"Comando não tem legitimidade"
Ex-corregedor da Polícia Militar diz que decisões emocionais não vão solicionar crise
Marcelo Copelli
Ex-corregedor da Polícia Militar diz que decisões emocionais não vão solicionar crise
Marcelo Copelli
Polêmico e despido de receios ao falar e escrever o que pensa, o coronel da Polícia Militar do Rio de Janeiro Paulo Ricardo Paúl, integrante de destaque do grupo de coronéis conhecido como "Barbonos", é responsável por um dos blogs mais acessados por integrantes da instituição. Sem meias palavras, afirma que a cidade assiste decepcionada à crise que se instaurou, não na corporação como muitos insistem em dizer, mas sim na política de segurança pública. "A estratégia que está sendo usada, a política implantada na segurança pública está sendo totalmente ineficaz".
Sobre a declaração feita em seus textos virtuais sobre o caso envolvendo quatro policiais militares flagrados roubando caixas de cerveja, e que foi o estopim para a transferência do oficial da direção da Corregedoria da PM, Paúl afirma que parte da mídia errou propositalmente na veiculação do fato." Houve uma interpretação tendenciosa. Uma das coisas que estão incomodando o governo do estado é o meu blog. Sou cidadão brasileiro, estou no exercício do meu direito constitucional (...) eu escrevi um artigo, e um parágrafo meu foi transformado numa frase. Mas eu disse a frase que não poderia ser dita", afirma. Paúl aposta que a situação atual dos comandos da Polícia irá se reverter.
"Você é nomeado para comandar, é um ato. Agora, você só comanda se for líder. Você só lidera se tiver legitimidade. O comando, hoje, da Polícia Militar não tem legitimidade. Ele tem legalidade (...) eu acredito que tudo isso será revertido. Acho muito difícil que a situação atual se mantenha. Ela é insustentável", aposta o oficial.TRIBUNA DA IMPRENSA - Como o senhor define a situação do Policial Militar e da própria instituição?
PAULO RICARDO PAÚL - Embora o governo estadual diga que há uma situação de normalidade, nós estamos vivendo uma crise na segurança pública do Rio de Janeiro. É notória e de domínio público. A estratégia que está sendo usada, a política implantada na segurança pública está sendo totalmente ineficaz.
No Rio, em governos alternados, sempre aconteceu a política do enfrentamento. É a repetição de um erro. Durante um processo que a gente estabelece para solucionar um problema, se observarmos que algo está dando errado temos que rever, reavaliar e, às vezes, mudar radicalmente. Os governantes têm que entender que repressão ao tráfico de drogas é nível tático. Não é nem nível estratégico, quanto menos uma " política de segurança pública". A política é muito mais do que isso. Tem que se começar com uma prevenção.
O que tem sido feito no atual governo para prevenir problemas de segurança pública? E para resgatar os jovens que estão nas comunidades carentes e que não têm nenhuma expectativa de futuro? Que projetos estão sendo feitos? O que nós vemos é uma política repressiva, na qual a polícia invade as favelas, há confrontos armados com traficantes, morre policial, bandido, pessoa de bem, apreende armas, drogas e no dia seguinte está tudo igual. O chefe hoje é o " Manuelzinho". Ele é morto e amanhã o chefe é o "Tiãozinho". E isso se repete na cidade, governo após governo.
Nós temos uma crise de gerenciamento da política de segurança e de assessoramento do governo estadual. Além disso, acrescento que as respostas do governo têm sido todas emocionais e não racionais para solucionar os problemas. Vem com a emoção e "exonera o comandante-geral, exonera o corregedor, exonera os barbonos". Os barbonos são reconhecidamente coronéis de qualidade da instituição, que têm carreiras de mais de trinta anos, sólidas e dignas. Aí quando se diz que vai ser feito um expurgo na Polícia Militar e se afasta esse grupo de coronéis, perde-se a razão, a lógica. É um absurdo.
Qual a sua posição a respeito da Secretaria de Segurança Pública?
Existe um problema estrutural que é a existência da secretaria. Um órgão plenamente dispensável. A única função dela é operacionalizar a política de segurança pública, coordenando as duas instituições policiais, Militar e Civil. Não tem nenhuma outra função. Segundo a própria mídia, o órgão consome, só da PM, cerca de 549 policiais militares. É maior do que o efetivo de um batalhão. Fora os policiais civis e federais que trabalham lá. Acabando com a secretaria, você já ganharia um batalhão para colocar na rua. Só na Polícia Militar.
Nós vivemos em um mundo em que o tecnicismo é fundamental. Temos que ter no Rio, uma Secretaria de Estado da Polícia Militar, uma Secretaria de Estado da Polícia Civil, e um secretário estadual para cada uma. Haveria uma interação muito maior. Para que se ter um intermediário? Além disso, um aspecto que é fundamental, no serviço público o custo é uma fator determinante. O dinheiro público não pode ser gasto indevidamente. Se você tem um órgão que é dispensável, caríssimo e muito oneroso, ele deve ser suprimido.
Qual a configuração dos barbonos e os 40 da Evaristo no contexto de reivindicações dos policias militares?
Os dois grupos surgiram ano passado, de forma isolada e não interagiam um com outro. Cada um fazia uma atividade. Os barbonos eram um grupo composto por nove coronéis da ativa, dentre eles, inclusive, o atual comandante-geral. Nós resolvemos encaminhar um documento ao governador Sérgio Cabral, já que ele tinha feito várias promessas ao longo da campanha de valorização do policial, a chamada "Carta dos Barbonos", que pode ser acessada na íntegra no meu blog. Tinha 12 reivindicações, e a principal delas, é claro, era o salário. Paralelamente a isso, surgiu um grupo formado não por coronéis, mas sim tenentes-coronéis, majores, capitães, tenentes, sargentos, cabos e soldados. Tinha oficiais e praças.
Enquanto nós (os Barbonos) fazíamos documentos, tivemos entrevista com o secretário de Segurança, fomos recebidos pelo governador, o comandante-geral na época acompanhou todo o processo, o outro grupo realizava atos cívicos nas ruas. Um em Copacabana, outro na Cinelândia, e um último mais uma vez em Copacabana, com uma campanha até solidária, doando sangue para o Hemorio. E sempre foi um movimento ordeiro, pacífico, no qual eles cantavam o Hino Nacional, a canção do policial militar, do soldado do fogo e liam a pauta de reivindicações deles que era semelhante a nossa, cujo foco principal era a questão salarial.
Esses dois grupos acabaram ao longo do processo se aproximando, até que ambos, em conjunto, realizaram a última marcha que foi feita. Eu diria que deveríamos até esquecer essas denominações de Barbonos e 40 da Evaristo, porque a mobilização, hoje, é institucional. Nós chamamos de mobilização cívica pelo resgate da cidadania do policial e do bombeiro militar, cujos objetivos principais são a concessão de salários dignos e adequadas condições de trabalho.
O governo estadual está entregando mais de 600 viaturas para a Polícia Militar, novas, com economia de combustível, etc. Ótimo. A gente aplaude. Está melhorando a condição de trabalho do policial. Mas o mesmo policial que vai usar aquela viatura continua ganhando menos de R$ 30 por dia para arriscar a vida, percebe? E faço mais uma observação, novamente o governo repetiu um erro. Não sei por que, talvez pelo marketing político, os governantes do Rio têm a mania de não respeitar a padronização das viaturas da Polícia Militar.
A instituição é ostensiva. Ou seja, você tem que aparecer mesmo e poder ser identificado. O cidadão olha e diz "aquela é uma viatura da Polícia Militar". A PM tem hoje quatro modelos diferentes de padronização das viaturas. Uma do governo Garotinho, uma do governo Rosinha, uma do Pan e agora outra do Sérgio Cabral. É uma polícia multicolorida. Gera até dúvida na hora de distinguir. Cria-se uma confusão e o cidadão acaba não sabendo quem é quem.
O senhor diria que o trabalho policial está sendo prejudicado pelo intervencionismo político ou existe autonomia nas decisões tomadas pelos comandos dos batalhões?
A autonomia é sempre relativa, pois quem estabelece a política de segurança pública é o governo do Estado. Mas a interferência política certamente ela diminuiu no que diz respeito às promoções de oficiais. Nós tivemos um problema muito grave no governo da Rosinha, nesse sentido. Uma interferência nociva para a instituição que gerou grande prejuízo.
No governo atual, nós tínhamos um comandante-geral escolhido pelo governador que era o coronel Ubiratan. Ele tinha legitimidade, pois desde tenente ele disse que um dia seria comandante-geral da Polícia Militar. O coronel Ubiratan, e não há vergonha nenhuma em se falar nisso, ele veio de uma comunidade carente. Foi um menino muito pobre. Trabalhou fazendo carreto em feira, vendia balas em porta de cinema, e hoje é um homem que tem uma cultura muito grande. É reconhecido até internacionalmente. Fala fluentemente três idiomas. É reconhecido no meio acadêmico.
Aí o que aconteceu, nós fizemos uma marcha democrática e o governador exonerou o comandante-geral. E colocou um outro, até porque a função tem que ser preenchida. Colocou o coronel Pitta, que nos causou uma profunda estranheza. Primeiro que o coronel Pitta é barbono, desde o começo. Participou de todos os atos, assinou todos os documentos, veio aqui nas reuniões e votou. No dia seguinte à marcha, o coronel Pitta comemorou conosco o sucesso da marcha. Ele não foi como participante, mas como ele era chefe do Estado-Maior da PM-2, teve que acompanhar a marcha. Nada mais natural. Estava cumprindo a missão dele. Ele certamente mandou filmar a marcha, isso tudo a gente tem certeza que aconteceu, mas era o serviço dele. Aí na segunda feira ele diz," Pô Paul, graças a Deus que correu tudo bem". Ele calculou entre 1.100 e 1.200 pessoas presentes na marcha. Ele que fez esses cálculos. É especialista nisso, porque ele acompanha todos esses movimentos que acontecem.
E de repente, na parte da tarde, é escolhido como comandante-geral da Polícia. E ele sempre disse que nunca seria comandante-geral da Polícia Militar. O sonho do coronel Pitta era ser o diretor de Inteligência da instituição. Hoje, a Inteligência da Polícia Militar é o órgão de assessoramento do chefe do Estado-Maior. Seria como um subcomandante da PM. E nós entendemos que a Inteligência tem que assessorar o comandante-geral. Então o sonho dele (Pitta) era sair desse assessoramento ao chefe do Estado-Maior e passar ao assessoramento direto do comandante-geral, criando-se a Diretoria de Inteligência.
Ele sempre falou pra mim que nunca passava na cabeça dele ser comandante-geral ou chefe do Estado Maior, tanto é que ele assinou a carta dos Barbonos onde nós nos comprometemos a nunca exercer essas duas funções, nem comandante-geral, nem chefe do Estado-Maior, caso o coronel Ubiratan fosse exonerado.
Ano passado, nove coronéis, incluindo o senhor e o coronel Gilson Pitta Lopes, começaram a reivindicar melhorias salariais. Hoje, Pitta é o novo comandante-geral da Polícia Militar. Vários oficiais foram exonerados e outros serão aposentados. Antes de ser empossado, o senhor enviou pelo celular duas mensagens ao novo comandante dizendo "confio em você", e "não aceite".
O senhor considera Pitta um traidor da causa dos Barbonos?
Em relação às mensagens, eu mandei realmente. Enquanto isso estava acontecendo na Secretaria de Segurança, nós estávamos aqui reunidos no clube (dos oficiais) para avaliar a marcha e os próximos passos. Aí surgiu a história, todo mundo perplexo, eu mandei duas mensagens para ele. Na da noite veio uma notícia de que ele teria aceitado e depois recusado. Eu rapidamente liguei para o plantão da PM-2. Disse para a agente que me atendeu, "por favor, você sabe da amizade que eu tenho pelo Pitta. Nós estamos aqui no clube, muito preocupados. Ninguém está acreditando que o Pitta aceitou assumir o comando geral da corporação".
Eu e o Pitta nos dávamos muito bem, até porque ele era o chefe da Inteligência e eu o chefe da Corregedoria. Até funcionalmente nos aproximávamos. A gente se falava várias vezes por dia, pessoalmente e por telefone, e também nos fins de semana. Eu não gosto de usar essa palavra "traição". Embora no militarismo a palavra seja muito usada quando acontecem coisas semelhantes a essa, no caso, de ter assumido um compromisso e depois mudar o firmado. Mas eu até hoje não ouvi da boca do coronel Pitta o que o motivou a aceitar.
Não tiveram mais contato depois disso?
Não. Eu fiz o seguinte, já sei que pelo telefone ele não vai me atender. Eu agora estou na Diretoria Geral de Pessoal (DGP) e dei entrada em alguns documentos. Dei entrada no pedido de reconsideração de ato, que é uma solicitação administrativa, porque eu fui retirado da Corregedoria e transferido para a DGP contrariando um decreto do próprio Sérgio Cabral. O governador editou recentemente um decreto de que o integrante de um órgão correcional estadual ao ser afastado poderia escolher por um ano a primeira lotação dele.
Eu não tive esse direito. Comuniquei esse fato ao Ministério Público e entrei com um pedido de reconsideração de ato administrativo, que ainda não obtive resposta. Também entrei com o pedido, por escrito, para que fosse agendada uma audiência com o comandante-geral. Até hoje também não obtive resposta para minha solicitação.
Eu continuo vendo isso como um pesadelo, a verdade é essa. Um pesadelo. Enquanto eu não estiver com ele (Pitta) e conversarmos para que me diga, "Paulo aceitei por isso..", e for uma coisa convincente, eu prefiro não fazer uma avaliação maior. Eu estou decepcionadíssimo. Não imagino uma razão que possa ter motivado o coronel Pitta a aceitar isso. A Polícia Militar vive um momento de decepção muito grande.
A tropa satisfeita porque pela primeira vez os coronéis estão tomando a frente de uma reivindicação salarial. Mas, também muito decepcionada com aqueles que estão mudando de opinião, que estão voltando atrás, que não estão engajados. Você é nomeado para comandar, é um ato. Agora, você só comanda se for líder. Você só lidera se tiver legitimidade. O comando, hoje, da Polícia Militar não tem legitimidade. Ele tem legalidade.
Um oficial durante uma reunião no Clube dos Oficiais da PM declarou que Pitta nunca havia comandado um batalhão, e com isso, talvez, não tivesse suporte para comandar toda a corporação. O senhor concorda?
Não vejo bem dessa forma. O problema não é ele não ter comandado uma unidade operacional, mas sim como ele ascendeu ao Comando Geral da corporação. Porque se comandar unidade operacional fosse o requisito ideal para ser comandante-geral, teria então que ser o coronel Menezes, um dos Barbonos que foi exonerado e já comandou mais de dez unidades operacionais, inclusive o Comando Intermediário.
De forma geral, como o senhor analisa as mudanças ocorridas no comando da instituição e quais sua perspectivas ?
Sinceramente, eu acredito que tudo isso será revertido. Acho muito difícil que a situação atual se mantenha. Ela é insustentável. Primeiro, pela falta de legitimidade. Segundo, a tropa não está satisfeita com isso. Você pode até amedrontar o soldado, o cabo, o sargento, o tenente, o capitão, você pode amedrontar até um coronel, mas você não vai mudar o que ele pensa. Ele pode até cumprir uma ordem que você dê, mas ele não vai mudar o que pensa. E, com certeza absoluta, a maioria esmagadora da tropa não vê legitimidade no atual comando da corporação.
Se não vê no comando, todas as nomeações feitas por esse mesmo comando vão pelo mesmo caminho. Até mesmo porque nós temos um comandante-geral que assinou junto com outros coronéis alguns documentos e depois voltou atrás. Qual a legitimidade que ele tem para assinar hoje um documento? Ele pode, a qualquer momento, assinar um documento e depois dizer, " não, agora eu mudei de idéia".
A versão oficial seria de que o coronel Pitta saiu do movimento porque os Barbonos alteraram seus rumos.
Mas qual rumo que foi alterado no movimento que determinou que ele saísse, se ele participou até no dia que ele foi nomeado? Porque ele comemorou conosco o sucesso da marcha. Ele veio aqui votar sobre a marcha, no clube. Se ele dissesse, "eu saí do movimento a partir do momento que vocês fizeram isso..". Ele não saiu nunca do movimento! Só saiu quando assumiu o comando geral da corporação. Aí hoje ele não é mais um Barbono. Na minha opinião ele até sepultou uma carreira brilhante, porque o coronel Pitta, na área de Inteligência, é reconhecido até nacionalmente.
O processo não vai conseguir se sustentar. Nós temos um comandante-geral que não fala com a imprensa. Eu até já fiz um desafio à mídia, que o jornalista que conseguir entrevistá-lo vai ganhar um prêmio jornalístico. O coronel Pitta só fala quando tem alguém do lado e até hoje só falou para a Rede Globo. O coronel Ubiratan dava entrevista todo o dia, ia a todos os programas. Ele foi na escola do filho do governador fazer palestra. Hoje nós temos um comandante-geral que não fala. Nem com a mídia.
A Rede Globo é que está repercutindo as versões oficiais que o governo do estado quer. Não há a menor dúvida. Ela está numa postura de porta-voz, e nós vimos isso aqui claramente. A culpa não é do jornalista. Eles vêm para cá e ficam horas, filmam, anotam, gravam. Chega lá a Rede Globo diz uma coisa que não aconteceu aqui. Diz a versão que o governo quer que seja dita. Há um filtro editorial.
Após o episódio em que quatro policiais militares foram fotografados retirando caixas de cerveja e refrigerantes de um caminhão roubado, o senhor comentou no seu blog que "o soldado mal pago e sem condições de trabalho é uma presa fácil para os corruptos ativos". O senhor acredita que houve uma interpretação errada por parte da mídia na época?
Houve uma interpretação tendenciosa. Uma das coisas que estão incomodando o governo do estado é o meu blog. Sou cidadão brasileiro, estou no exercício do meu direito constitucional. Não estou superdimensionando o meu blog, muito pelo contrário. É um blog pessoal, mas está servindo de voz para muita gente. Eu tenho postado artigos de outros coronéis, de sociólogos, reportagens. Houve dia de ter três mil visitas. Eu sei que ele é lido pela assessoria do governador diariamente e várias vezes. Eu soube até que eles deturparam o meu blog, e é bom que isso fique claro.
A interpretação da mídia foi tendenciosa, pois eles estão tentando derrubar o coronel Paúl da Corregedoria há muito tempo. E agora eu escrevi um artigo, e um parágrafo meu foi transformado numa frase. Mas eu disse a frase que não poderia ser dita. Eu disse que o policial mal pago é uma presa fácil para o corrupto ativo que existe em cada rua, em cada esquina. E é verdade. Se eu ganho menos de R$ 30 por dia para arriscar a minha vida, e se você me oferecer R$ 10 para eu não te multar, isso é uma parcela significativa do meu salário. Mas, peraí coronel, o senhor está dizendo então que o cara tem que se corromper porque ganha mal? Não! Até porque no Brasil nós temos pessoas que ganham infinitamente bem e são corruptos aos extremos.
Nos escândalos políticos no Brasil eu ainda não vi um político pobre envolvido. Eu só vejo político rico. Não poderiam de forma nenhuma se corromper. Agora não resta dúvida, se eu sou o corrupto ativo, aquele que quer corromper alguém, é muito mais fácil corromper uma pessoa que ganha R$ 30 por dia, do que eu corromper uma que receba R$ 200 por dia. Porque para corromper uma que ganha R$ 30, eu posso chegar com R$ 50 e ele vai ficar toda feliz. Se ele for um corrupto, se não tiver uma boa formação. Se tiver uma boa formação, eu posso chegar com R$ 1 milhão que ele não vai se corromper. Agora, se ele ganhar R$ 200 por dia, para eu corromper eu vou ter que oferecer R$ 500, porque ele não vai correr o risco de perder o emprego por tão pouco. Ainda mais na Polícia Militar que no meu período foram excluídos 550 policiais. Polícia Militar não tem corporativismo não. Nós excluímos uma guarnição no meu período porque ela pediu e não recebeu R$ 2 de uma kombi.
A PM tem sido extremamente rigorosa com o desvio de conduta. Agora, o policial ganha tão pouco, que está perdendo o medo de perder o emprego. Por exemplo, se o policial ganha R$ 30 por dia, quando vai no "bico" no dia seguinte, ganha mais do que na Polícia. Então se ele perder o emprego, vai passar a ir todo dia no bico e vai receber mais. E hoje em dia a preocupação nossa é com o salário.
Apesar de a complexidade da violência urbana trazer consigo a sensação de insolubilidade, existem iniciativas que podem reverter esta noção pessimista. Por que razões tão poucos projetos policiais comunitários são desenvolvidos, a exemplo do que já ocorre na comunidade do Morro do Cavalão, em Niterói, com a presença constante do Grupamento de Policiamento para Áreas Especiais (Gpae)?
Porque nós não temos uma política de segurança pública. Isso seria uma parte preventiva, desenvolver projetos comunitários, interagir com a comunidade, levar programas sociais, a exemplo do Morro do Cavalão. É uma forma de se fazer, mas aqui a política implantada é a da repressão.
Existe um ditado popular que diz " errar é humano". O ditado está errado. Alguém escutou e foi repetindo. O ditado deveria ser é acertar é humano. Quem fica errando até acertar é o animal que vai no ensaio e erra. Mas ele tem um instinto. Algumas coisas ele já nem faz. Nós não. Erramos e continuamos a errar. Nós temos que ver se o processo está dando certo, temos que aprimorar para cada vez dar mais certo. Deu errado? Vamos reavaliar. O projeto do Cavalão está dando certo, então vamos repetir.
Nós vamos ter insegurança pública até quando? Até quando nós vamos ter que nos refugiar em shopping centers? Até quando a gente não puder andar nas ruas à noite com tranqüilidade? Temos que mudar o modelo e resgatar a mão-de-obra que está sendo utilizada pelo tráfico de drogas, que é o menino da comunidade carente que não tem futuro. Se ele não joga bola bem, não sabe cantar funk, ele está perdido. Então a visão de futuro dele é na comunidade ser o "cara". E isso acaba levando ao envolvimento com o tráfico de drogas. Nós temos que cortar essa linha cruel, temos que salvar essa juventude. A turma tem que vir para a escola, trazê-los para a cidadania.
Vários policiais já disseram que se sentem inseguros em andar pela cidade. Muitos temem em ter suas identidades descobertas e até evitam expor suas fardas em locais próximos de casa. Como o senhor analisa isso? O senhor se sente seguro andando pela cidade?
Eu não me sinto seguro. Tanto é que eu estou cerceando a minha liberdade. Não saio mais de casa à noite. Eu moro no Méier, e lá é uma área que não tem "chegada boa". A 24 de maio tem assalto. Linha Amarela tem assalto, Suburbana tem assalto. Se eu vier por Inhaúma tem assalto. Tu já imaginou se em um momento em que estão polarizando governador do Estado e a nossa mobilização, e eu sou assaltado? Acontece algo mais grave vão dizer que forjaram um assalto para matar o coronel Paul, que era Barbono. Vai se criar um fato, um problema. Eu me previno o máximo. E com o policial militar não é diferente. Ele esconde a carteira, a farda e a arma, e dependendo de onde more, ainda tem que secar a roupa dentro de casa."
PAULO RICARDO PAÚL
CORONEL DE POLÍCIA
CIDADÃO BRASILEIRO PLENO
5 comentários:
Há muitos anos não leio uma entrevista em que o entrevistado tenha sido tão sincero como nesta.
Em se tratando do assunto: SEGURANÇA PÚBLICA; digo com convicção que JAMAIS um entrevistado foi tão sincero quanto o Cel Paúl nesta matéria.
Parabéns pela sua coragem!
Turma 76
Eu entrei na PM em 1984 como praça, e naquela época fazendo estágio no 19º BPM, mais precisamente de PO na Rua Figueiredo Magalhães, ainda recruta, fui supervisionado pela Supervisão de Oficial do CFAP, quem era o supervisor, o TEN Paul, a paisana e de forma educada me abordou, e eu naquela época me espantei, nunca havia sido tratado com tanta educação por um oficial da PMERJ, pensei nem parece um Oficial da PM, por sua forma simples, educada e cortez de tratar um subordinado mesmo um recuta com apenas 2 meses de caserna.
Hoje sou Oficial e cada vez mais tenho confirmada aquela impressão que tive em 1985, melhor vejo que além de educado é um homem inteligente esclarecido, capaz e corajoso, pena não ter tido a oportunidade de trabalhar diretamente com ele.
Sr. Cel Paul continue firme no seu propósito que os PPMM confia no senhor.
Ass. Um Oficial PM
Sr.Cel.Paúl:
Parabéns pela clareza na explanação do momento em que passa o Militar Estadual.
Falar de maneira clara, sem meias verdades é um ponto maravilhoso para o leitor.
Mais uma vez parabéns pelas entrevistas.
Um abraço,
CHRISTIMNA ANTUNES FREITAS
MEUS PARABÉNS,A SUA ENTREVISTA FOI MARAVILHOSA,QUEM MORA NO MEIER NÃO BOBEIA.SAUDAÇÕES TRICOLORES E MUITAS FELICIDADES.A PMERJ PRECISA DE UNS 100 HOMENS IGUAIS AO SENHOR PARA RESOLVERMOS LOGO ESTE ASSUNTO.MAS A CADA DIA O GRUPO ESTA FICANDO MAIS FORTE E UNIDO, QUE O GRANDE ARQIUTETO DO UNIVERSO NOS ABENÇÕE.
VIVA A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E VIVA A PMERJ.
CADA VEZ MAIS JUNTOS E CADA VEZ MAIS FORTES.
JOÃO DO MEIER
Parabéns Comandante pela clareza, sinceridade e conhecimento demonstrados na entrevista. Apesar de hoje ter perdido minha perspectiva de carreira, por estar participando do Movimento, nunca estive tão feliz e realizado como profissional, por estar sendo liderado por homens dignos e honrados, que demonstram a cada dia o compromisso com a Instituição e com a sociedade. Coronéis da PMERJ sigam os exemplos destes homens, destes legítimos Comandantes e Líderes e parem de só pensar em si próprios. Lembrem-se do lema que simboliza o espadim de Tiradentes: IDEALISMO E DESTEMOR.
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