domingo, 20 de fevereiro de 2011

DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA DO SERVIDOR PÚBLICO.

No processo disciplinar brasileiro, o ônus da prova incumbe à Administração
O princípio da presunção de inocência está contido no art. 5º, LVII da CF. Funciona esse uma garantia que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
No processo administrativo disciplinar incide o mesmo princípio, que possui uma presunção juris trantum, podendo ser elidida ou afastada mediante "a existência de um mínimo necessário de provas produzidas por meio de um devido processo legal e com a garantia da ampla defesa. (Alexandre de Moraes, Constituição do Brasil Interpretada, Atlas, 2002, p. 385.)
A era da verdade sabida foi descartada do cenário do processo administrativo, para dar lugar a verdade real, onde os fatos e as provas devem desconstituir a presunção de inocência do servidor público.
Não se deve julgar mais administrativamente pelo fator político, onde a vontade da Administração Pública era a prevalente, independentemente da materialidade ou das provas do procedimento serem contrárias ao entendimento do poder público.
Isto porque, a "presunção de inocência condiciona toda condenação a uma atividade probatória produzida pela acusação e veda taxativamente a condenação, inexistindo as necessárias provas. (Alexandre de Moraes, Constituição do Brasil Interpretada, Atlas, 2002, p. 385.)
Por esse princípio, necessariamente, deverá o acusador provar que o servidor praticou um ato delituoso, pois é vedada a condenação se inexiste as necessárias provas que atestem o apenamento:
"1 – O ônus da prova dos fatos constituídos da pretensão penal pertence com exclusividade à acusação, sem que se possa exigir a produção por parte da defesa de provas referentes a fatos negativos (provas diabólicas). (Alexandre de Moraes, cit. ant., ps. 385.)
O Estado Democrático de Direito, do qual o Brasil é signatário, tem na presunção de inocência um de seus princípios, onde qualquer cidadão, inclusive o agente público, não poderá entrar no rol dos culpados pelo cometimento de ato ilícito se não for provado, pelo órgão ou ente apurante, que ele cometeu qualquer ilícito ou falta disciplinar. As chamadas provas diabólicas, que são plantadas de maneira irregular, obtidas por meios ilícitos ou não, não são admitidas, pois o acusado no processo disciplinar não tem que provar que é inocente de qualquer acusação a ele imputada. Quem tem o dever e a obrigação de provar a culpa disciplinar do agente público é a Administração Pública. Exemplo: no caso de haver uma acusação de estelionato, onde é dirigida ao agente público a acusação contida no art. 171 do Código Penal, quem deverá provar que houve ou não lesado?
Ora, a resposta é bem clara, tendo em vista que o agente público, por militar em seu favor a presunção de inocência, não terá que provar nada, se a Comissão Disciplinar não obtiver provas contundentes que houve ou não um lesado e que foi na condição de servidor público que foi cometido o ato ilícito.
O princípio da prova é inverso, tendo em vista que competente acusação provar que o servidor público é culpado, militando em favor do acusado o princípio da presunção de inocência.
Essa presunção de inocência só poderá ser elidida com a devida prova (constatação) de que houve falta disciplinar, pois in dubio pro reo. Aliás, sobre a presunção de inocência e o princípio do in dubio pro reo, o STF (4) assim sentenciou:
"Nenhuma acusação pessoal presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao MP comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico, do processo político brasileiro (Estado Novo), criou para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência. (Decreto-Lei nº. 88, de 20/12/37, art. 20, nº. 5)"
Assim, deverá a Comissão Disciplinar, irrecusavelmente, verificar a ocorrência dos seguintes elementos de prova a ser produzida contra o acusado:
- que ela seja licitamente obtida;
- que se pratique e desenvolva com observância do devido processo legal;
- e que ela seja suficiente para elucidar os fatos apurados.
A suficiência da prova é a questão mais intrigante na apuração disciplinar, porque mesmo ela sendo analisada em caráter subjetivo pela Comissão Disciplinar, ela deverá ser robusta, sob pena de se invalidar apenamentos construídos sobre seu manto. Tendo em vista que "a previsão do in dubio pro reo é um dos instrumentos processuais previstos para garantia de um principio maior, que é o princípio da inocência" (Alexandre de Moraes, cit. ant., p. 388.), que só poderá ser ilidido com robusta e suficiente prova em contrário.
Pois bem, deixando de lado os princípios citados, deverá a Administração provar que os acusados cometeram as transgressões que a eles são imputados. Essa prova deverá ser inequívoca, suficiente para o apenamento proposto. Não basta a Comissão Processante refutar as alegações do servidor, com a inversão de posições, tendo que vista que compete ao poder público provar a ocorrência de fatos que desencadeiam em inobservância das normas disciplinares.
O ônus da prova, como dito alhures, é da Administração, por intermédio da Comissão Processante, como se extrai também da lição de Rigolin: (Ivan Barbosa Rigolin, Comentários ao Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis, Saraiva, 1992, p. 283.)
"No processo administrativo disciplinar originário, o ônus de provar que o indiciado é culpado de alguma irregularidade que a Adminsitração lhe imputa pertence evidentemente a esta. Sendo a Administração a autora do processo a ela cabe o ônus da prova, na medida em que ao autor de qualquer ação ou procedimento punitivo sempre cabe provar o alegado."
Da mesma forma, Hely Lopes Meirelles, (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo, Malheiros, 1995, 20ª ed., p. 591.) ao pronunciar-se sobre a instrução, concluiu que nos "processos punitivos as providencias instrutórias competem à autoridade ou comissão processante e nos demais cabem aos próprios interessados na decisão de seu objeto, mediante apresentação direta das provas ou solicitação de sua produção na forma regulamentar."
Portanto, não basta a Comissão Processante presumir a culpabilidade do servidor, deixando ele a tarefa de provar sua inocência. No processo administrativo disciplinar, o ônus da prova incumbe à Administração, autora do procedimento. Inverte-se essa posição se afigura como ilegal e inadmissível em um Estado de Direito como o nosso, onde o acusado não precisa demonstrar sua inocência, pois compete ao acusador demonstrar, cabalmente, a culpa do servidor.
Essa é a jurisprudência administrativa, inclusive:
"(...) II – No Processo Administrativo Disciplinar o ônus da prova incumbe à Administração.
III – Para a configuração da inassiduidade habitual imputada ao servidor era imprescindível a prova da ausência de justa causa para as faltas ao serviço. A Comissão Processante não produziu a prova, limitando-se a refutar as alegações do servidor. Inverteram-se as posições, tendo a Comissão presumido a ausência de justa causa, deixando ao servidor a incumbência de provar sua ocorrência.
IV – Não provada a ausência de justa causa, não seria de aplicar-se a penalidade extrema ao servidor.
V – O pedido de revisão deve ser provido para invalidar a demissão do servidor, com a sua conseqüente reiteração, na forma do art. 28, da Lei nº. 8.112, de 1990." (AGU, Processo nº. 10168.001291/95-93, Parecer AGU/MF – 04/98, Parecer GQ 147 de 23 de abril de 1998, aprovado pelo Presidente da República em 27/04/98.)
"A penalidade do servidor deve adstringir-se às faltas sobre as quais existam, nos autos, elementos de convicção capazes de imprimir a certeza quanto à materialidade da infração. No processo disciplinar, o ônus da prova incumbe à Administração." (AGU, Processo nº. 03000-005894/95-10, Parecer GQ nº. 136, de 19 de janeiro de 1998, aprovado pelo Presidente da República em 26/01/98.)
A inexistência de provas retira a possibilidade de qualquer punição ao servidor público, visto ser necessário, para a apenação, a liquidez e certeza. Não se admite a condenação ou a imposição de penalidades no caso de se "ouvir dizer" que determinado servidor público transgrediu as normas disciplinares. Sem prova concreta e robusta, que não dê margem de dúvidas, não há como se punir o acusado em processo disciplinar.
Essa é a conclusão do Parecer CJ nº. 1/98 da AGU:
"(...) Inexistência de provas concretas, precisas e definidas, comprovando irregularidades atribuídas aos indiciados. Ausente a materialidade do fato. Meros indícios sobrestecidos pela conduta tendenciosa da Comissão Processante não servem para qualificá-los de veementes. Inexistência de vícios processuais que maculem o apuratório. Absolvição de todos os servidores é a medida mais adequada, consubstanciada na máxima in dubio pro reo."
No direito disciplinar, só a certeza possui o condão de levar o servidor público a condenação. Sem esse requisito, in dubio pro reo.
Por essa razão é que o art. 168 da Lei nº. 8.112/90 condiciona o julgamento às provas dos autos:
"Art. 168 – O julgamento acatará o relatório da Comissão, salvo quando contrário às provas dos autos."
Nessa moldura, a Comissão Processante não poderá ser julgador autoritário, "espécie de dono do processo" ou da "verdade", pois ela deverá ser fiel a materialidade e autoria, presentes nas provas do autor.
Coube à Advocacia Geral da União, pelo Parecer GQ 149, advertir que o poder-dever do julgador não é absoluto, descambando para o autoritarismo, devendo ser motivada a decisão correspondente a que foi provado no respectivo procedimento disciplinar, sob pena de nulidade.
"A destacada e a superior posição do julgador colocam-no numa situação acima dos interesses porventura existentes na tramitação processual inquisitiva.Daí que o uso do poder-dever, que lhe é atribuído legalmente, não é arbitrário, tampouco discriminatório. Não age quando lhe aprouver, nem como preferir. Age sim, quando observar que a Comissão Processante atuou de maneira dissonante em relação às provas dos autos. Com sua discordância resguardam-se, simultaneamente, o interesse da Administração, tomada na sua generalidade, e o da Secretaria de Estado a qual dirige, com auxiliar que é do Excelentíssimo Senhor Presidente da República.
Então nos parâmetros do sistema da livre apreciação das provas, pode a autoridade julgadora desvincular-se das conclusões das comissões processantes e até julgar em sentido contrário, desde que o faça de maneira expositiva, fundamentada, levando sempre em consideração aos elementos de prova do processo que autorizaram a repelir a opinião dada no relatório conclusivo.
Na formação de sua livre convicção, deve, ainda, a autoridade julgadora cimentar-se não em elementos vagos, às vezes imprecisos, porém nos pontos lacunosos, conflitantes ou relegados a segundo plano pela Comissão Processante. Numa síntese, pode-se afirmar que as atividades do julgador deverão se pautar pelo princípio da legalidade, sem se deixar levar por influências exógenas, estranhas aos autos do processo, baseando-se em parecer fundamentado, dimanado do órgão que lhe presta assessoramento jurídico."
Na dúvida, a Comissão Processante não poderá apenar o servidor público, pois a impessoalidade breca o sentimento pessoal do administrador, que tem nas provas a devida evidência capaz de elucidar os fatos apurados. ("A Administração pode editar o ato punitivo apenas na hipótese em que esteja convencida quanto à responsabilidade administrativa do servidor, a que imputa a autoria da infração. A dúvida deve resultar em benefício do indiciado." (AGU – Processo nº. 0800.00328/97-56, Parecer GQ-173, de 19/11/98).)
Assim, deverá a Comissão Processante provar, através de provas contundentes e irrefutáveis, que o servidor transgrediu normas e condutas indispensáveis ao seu múnus. Não compete ao acusado provar que ele é inocente e que não cometeu falta funcional. Essa inversão de valores é ilegal e divorciada do princípio da legalidade.
Retirado da obra de:
Mauro Roberto Gomes de Mattos
advogado no Rio de Janeiro, vice-presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público (IADP), membro da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social, membro do Internacional Fiscal Association (IFA), conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social
JUNTOS SOMOS FORTES!
PAULO RICARDO PAÚL
PROFESSOR E CORONEL
Ex-CORREGEDOR INTERNO

8 comentários:

Ricardo Oscar Vilete Chudo disse...

O texto é longo, mas, deve ser pelo menos guardado para consulta, como tambem, Tal exposição deve servir de instrução aos Encarregados de PAD na Administração Disciplinar da PMERJ.

Anônimo disse...

No papel parece uma poesia, mas na prática, muitas vezes até por ignorância do julgador, a acusação é absoluta no precesso, salvo quando o subordinado é mais esclarecido que seu superior.

Ricardo Oscar Vilete Chudo disse...

No papel é muito bom. É Lei. Se na PMERJ não tem valor, e realmente não é obedecida, se procura via Judiciário a anulação do Ato e consequente indenização. No MP a devida penalidade por descumprimento da Lei. O encarregado não é ignorante no seu Parecer e, o julgador, tambem não o é na Solução. Eles tem a certeza da impunidade.

Anônimo disse...

Rapaziada, tem comandante de destacamento que não sabe nem fazer um enquadramento de punição quanto mais um PAD. Por isso falo que por ignorância muitos não sabem trabalhar. Assim sendo o subordinado tem que estar atento para se safar.

Anônimo disse...

A PMERJ paga R$ 4.205,46 para um Auxiliar de Serviços e o Estado não tem verba para nos dar um salário justo.
Quantos contratados deste porte existem no estado? Eles estão espalhados em todas as seções de nossas unidades.

VALOR DA NOTA = R$ 12.616,38
Prestação de serviços de apoio Administrativo, com efetivo de 03 de funcionarios, durante o mes de janeiro de 2011.
Numero da Nota 00002919
Data e Hora de Ernissao
09/02/2011 12:20:56
Codigo de verificacao
DWPN-XTGG

CPF/CNPJ 33.285.255/0001-05
Nome/Razao Social: CNS NACIONAL DE SERVICOS LTDA

Acesse a Nota Fiscal OnLine
https://notacarioca.rio.gov.br/contribuinte/notaprint.aspx?ccm=4139267&nf=2919&cod=DWPNXTGG

Com um salário destes dá pra pagar um bom advogado ou estudar e conhecer melhor nossos direitos!

PRAÇA disse...

A INDEIZAÇÃO NÃO TEM NENHUM VALOR PARA OS HOMENS DE HONRA QUANDO SÃO PUNIDOS INJUSTAMENTE.
NÃO A DINHEIRO QUE PAGUE A VERGONHA DE UM HOMEM HONRADO.

Ricardo Oscar Vilete Chudo disse...

Correto, mas, o MP, quando devidamente provocado com provas documentais de abuso de autoridade, dará a resposta ao infretor da Lei.

Paulo Ricardo Paúl disse...

Grato pelos comentários.
Temos que conhecer para poder nos defendermos adequadamente.
Juntos Somos Fortes!