domingo, 20 de fevereiro de 2011

POLÍCIA CIVIL: GRAVÍSSIMAS E NOVAS DENÚNCIAS.

JORNAL A TRIBUNA RJ
Máfia dos táxis tem participação de “pessoas chaves de Niterói”

Publicado em: 17/02/2011
Texto: Soraya Batista
Pouco tempo após a aposentadoria, o ex-delegado Luiz Antônio Buzinaro, 51 anos, resolveu revelar o real motivo de seu afastamento da 76ª DP, da qual foi titular por quase dois anos. Em uma entrevista exclusiva para o jornal A TRIBUNA, Buzinaro contou sobre os bastidores da Polícia Civil, como muitos policiais ganhavam o cargo de delegados, mesmo sem muito tempo de experiência, através de amizades com políticos e com outras chefias dentro da própria polícia. O ex-delegado também revelou a falta de estrutura administrativa dentro das delegacias, o que pode atrapalhar os inquéritos, a falta de efetivo policial na Delegacia de Niterói. E depois de um ano, Buzinaro finalmente revela fatos sobre a morte de Adhemar Reis e admite que pessoas envolvidas com o poder de Niterói estão ligadas ao caso.
Muitos estranharam a sua repentina aposentadoria, já que não é comum um delegado se aposentar na sua idade. Qual o foi o real motivo para o senhor se aposentar?
Minha aposentadoria começou a dois anos e pouco, quando eu cansei de brigar. Eu só vejo na polícia coincidências: muitos poucos são promovidos pela sua capacidade, a maioria porque são amigos, por interesses pessoais. Você não tem uma valorização do profissional na polícia, você tem um monte de coincidências. A única hora que essa turma se afastou do poder desde a época do Hélio Luz, foi no governo Benedita, quando o Zaqueu Teixeira (delegado e ex-chefe de polícia) assumiu. Foi a única vez que eu vi desvincular a política, e a polícia chegou a um nível que a população adorava. Criamos as capturas (delegacias), colocamos mais carros nas ruas, mostrávamos como eram feitas as investigações na época . Aí volta essa canalhice toda, venda de delegacia. Isso causa estranheza porque nenhum delegado entrega a 76ª. Eu entrego.
O que de fato acontecia na 76ª DP?
A 76ª DP não tem condições de funcionar. Primeiro ela não tem espaço físico, segundo ela não tem funcionários. Uma delegacia que há 20 anos tinha 150 policiais hoje tem 40, tinha seis delegados hoje tem um, não funciona. Você pode trabalhar 24 horas por dia, que seu trabalho sempre está atrasado. É impossível trabalhar. E eu não vejo um chefe de polícia pedir concurso. Em 82 a polícia tinha 22 mil homens hoje tem oito mil e pouco. A instituição faliu, essa é a realidade.
O senhor tinha alguma dificuldade em realizar as investigações na 76ª DP?
Não, o diretor do DPI, o doutor Antônio Carlos me dava carta branca na delegacia. Ele valorizava o profissional, fazia o possível, mas o impossível não tinha como fazer. Veja a delegacia legal da 76ª DP. Inauguraram a delegacia pró-forma , ela não está funcionando. E na hora que funcionar não vai durar seis meses, ela vai falir, dar um nó se manter essa estrutura que tem hoje. Não tem condições, uma Delegacia Legal como a 76ª DP, com menos de 80 homens lotados, não vai funcionar. Vai funcionar no início, porque não vai ter um acervo cartorário, mas depois de alguns meses já vai estar com mais de mil inquéritos e vai dar um nó. Para você ter uma noção, na inauguração ainda não tinham computadores, eu coloquei os computadores velhos, com o logo da nova delegacia para dizer alguma coisa. Até o dia em que eu sai, não tinha computadores.
Como eram as contratações na delegacia?
Quando abrem para concursos para delegados, abrem só 100 vagas. A gente precisa de mil delegados e só passa 20. Vou te dar um exemplo: abriam um concurso com duas mil vagas, mas as pessoas que passam só vão entrar dois anos depois. E quando elas entrarem, mais pessoas vão ter saído. Então a polícia sempre vai precisar de gente. E também eu não vejo pessoas galgarem certos cargos por competência e sim por amizade. E isso bato em cima.
Você chegava a reclamar sobre a situação da delegacia?
Falava, mandava expediente, mas nada era feito. E as coincidências continuavam. Há muita coisa errada, nem as promoções por bravura são certas. Um delegado foi promovido por bravura porque participou de uma operação em que um delegado foi baleado. Eu tomei dois tiros e nunca ganhei nada. Essas pecúnias, é tudo apadrinhado, são todos que tem amigo. Quem está trabalhando na rua mesmo não ganha nada. Tem escrivão que ganhou por bravura, tem 150% de pecúnia, porque manteve o cartório arrumado, que é função dele. É bravura ou é gratificação, para dar de graça assim? Mas isso vem lá de trás. É isso que eu brigo na polícia, o fim dessa falta de organização.
Um dos casos mais famosos durante a sua atuação como delegado da 76ª DP, foi o assassinato de Adhemar Reis. Como está indo o inquérito? O que o senhor pode dizer sobre o caso?
O inquérito está andando e se deixarem a Draco trabalhar, todos vão ter uma surpresa um dia. Hoje, eu posso te dizer que há duas coisa na vida: qualidade e quantidade. Se você quer uma coisa de qualidade, com os recursos que tem, vai demorar mais. Esse caso envolve uma gama muito grande de pessoas aqui de Niterói na corrupção. Não diria exatamente ligados a morte do Adhemar. Como eu e ele estávamos investigando essa máfia de táxis, levantou-se a suspeita que a morte dele estaria ligada aos táxis, mas conforme a gente foi investigando, fomos descobrindo que não era isso. Fomos mantendo a imprensa com essa “capa da liberdade”, para ficar em cima dessa hipótese e não chegar a lugar nenhum, nem descobrir nada. Eu espero muito assistir o desenrolar desse caso.
O senhor poderia dizer que há pessoas do poder envolvidas?
Tem muita gente envolvida, a estrutura municipal de concessão de táxi está errada, e é exatamente isso que interessa a investigação. Até que ponto é ignorância e até que ponto é interesse. Estão envolvidas pessoas que são pontos chaves no município, que estão ligadas a ele e que também pertencem a sociedade de Niterói. E só você ter paciência que você vai ver o resultado
Em relação os recentes acontecimentos na Polícia civil, consequências da operação Guilhotina, o senhor já tinha conhecimento que isso estava para estourar antes de se aposentar?
Sim. O Allan bateu na reportagem porque disse que não sabia de nada disso. É mentira. Todo mundo sabia na polícia desde agosto. Tava pra explodir. Todo mundo sabe que o Allan foi diretor da DPE (Delegacia de Polícias Especializadas), na gestão Álvaro (Lins), todo mundo sabe que o Jader Amaral era “cupincha” de Álvaro, todo mundo sabe que o Jader Amaral estava na 22ª DP. Porque dois dias antes de estourar a 22ª DP nessa operação, transferiram o Jader para a 38ª DP? É coincidência? Eu não acredito em coincidência. Acho que é preciso investigar.
O senhor disse que todos já sabiam dessa operação desde agosto, porque isso só estourou agora?
Primeiro foi por causa das eleições, para não criar uma crise na polícia próxima a essa data. Depois veio aquele problema de queimar carro, do Comando Vermelho, e veio se arrastando. Culminou agora, com a operação. Mas como eu disse, eu já sabia desde agosto Tem gente falando que não sabia de nada, mas sabia sim, todo mundo sabia. Quando houve a reformulação na chefia de polícia, já havia uma escuta que chegava até a chefia de polícia. Isso era comentado nas esquinas da polícia. Até eu aqui na 76, que é longe, sabia dos fatos.
Como era sua relação com o Allan Turnowski?
Não tinha uma relação com ele. Era bom dia, boa tarde, boa noite. Uma coisa completamente profissional , eu só respondia aos meus diretores. Dizem quem o Allan renunciou ao cargo, mas na verdade, ele foi retirado. Ele implantou coisas na polícia, isso é verdade, mas eu não aceito o modo dele administrar na mesma linha que a de Álvaro e do Hélio Luz. Valoriza-se inspetores de polícia em pontos chaves para ter informações para coordenar. Tem inspetores daquela época que coordenam especializadas. Por exemplo tem uma invasão no Morro do Alemão, a Delegacia de Cargas está lá. O que a delegacia de cargas tem a ver com o morro? Eles tem que investigar roubo de caminhão. Hoje você tem pessoas que eram do grupo e continuam pelo grupo, desde a época de Hélio Luz, do grupo Astras. Eu lembro que teve uma época, eu fui para a 23 ª DP, com o Amim (ex-delegado), e lá tinha um grupo desses. Em uma sala tinha um grupo de inspetores que eram diretamente ligados ao chefe de polícia, e não eram subordinados ao titular da delegacia. O Amin assumiu a 23ª e eu vim dois dias depois ser substituto dele. Ele chamou e disse ‘Pessoal, sai todo mundo daqui, que eu não quero ninguém aqui’ e no dia seguinte transferiram 13 ou 14 policiais da chefia do Amim, e ele acabou infartando. Então o inspetor mandava mais que o delegado. E a gente continua vendo isso até hoje. Agora que a Marta Rocha está na chefia, talvez isso possa mudar. Confio no trabalho dela, mas acho que ela terá que tomar algumas decisões. Senão não vai adiantar.
O senhor acha que o governador é conivente com essa situação?
Eu acho que ele não sabe o que está acontecendo. Sérgio Cabral é jornalista, ele não tem uma formação policial. Ele botou um secretário de segurança, o Beltrame, que é um cara competente, mas é gaúcho. Ele estava na polícia federal com um outro tipo de polícia, e não conhece as peculiaridades de uma polícia civil da segunda capital do Brasil . O que está acontecendo é que pega-se o instituto da polícia e rasga-se e joga fora. Aí você vê um cara ser lotado em uma chefia, em dois três anos, já de primeira. E o policial que está ralando só depois de 10, 15 anos consegue uma promoção. Você vê as promoções de merecimento na polícia. O que eles fizeram pra ganhar isso, quais foram as grandes investigações? Ganha porque é amigo, Chegava ao ponto que na época do Álvaro, faziam reuniões, viravam e diziam ‘Vai ter promoção para delegado, corram atrás dos seus políticos’. Isso é maneira de trabalhar? É preciso que separem a política, se isso não for feito, não vai funcionar.
Isso mudou na época do Allan Turnowski?
Não mudou nada. Continua a mesma coisa , sempre foi isso. E eu sou contra o acesso. O que é o acesso: o policial chega no final de carreira , faz uma emenda para voltar. E é feito um concurso interno para galgá-lo para uma classe superior. Geralmente inspetor poderia fazer prova para delegado. Eu sou contra isso, porque pra você chegar até a primeira (classe), você tem que ser um bonequinho, dizer amém para todo mundo, porque se você contestar é mal visto. Eu não sou assim. Se havia uma delegacia problemática, eles diziam ‘ vamos chamar o Buzinaro’. Eu ia, mas para eu consertar tinha que dizer não a um monte de gente, criar caso com uma porrada de gente. E na hora de sair uma promoção, sai para o outro. E ele entrava rindo, porque ganhou fácil.
Você já perdeu alguma promoção por causa da sua personalidade?
Várias. Na última promoção que teve por exemplo, em que o Jader foi promovido. Houve comentários, insinuações que uma vaga seria minha, que eu ia assumir uma regional, mas na hora... Eu iniciei uma investigação aqui e algumas pessoas tiveram que responder a inquérito administrativo, porque estavam envolvidas em certas situações aqui em Niterói. Um deles era ligado ao Allan Turnowski, com certeza. E isso desagradou ao chefe. Não posso dizer quem é, até porque ele é um bom profissional como policial, mas se for investigar o patrimônio dele... Ele é um cara que sabe trabalhar sabe fazer uma operação de rua, pena que esteja indo por esse caminho.
O que mais desagrada ao senhor na estrutura da polícia?
Uma das coisas que eu mais me debato é o trabalho escravo na polícia civil. Quase metade do salário do policial são gratificações, se ele tirar uma licença prêmio, se ele se aposentar, ele perde. É gratificação de delegacia legal, é gratificação de Copa do Mundo, que somando tudo, dá quase 50% do salário dele. Mas se ele tirar uma licença prêmio, que é um direito do funcionário público ele perde. Então ele não fica doente, e se fica continua a trabalhar, até morrer. Tem policial com 60 anos na delegacia e não pode nem se aposentar. Isso é escravidão. Aí o policial ganha 3 mil e se aposenta com 1.500. Se ele morre, a viúva recebe R$ 750,00, vai fazer o que da vida com esse dinheiro? O policial morre na capital, a polícia paga o enterro, se morre no interior, por exemplo, em Silva Jardim, não paga. O policial da capital é diferente do policial do interior?
Esse é o pior problema para a delegacia para o senhor?
Sim, acho que a falta de estrutura é o pior problema. Você não tem mais estrutura profissional, você não tem mais estrutura administrativa, cada chefe que assume, toma uma postura: ‘eu gosto de você, então você vai ter isso, eu não gosto de você então você não vai ter nada’. Sem saber seu serviço, sem saber sua competência. Mas isso acontece desde o Hélio Luz. O governador escolhe dentro da polícia um delegado que é afeto dele ou chegado a política dele, até por partido, então vira política. Eu acho que deveria ter um pouco mais de discernimento. Não pode vir amanhã um governador que não goste de polícia, ficar cinco ou seis anos sem dar aumento para a polícia, como aconteceu. Na época do governador Moreira Franco eu passei a ganhar dois salários mínimos, mas quando eu entrei ganhava 15, foi uma queda no meu salário. Hoje eu já recuperei, mas grande parte vem das gratificações. Hoje tem um policial que ganha gratificação de R350,00, tem policial que ganha R$ 750,00 e tem policial que ganha R$ 1.000,00, de acordo com a lotação dele, fazendo o mesmo serviço. A de Niterói é a mais barata ganha R$ 350,00. Não poderia haver essa diferença.
Outra cisa que me desagrada é essa onde de pegar o policial, parar a viatura na rua para revistar. Isso é desmoralizar a polícia. Todo mundo sabe onde está o câncer da instituição. Nós somos obrigados a todo ano entregar declarações de bens na polícia. E só pegarem as declarações e você vê quem é quem. Eu tenho um carro pequeno, mas tem gente aí que tem carro de R$ 150 mil. Hoje é fácil você investigar a polícia.
Na sua opinião, a polícia está preparada para combater o crime em Niterói?
Está, 90% da polícia Civil está preparada para combater o crime, só não tem estrutura. Eu tenho um setor de investigação, que na época só tinha cinco policiais, para duas mil investigações. Não dava para trabalhar assim, não tinha como investigar. Hoje a 76ª DP deve ter uma base de seis mil inquéritos, fora as investigações, para um delegado. Eu não conseguia fazer o meu trabalho da forma que eu gostaria. Eu não tinha como ler todos os inquéritos em três meses, era impossível. Mas isso não acontece só em Niterói. Teve um inquérito importante que eu fiquei triste em não concluir, que foram os dos prostíbulos. Inclusive que eu pedi em reunião com o Oliveira, que foi preso agora, para fazer uma operação, e estava só esperando a vez de Niterói chegar. Eu pedi a prefeitura para desapropriar os dois prédios, até de modo informal. A segurança não pode se feita apenas pela delegacia, ela também tem que ser feita pelo poder público.
COMENTO:
A entrevista por si só merece a instauração de pelo menos um Inquérito Policial, vamos aguardar para ver o que vai acontecer.
JUNTOS SOMOS FORTES!
PAULO RICARDO PAÚL
PROFESSOR E CORONEL
Ex-CORREGEDOR INTERNO

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