sexta-feira, 1 de julho de 2011

REVISTA ÉPOCA - O INFERNO ASTRAL DE SÉRGIO CABRAL.

REVISTA ÉPOCA
sexta-feira, 1 de julho de 2011
O inferno astral de Sérgio Cabral
O governador estava entre os mais bem avaliados do país. Mas um acidente de helicóptero expôs suas relações íntimas com empresários que têm negócios no Estado
Nelito Fernandes, com Hudson Corrêa, Leopoldo Mateus e Martha Mendonça
TRAGÉDIA

No destaque, os destroços do helicóptero que caiu no sul da Bahia e deixou sete mortos. Na foto maior, Cabral no enterro do corpo da namorada do filho, no Rio.
O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, do PMDB, vivia uma espécie de lua de mel com a população fluminense. Em 2010, ele foi reeleito no primeiro turno com 66% dos votos válidos, o que lhe garantiu o título de terceiro governador mais bem votado do país. Obteve esse resultado no embalo do sucesso das UPPs, as Unidades de Polícia Pacificadora, da queda geral da violência no Rio, da atração de investimentos públicos e privados para o Estado e das conquistas da Olimpíada de 2016 e da Copa de 2014, que terá sua final no Maracanã. Cabral desfrutava o prestígio que todo político gostaria de ter.
Nas três últimas semanas, sua maré virou. No campo político, Cabral combateu uma greve de bombeiros que colocou boa parte da população contra ele. O governador classificou como “vândalos irresponsáveis” soldados que ganham salário inicial de R$ 950 numa cidade que todos os anos enfrenta enchentes e deslizamentos. No campo administrativo, Cabral sofreu desgaste com um inédito apagão que parou o Metrô do Rio. No campo pessoal, enfrenta uma crise com a mulher, que teria pedido a separação, e o luto pela morte de sete pessoas num acidente de helicóptero no sul da Bahia, entre elas a namorada do filho. E, no campo ético, tem sido obrigado a explicar suas ligações pessoais com empresários que têm interesses e contratos com o Estado. A tragédia do helicóptero revelou a relação próxima do governador com os empresários Fernando Cavendish, dono da Delta Construções, empresa que embolsou quase R$ 1 bilhão em obras durante seu governo, 25% desse total sem passar por licitação, e Eike Batista, dono da maior fortuna pessoal do país.
Tudo começou quando Cabral, seu filho, Marco Antonio, e a namorada dele, Mariana Noleto, deixaram o Rio na sexta-feira 17 com destino a Porto Seguro, no sul da Bahia, a bordo de um jato Legacy pertencente a Eike Batista. A viagem no jatinho foi um mimo feito a Cabral pelo amigo Eike, cujas empresas têm R$ 75 milhões em incentivos fiscais do Estado. Em Porto Seguro, o grupo se encontraria com Cavendish e outros amigos, e todos seguiriam de helicóptero para a Fazenda Jacumã, um resort frequentado por ricaços no litoral baiano, para comemorar o aniversário do empresário. Como o aparelho não tinha lugar para tanta gente, dividiram-se em dois grupos. Sete pessoas seguiriam na primeira viagem e o restante esperaria pela volta do helicóptero, que retornaria em apenas dez minutos. Por gentileza, Cabral, o filho e Cavendish deixaram que mulheres e crianças fossem na frente. Mas a aeronave não voltou. Ela caiu no mar, deixando, além dos mortos, uma dúvida constrangedora sobre o comportamento de Cabral: pode um governador de Estado manter laços tão estreitos e usar jatinhos de empresários com interesses em suas decisões?
Cavendish, o aniversariante, tinha mesmo tudo para dar uma festa. Um ano antes de Cabral tomar posse, ele recebeu R$ 163 milhões do governo fluminense. No ano passado, os empenhos da construtora foram de R$ 506 milhões, segundo levantamento do deputado estadual Luis Paulo Correa da Rocha (PSDB). “Eles ganham tudo, é impressionante. Devem ser muito competentes no que fazem”, diz Correa, cheio de ironia. Além da dispensa de licitação, outra característica chama a atenção nos contratos da Delta: uma pesquisa feita pelo deputado Marcelo Freixo (PSOL) revelou que raramente a construtora termina a obra pelo preço acertado. Entre 2007 e 2010, a construtora ganhou contratos de R$ 819 milhões do Estado. Mas o desembolso final foi de R$ 918 milhões. Quase R$ 100 milhões a mais, graças a aditivos. “Isso é imoral. Eles vencem a licitação por um preço, mas depois aumentam”, diz Freixo. Na semana passada, sete deputados estaduais protocolaram um pedido de informações na Assembleia Legislativa do Rio pedindo que o governo Cabral explique as dispensas de licitação e os aditamentos. A Delta deu um salto também em seus negócios com o governo federal: de um faturamento de R$ 104,8 milhões em 2004, passou a R$ 753 milhões em 2010, segundo dados disponíveis no Portal da Transparência, da Presidência da República.
Uma das mais importantes obras da Delta é a reforma do Maracanã. A empresa faz parte do grupo de construtoras contratadas pelo governo do Rio para transformar o estádio num palco moderno para a final da Copa do Mundo. A obra foi orçada em R$ 705 milhões, mas o governo já admite que chegará perto do bilhão. O motivo alegado são as exigências da Fifa, além do péssimo estado da cobertura do estádio, que teria surpreendido o consórcio de empresas. É importante lembrar que o Maracanã estava livre para ser vistoriado quando as empreiteiras apresentaram a proposta.

BOA VIDA

1. Em Paris, cidade que costuma frequentar, Cabral mostra suas habilidades no comando de uma bicicleta.
2. Cabral com o empresário Eike Batista, que costuma lhe emprestar um jatinho.
3. O empresário amigo Fernando Cavendish, que tem contratos com o governo.

A Delta informou por meio de sua assessoria que tem apresentado maior crescimento nos outros Estados do que no Rio. Em 2000, as atividades da Delta no Rio representavam 80% de seu faturamento. O número caiu para cerca de 25% em 2010. Segundo a empresa, todas as licitações vencidas “estão dentro da legalidade e atendem às exigências técnicas, documentais e de valor estabelecidas pelos órgãos públicos”.
O acidente expôs também as relações íntimas de Cabral com Eike Batista. Em sua ida a Porto Seguro, Cabral ficaria da sexta-feira ao domingo com o avião do empresário a sua disposição. Se alugasse um jatinho com características semelhantes para levá-lo e trazê-lo de Porto Seguro, Cabral teria de pagar pelo menos R$ 30 mil. O governador desconversou quando questionado se já havia realizado outras viagens pessoais com o avião de Eike. “São assuntos de foro íntimo”, disse. Por meio de sua assessoria, informou que “não mistura suas amizades com ações de governo”. Em pelo menos uma oportunidade, Eike já emprestara seu avião ao governador. Em 2009, Cabral usou o jatinho para chegar a Copenhague, na Dinamarca, a tempo de participar do ensaio da apresentação da candidatura carioca a sede da Olimpíada de 2016.
ke Batista não vê qualquer problema em fazer favores para Cabral. “Só os falsos arautos da moralidade, com mentes mesquinhas e interesses políticos de ocasião, podem deturpar essa realidade positiva e construtiva para o Estado”, disse a ÉPOCA. Mas há um potencial conflito de interesses. “Eike recebeu R$ 75 milhões em incentivos fiscais, como isenção de ISS. Ele doou R$ 750 mil a Cabral, que, curiosamente, é 1% do valor que deixou de pagar em impostos”, diz Freixo. O homem mais rico do Brasil afirma que não tem contratos com o Estado do Rio. Argumenta também que boa parte das normas fiscais que permitem os incentivos para suas empresas entrou em vigor antes de Cabral tomar posse e vale também para qualquer empreendimento no Estado.
O estatuto de funcionários públicos estaduais do Rio não estabelece limites claros sobre como os interesses pessoais devem ser separados dos públicos. De forma genérica, a norma proíbe vantagem de “qualquer espécie em razão do cargo ou função”. Se fosse um servidor público federal, contudo, Cabral seria enquadrado pela Comissão de Ética da Presidência da República. O código de conduta do Planalto proíbe que o servidor receba presentes de quem tenha interesse em decisões do órgão público ao qual ele pertença.
As viagens de lazer são tradicionais fontes de constrangimento para políticos brasileiros. No passado recente, autoridades tiveram problemas parecidos ao usar aviões da Força Aérea Brasileira, a FAB. Ministro da Ciência e Tecnologia do s governo Fernando Henrique Cardoso e atual presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o embaixador Ronaldo Sardenberg se complicou por não saber separar com clareza seu papel público de sua vida privada. Entre 1996 e 1998, ele foi um dos ministros que viajaram a passeio em aviões da Aeronáutica para Fernando de Noronha. Em 2008, o Ministério Público Federal moveu ação em que pedia a Sardenberg que devolvesse o dinheiro público gasto em suas viagens. Em março deste ano, ele foi absolvido pela Justiça Federal de Brasília. O juiz da 14a Vara Federal, Roberto Luchi Demo, considerou que o uso da estrutura da Aeronáutica era “praxe” entre os ministros.
O escritório de advocacia da primeira-dama atua em 53 processos nos quais o Estado do Rio figura como réu
No governo Lula, os voos em jatinhos da FAB geraram ques- tionamentos de outra natureza. Em 2009, vários ministros “produziam” agendas em seus Estados para esticar o fim de semana e poder fazer campanha. Os ministros Tarso Genro, da Justiça, e Paulo Bernardo, do Planejamento, ambos do PT, eram os recordistas em eventos em seus Estados. Logo que assumiu o governo, Dilma Rousseff estabeleceu critérios mais rígidos para as viagens ministeriais nos fins de semana. A presidente baixou a ordem: avião da FAB, só para compromisso de verdade. A suspeita era que os ministros justificavam viagens à terra natal com o agendamento de eventos que não eram importantes.
Na tragédia de Porto Seguro, há ainda uma segunda situação de confusão entre interesse público e privado que envolveu Cabral. O governador pediu à Aeronáutica que fizesse o traslado dos corpos das vítimas até o Rio de Janeiro, que ele definiu como procedimento absolutamente legal. A Procuradoria da República na Bahia não tem essa mesma interpretação e abriu inquérito para apurar o caso, pois havia voos comerciais para transportar os corpos. A Aeronáutica disse que guarda comunicado oficial da Procuradoria para se manifestar.
Não é a primeira vez que a figura de Cabral aparece envolvida em questionamentos a respeito de conflitos de interesse. A primeira-dama do Estado, Adriana Ancelmo, é sócia-proprietária de um escritório de advocacia que apresentou enorme crescimento nos últimos anos. A banca Coelho, Ancelmo & Dourado é tocada por Adriana com seu ex-marido e mais um advogado. Um levantamento feito por ÉPOCA mostra que o escritório dela atua em 53 processos nos quais o Estado do Rio figura como réu.

DESGASTE
No alto, bombeiros em greve em frente ao quartel da corporação. Eles foram criticados por Cabral, mas receberam apoio da população. Acima, casas destruídas pelo deslizamento de uma encosta na Ilha Grande, em janeiro de 2010.
Tanto o governador quanto Adriana e seus sócios já se manifestaram sobre o assunto. Eles afirmam que não há qualquer norma legal que proíba o escritório de atuar em causas ligadas ao Estado. O escritório foi fundado em 2004. Mas seu crescimento se deu a partir de 2007 – ano em que Cabral começou a governar o Rio –, principalmente entre clientes como concessionárias e prestadores de serviços públicos. O escritório de Adriana atua também no ramo de assessoria em licitações públicas e no de obtenção de incentivos fiscais.
Entre os clientes do escritório estão a concessionária que administra o serviço dos trens no Rio e as empresas de Arthur Soares, conhecido como “Rei das Terceirizações”, cujos contratos com o governo do Rio são investigados pelo Ministério Público Estadual. No ano passado, a OAB do Rio abriu um procedimento para apurar a atuação de Adriana e seu escritório, mas até agora não há notícia de algo conclusivo.
O sucesso da mulher de Cabral no ramo do Direito tem sido usado por ele como justificativa quando enfrenta questionamentos sobre seu exuberante padrão de vida, que contrasta com o salário de R$ 17 mil de governador. Além de morar num apartamento de 300 metros quadrados no Leblon, de manter uma casa de luxo em Mangaratiba (leia o quadro abaixo) e sustentar cinco filhos, Cabral viaja para o exterior – especialmente para Paris – inúmeras vezes por ano. Lá fora, hospeda-se em hotéis cinco estrelas, como o George V, um dos mais sofisticados da capital Linkfrancesa. Em abril do ano passado, passou as férias por lá, acompanhado da mulher, dos cinco filhos e de duas babás.
Até o mês passado, as grandes crises na agenda política de Cabral eram as enchentes e os deslizamentos de terra dos meses de janeiro, que faziam centenas de vítimas e expunham as fragilidades da defesa civil. O clima de comoção pós-tragédias desse tipo e o sempre usado recurso de culpar as chuvas torrenciais acabavam minimizando o impacto dos problemas na conta do governador.
Nos últimos dias, com tantos problemas novos para resolver, Cabral tem andado cabisbaixo, com uma expressão que não lembra o bon-vivant sorridente, sempre na companhia de artistas e fazendo malabarismos em cima de uma bicicleta em plena Paris. Nesses momentos, é bom estar rodeado de amigos dispostos a ajudá-lo. A questão é saber que tipo de ajuda de amigos um governador de Estado deve receber (fonte).
JUNTOS SOMOS FORTES!
PAULO RICARDO PAÚL
PROFESSOR E CORONEL
Ex-CORREGEDOR INTERNO

Um comentário:

Anônimo disse...

Nenhum SOLDO da PMERJ e do CBMERJ deveria ser inferior ao salário mínimo vigente, ou seja, abaixo de R$ 545,00, pois o SOLDO É O SALÁRIO DO MILITAR ESTADUAL.

De todas as 27 unidades federativas do Brasil, o Estado do Rio de Janeiro paga o menor salário aos Militares Estaduais, apesar de possuir a segunda maior arrecadação de impostos.

A insatisfação, desmotivação e indignação já atingiram até mesmo os policiais mais ávidos e dedicados à profissão. A falta de reconhecimento desestimula o profissional, que acaba abandonando a carreira.

A quem interessa uma POLÍCIA MILITAR mal paga e fragilizada? Certamente que não interessa ao cidadão comum e muito menos ao país ou ao Estado Democrático de Direito.