A "delação premiada" proposta pelo governador Sérgio Cabral segue sendo alvo de chacota, a piada do momento.
Revista Carta Capital
A última descoberta de Cabral
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A última descoberta de Cabral
Wálter Maierovitch 4 de março de 2011 às 16:50h
O Brasil continua a sua vocação de garantir a impunidade. Por causa disso tornou-se conhecido internacionalmente como lugar de refúgio de criminosos internacionais de ponta e de praça atraente para lavagem e reciclagem de capitais sujos. As polícias brasileiras são vistas como violentas e incapazes de extirpar as bandas podres. O sistema prisional restou famoso não só por gerar índices altíssimos de reincidência, mas, ainda, pela entropia interna e pelas facilidades obtidas por líderes de organizações criminais.
A fama não é injusta. O Supremo Tribunal Federal (STF), durante toda a sua existência, condenou criminalmente apenas um político. O deputado condenado, vulgo Tatico, não foi para a cadeia. Fica livre e sem fiscalização durante o dia. À noite, permanece em repartição apartada dos criminosos em regime fechado. Grandes mafiosos como Tommaso Buscetta, narcotraficantes do porte de Juan Carlos Abadia, tiranos latino-americanos do calibre de Alfredo Stroessner e impiedosos sanguinários como Cesare Battisti buscaram porto seguro no Brasil.
No Congresso Nacional tramita um projeto de lei que, se aprovado, acabará com o crime de evasão de divisas. Dinheiro sem origem conhecida e encaminhado ilegalmente ao exterior poderá, caso aprovada a lei, retornar ao Brasil mediante recolhimento de tributo. Em outras palavras, legaliza-se a lavagem de dinheiro.
No segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso, o órgão de inteligência antilavagem e reciclagem de capitais, conhecido como Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) suspeitou de apenas 568 casos. E foi sua atribuição, durante quatro anos, vigiar bancos, cartões de crédito, leasing, factoring, loterias, mercados de arte, joias, pedras e metais preciosos, bolsas de mercadorias e futuros. O resultado numérico alcançado pelo Coaf, num país sério, não demandaria mais do que meio dia de trabalho.
Às vésperas do carnaval, coube ao governador Sérgio Cabral anunciar o envio à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro um projeto de lei inovador. Sem saber como solucionar o velho problema da banda podre da polícia estadual e com justo receio de ser desacreditada a política de implantação de unidades pacificadoras, Cabral aposta as fichas no instituto da delação criminal premiada, jamais cogitada para contemplar policiais, inspetores e demais funcionários públicos corruptos.
Sancionada a Lei Cabral, o agente da autoridade do governador, que é o servidor público, poderá, ainda que criminoso, garantir o emprego e evitar a demissão a bem do serviço público. Essa será a nova ética da administração Cabral. Em vez de fiscalizar pelas corregedorias, apurar em inquérito policial, levantar pelos serviços de inteligência sinais de riqueza sem causa ou outras patologias criminais, o governador do Rio de Janeiro liquida com o princípio da probidade ínsito à função pública.
O direito premial foi intuído em 1853 pelo consagrado jurista alemão Rudolf von Ihering. Ele escreveu que, diante da escalada da criminalidade, os juristas e legisladores teriam de se render a ele no futuro. Coube ao juiz italiano Giovanni Falcone motivar o legislador para introduzir esse direito no combate à Máfia. O direito premial foi empregado, também, na repressão ao terrorismo, mas não foi aceito na famosa Operação Mãos Limpas, que apurou a corrupção institucional e na política partidária. Entendeu-se que, eticamente, não se poderia premiar funcionários públicos ou órgãos de poder, como eram os deputados, senadores, primeiro-ministro e presidente. O ex-premier Bettino Craxi teve de fugir para a Tunísia e lá morreu.
A justificativa do chefe da Casa Civil do governo Cabral sobre o projeto de lei chega a estarrecer pela salada conceitual e inversões legais: “As pessoas podem se regenerar. Alguém que comete um crime tem direito de voltar ao convívio em sociedade. Alguém que comete um desvio de conduta é digno de permanecer no serviço público, quando se arrepende”.
Como se sabe, a sanção imposta administrativamente em casos graves é saneadora. A demissão a bem do serviço público fala por si. A pena criminal imposta no devido processo, pela Constituição, é que tem a finalidade ética de emenda (ele usa regeneração), para o retorno ao convívio social. Na delação de Cabral, não há sanção voltada a recuperar, mas pura impunidade, com direito a permanecer na função pública. Raposas a continuar no galinheiro.
Pano rápido. A essa altura pode-se imaginar o juiz Lalau a aplaudir o governador Cabral. E, na tumba, Von Ihering a soltar gargalhadas por não terem entendido nada do que dizia.
JUNTOS SOMOS FORTES!O Brasil continua a sua vocação de garantir a impunidade. Por causa disso tornou-se conhecido internacionalmente como lugar de refúgio de criminosos internacionais de ponta e de praça atraente para lavagem e reciclagem de capitais sujos. As polícias brasileiras são vistas como violentas e incapazes de extirpar as bandas podres. O sistema prisional restou famoso não só por gerar índices altíssimos de reincidência, mas, ainda, pela entropia interna e pelas facilidades obtidas por líderes de organizações criminais.
A fama não é injusta. O Supremo Tribunal Federal (STF), durante toda a sua existência, condenou criminalmente apenas um político. O deputado condenado, vulgo Tatico, não foi para a cadeia. Fica livre e sem fiscalização durante o dia. À noite, permanece em repartição apartada dos criminosos em regime fechado. Grandes mafiosos como Tommaso Buscetta, narcotraficantes do porte de Juan Carlos Abadia, tiranos latino-americanos do calibre de Alfredo Stroessner e impiedosos sanguinários como Cesare Battisti buscaram porto seguro no Brasil.
No Congresso Nacional tramita um projeto de lei que, se aprovado, acabará com o crime de evasão de divisas. Dinheiro sem origem conhecida e encaminhado ilegalmente ao exterior poderá, caso aprovada a lei, retornar ao Brasil mediante recolhimento de tributo. Em outras palavras, legaliza-se a lavagem de dinheiro.
No segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso, o órgão de inteligência antilavagem e reciclagem de capitais, conhecido como Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) suspeitou de apenas 568 casos. E foi sua atribuição, durante quatro anos, vigiar bancos, cartões de crédito, leasing, factoring, loterias, mercados de arte, joias, pedras e metais preciosos, bolsas de mercadorias e futuros. O resultado numérico alcançado pelo Coaf, num país sério, não demandaria mais do que meio dia de trabalho.
Às vésperas do carnaval, coube ao governador Sérgio Cabral anunciar o envio à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro um projeto de lei inovador. Sem saber como solucionar o velho problema da banda podre da polícia estadual e com justo receio de ser desacreditada a política de implantação de unidades pacificadoras, Cabral aposta as fichas no instituto da delação criminal premiada, jamais cogitada para contemplar policiais, inspetores e demais funcionários públicos corruptos.
Sancionada a Lei Cabral, o agente da autoridade do governador, que é o servidor público, poderá, ainda que criminoso, garantir o emprego e evitar a demissão a bem do serviço público. Essa será a nova ética da administração Cabral. Em vez de fiscalizar pelas corregedorias, apurar em inquérito policial, levantar pelos serviços de inteligência sinais de riqueza sem causa ou outras patologias criminais, o governador do Rio de Janeiro liquida com o princípio da probidade ínsito à função pública.
O direito premial foi intuído em 1853 pelo consagrado jurista alemão Rudolf von Ihering. Ele escreveu que, diante da escalada da criminalidade, os juristas e legisladores teriam de se render a ele no futuro. Coube ao juiz italiano Giovanni Falcone motivar o legislador para introduzir esse direito no combate à Máfia. O direito premial foi empregado, também, na repressão ao terrorismo, mas não foi aceito na famosa Operação Mãos Limpas, que apurou a corrupção institucional e na política partidária. Entendeu-se que, eticamente, não se poderia premiar funcionários públicos ou órgãos de poder, como eram os deputados, senadores, primeiro-ministro e presidente. O ex-premier Bettino Craxi teve de fugir para a Tunísia e lá morreu.
A justificativa do chefe da Casa Civil do governo Cabral sobre o projeto de lei chega a estarrecer pela salada conceitual e inversões legais: “As pessoas podem se regenerar. Alguém que comete um crime tem direito de voltar ao convívio em sociedade. Alguém que comete um desvio de conduta é digno de permanecer no serviço público, quando se arrepende”.
Como se sabe, a sanção imposta administrativamente em casos graves é saneadora. A demissão a bem do serviço público fala por si. A pena criminal imposta no devido processo, pela Constituição, é que tem a finalidade ética de emenda (ele usa regeneração), para o retorno ao convívio social. Na delação de Cabral, não há sanção voltada a recuperar, mas pura impunidade, com direito a permanecer na função pública. Raposas a continuar no galinheiro.
Pano rápido. A essa altura pode-se imaginar o juiz Lalau a aplaudir o governador Cabral. E, na tumba, Von Ihering a soltar gargalhadas por não terem entendido nada do que dizia.
PAULO RICARDO PAÚL
PROFESSOR E CORONEL
Ex-CORREGEDOR INTERNO
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