CEM DIAS
10/04/2011
Ao chegar hoje à marca simbólica dos cem dias, o governo Dilma Rousseff já permite discernir o estilo da presidente e os rumos que pretende imprimir à administração. Como era de prever, a tônica tem sido a continuidade em relação ao governo anterior. Isso não se deve somente ao fato de a candidatura Dilma ter prosperado no bojo da imensa popularidade do então Presidente Lula. Qualquer sucessor seria levado a manter a orientação geral de um governo que, merecendo críticas pertinentes, apresentou um saldo muito favorável em suas políticas econômica e social.
São notórias, ao mesmo tempo, as correções de rota. Não é apenas a conduta mais contida que contrasta com a exuberância, nem sempre adequada, do antecessor. Se Lula já havia diluído o teor dogmático do programa petista, cancelando na prática a maioria de seus clichês, Dilma parece fazer um governo ainda menos ideológico, em que a ênfase está no gerenciamento dos problemas. Assim, após um ciclo de gastança, o governo puxa as rédeas da despesa pública, ao determinar corte de R$ 50 bilhões no Orçamento e adotar uma política dura, ao menos no curto prazo, em relação ao salário mínimo. Fazenda e Banco Central, atuando com mais harmonia do que no passado, parecem devidamente atentos ao dilema de conter uma inflação renitente sem empregar medidas que reduzam o crescimento a menos de 3% ou 4% ao ano.
A política externa recuperou o equilíbrio perdido. Sem renunciar à desejável afirmação da autonomia nacional e ao pleito de mais equidade nas relações entre os países, abandonou-se a atitude seletiva para com valores internacionais, tais como os direitos humanos, que nos aproximava de regimes autocráticos e gerava desnecessário atrito com os países desenvolvidos. Estes precisam ser confrontados não em torno de fantasias ideológicas, mas de contenciosos concretos, que não faltam.
Ciente de que, apesar da vitória indiscutível, metade do eleitorado não sufragou seu nome, Dilma Rousseff tem procurado ampliar apoios e reduzir arestas com adversários. Isso implica cultivar a classe média emergente e seus valores de êxito pessoal. Implica também usar o formidável poder do Executivo federal para manter vasta gama de partidos e oligarcas sob controle do governo. Sem alterar os péssimos costumes políticos do país, o Planalto até agora não deu mostra de abusar deles.
Mas nem tudo são rosas. Há dúvidas sobre a capacidade de implantar a pouca disciplina fiscal a que o governo se propôs. Preocupam tanto a exagerada valorização do real, que castiga a indústria e as exportações, como o risco de a inflação escapar ao controle por erros de dosagem em seu combate. E o governo emite sinais contraditórios, como no repasse de R$ 55 bilhões ao BNDES, que expande o crédito e estimula a demanda, contribuindo para a pressão inflacionária.
O espírito gerencial por vezes se mostra abusivo, como no dirigismo estampado nas recentes interferências no comando da Caixa Econômica Federal e da Vale. Ao mesmo tempo em que os investimentos em infraestrutura são elevados, com toda razão, a prioridade máxima, o governo tarda em organizar as oportunidades de parceria entre empresas e poder público capazes de viabilizar as inversões. Não é segredo que o país está atrasado na preparação de eventos como a Copa do Mundo (2012) e os Jogos Olímpicos (2016). Indefinições pairam sobre obras controvertidas, como o trem-bala a ligar Campinas ao Rio, e projetos polêmicos, como a reforma do Código Florestal.
Mais preocupante, talvez, é a falta de um programa de governo que vá além da gestão cotidiana. Receou-se na campanha que o esmagador predomínio governista no Congresso Nacional ensejasse alguma aventura autoritária; pergunta-se hoje o que a presidente pretende fazer com tamanha maioria. As reformas previdenciária e tributária continuam à espera de um governo disposto a realizá-las. O gasto público precisa ser contido a longo prazo e a taxa de investimento precisa crescer. A educação pública de qualidade ainda é uma miragem.
Apesar do início auspicioso, não faltam, como se vê, lacunas e desafios.
JUNTOS SOMOS FORTES!São notórias, ao mesmo tempo, as correções de rota. Não é apenas a conduta mais contida que contrasta com a exuberância, nem sempre adequada, do antecessor. Se Lula já havia diluído o teor dogmático do programa petista, cancelando na prática a maioria de seus clichês, Dilma parece fazer um governo ainda menos ideológico, em que a ênfase está no gerenciamento dos problemas. Assim, após um ciclo de gastança, o governo puxa as rédeas da despesa pública, ao determinar corte de R$ 50 bilhões no Orçamento e adotar uma política dura, ao menos no curto prazo, em relação ao salário mínimo. Fazenda e Banco Central, atuando com mais harmonia do que no passado, parecem devidamente atentos ao dilema de conter uma inflação renitente sem empregar medidas que reduzam o crescimento a menos de 3% ou 4% ao ano.
A política externa recuperou o equilíbrio perdido. Sem renunciar à desejável afirmação da autonomia nacional e ao pleito de mais equidade nas relações entre os países, abandonou-se a atitude seletiva para com valores internacionais, tais como os direitos humanos, que nos aproximava de regimes autocráticos e gerava desnecessário atrito com os países desenvolvidos. Estes precisam ser confrontados não em torno de fantasias ideológicas, mas de contenciosos concretos, que não faltam.
Ciente de que, apesar da vitória indiscutível, metade do eleitorado não sufragou seu nome, Dilma Rousseff tem procurado ampliar apoios e reduzir arestas com adversários. Isso implica cultivar a classe média emergente e seus valores de êxito pessoal. Implica também usar o formidável poder do Executivo federal para manter vasta gama de partidos e oligarcas sob controle do governo. Sem alterar os péssimos costumes políticos do país, o Planalto até agora não deu mostra de abusar deles.
Mas nem tudo são rosas. Há dúvidas sobre a capacidade de implantar a pouca disciplina fiscal a que o governo se propôs. Preocupam tanto a exagerada valorização do real, que castiga a indústria e as exportações, como o risco de a inflação escapar ao controle por erros de dosagem em seu combate. E o governo emite sinais contraditórios, como no repasse de R$ 55 bilhões ao BNDES, que expande o crédito e estimula a demanda, contribuindo para a pressão inflacionária.
O espírito gerencial por vezes se mostra abusivo, como no dirigismo estampado nas recentes interferências no comando da Caixa Econômica Federal e da Vale. Ao mesmo tempo em que os investimentos em infraestrutura são elevados, com toda razão, a prioridade máxima, o governo tarda em organizar as oportunidades de parceria entre empresas e poder público capazes de viabilizar as inversões. Não é segredo que o país está atrasado na preparação de eventos como a Copa do Mundo (2012) e os Jogos Olímpicos (2016). Indefinições pairam sobre obras controvertidas, como o trem-bala a ligar Campinas ao Rio, e projetos polêmicos, como a reforma do Código Florestal.
Mais preocupante, talvez, é a falta de um programa de governo que vá além da gestão cotidiana. Receou-se na campanha que o esmagador predomínio governista no Congresso Nacional ensejasse alguma aventura autoritária; pergunta-se hoje o que a presidente pretende fazer com tamanha maioria. As reformas previdenciária e tributária continuam à espera de um governo disposto a realizá-las. O gasto público precisa ser contido a longo prazo e a taxa de investimento precisa crescer. A educação pública de qualidade ainda é uma miragem.
Apesar do início auspicioso, não faltam, como se vê, lacunas e desafios.
PAULO RICARDO PAÚL
PROFESSOR E CORONEL
Ex-CORREGEDOR INTERNO
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