto de um ser humano que muitas vezes nao tem tempo de ver seu filho crescer , de ir a uma praça "jogar uma bola" e ate mesmo, ter tempo de ver seu filho dizer as primeiras palavras, muitas vezes so nos resta ver nossos filhos dormindo e na maioriia das vezes isso e o inverso, ouvir nossas esposas dizendo ao nosos filhos que o papai esta cansado por isso ele nao pode brincar...ele tem que dormir a tarde pois tera que trabalhar a noite.....
é caro coronel essa e uma parte da realidade que talvez o SRº nunca tenha vivido, mais para nois praças e uma rotina constante.
obrigado por abraçar essa causa
espero que esse movimento seja mais divulgado entre todas as fileiras da corporaçao, pois nem todos tem a facilidade de acessar a internet.
acabei de chegar e meu filho ja esta dormindo , pela manha vou sair e ele nem vai ter visto o seu pai hoje.
mais nunca senti vergonha de ser policial e agora menos ainda , obrigado
è agora eu sei que posso dizer que
JUNTOS SOMOS FORTES......
A todos os cidadãos que passam a "ter coragem" e divulgar o que passaram...
A todos que acreditam nos bons policiais e que desejam ver nossa sociedade melhorar (claro que gradativamente)
Comparecam em nossa mobilização...
Essa luta não é somente nossa...
Não é só por melhores salários...
E também em defesa de melhores condições de defesa a sociedade fluminense...
Comparecam todos...
Estaremos de folga, desarmados, com nossos familiares e contando com o apoio de todos...
JUNTOS SOMOS FORTES !!!
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