quarta-feira, 21 de outubro de 2009 4:15
Publiquei ontem a foto que republico abaixo do próximo parágrafo (de Wilson Júnior, Agência Estado). Alguns leitores queridos deste blog expressaram sua dúvida: “Será que isso é mesmo necessário?” E aqueles seres que transitam nas sombras não hesitaram em defender a censura: “Fotos assim deveriam ser proibidas”. Falarei dessa gente mais tarde. A imagem é chocante, sim. Menos pela barbárie ali sintetizada do que pela desumanização da carne morta. Ela provoca indagações de fundo intelectual e moral — ao menos nas pessoas escrupulosas —, mas quase já não nos toca o sentimento. Perdemo-nos.
Uma das mais belas e profundas mensagens do cristianismo é a que prega a inviolabilidade do corpo porque morada de Deus. Nossas carcaças estão se tornando baldias, vastas solidões, terras devastadas. Dobrada naquele carrinho, acanhada, abandonada, jogada no lixo, está uma tradição que produziu grandezas: aquela que diz que o vilipêndio do corpo é uma profanação.
Publiquei ontem a foto que republico abaixo do próximo parágrafo (de Wilson Júnior, Agência Estado). Alguns leitores queridos deste blog expressaram sua dúvida: “Será que isso é mesmo necessário?” E aqueles seres que transitam nas sombras não hesitaram em defender a censura: “Fotos assim deveriam ser proibidas”. Falarei dessa gente mais tarde. A imagem é chocante, sim. Menos pela barbárie ali sintetizada do que pela desumanização da carne morta. Ela provoca indagações de fundo intelectual e moral — ao menos nas pessoas escrupulosas —, mas quase já não nos toca o sentimento. Perdemo-nos.
Uma das mais belas e profundas mensagens do cristianismo é a que prega a inviolabilidade do corpo porque morada de Deus. Nossas carcaças estão se tornando baldias, vastas solidões, terras devastadas. Dobrada naquele carrinho, acanhada, abandonada, jogada no lixo, está uma tradição que produziu grandezas: aquela que diz que o vilipêndio do corpo é uma profanação.
Roland Barthes escreve num livrinho sobre fotografia que as imagens têm os seus “puncta” (plural de “punctum“), os pontos que atraem a nossa atenção. Há aqueles óbvios. O mais gritante na imagem acima é a curiosidade das crianças. Há um processo educativo em curso, sabemos. É a devastadora educação sentimental de muitas cidades brasileiras. Mas o horror, o que mais chama a minha atenção, o que considero uma terrível evidência do país que assiste a 50 mil homicídios por ano, está quase fugindo do quadro.
Vejam o canto superior direito da imagem. Há uma rodinha de rapazes conversando distraidamente. Um deles usa o carro como apoio, o mesmo carro que ampara o carrinho com o cadáver. É como se dissessem: “Aqui é o Rio; hoje é terça-feira”. Devem conversar assuntos dessa vida besta, que é a de todos nós: o resultado do futebol do fim de semana, a pelada de logo mais, o chope do próximo sábado…
Alguns leitores, como disse, têm dúvidas generosas sobre a oportunidade de publicar a foto. Mas a petralhada não hesitou um minuto em afirmar que a sua divulgação corresponde a uma tentativa de sabotar a Olimpíada de 2016. Acusam-me, imaginem!, de integrar um grupo de pessoas interessadas em manchar as conquistas do Brasil — na verdade, muitos falam em “conquistas de Lula”. Não consideram grave o fato em si; lastimam é que tenha virado notícia. Se vocês se lembram, o subjornalismo lulo-petista protestou quando a imprensa exibiu aquela montanha de dinheiro que gente do partido usou para comprar o dossiê (falso) dos aloprados. Acusava-se uma tentativa de prejudicar a candidatura de Lula à reeleição. Para eles, o bom jornalismo é aquele que se submete às diretrizes impostas pelo partido.
“Enquanto a imprensa mundial elogia o presidente, você e uma meia-dúzia da imprensa golpista ficam jogando fel em tudo”, diz um dos destrambelhados. Parece que fui eu que larguei um cadáver num carrinho de supermercado. Um outro escreve: “Se você odeia tanto o Brasil, por que não muda daqui, babaca?” Estamos vivendo a reedição, com conteúdo novo, do “Ame-o ou deixe-o”. As esquerdas brasileiras se tornaram subitamente patrióticos. Imaginem se o Brasil estivesse crescendo algo na faixa entre os 11% e os 13%, como aconteceu num pedaço do Regime Militar. O AI-5 seria pouco!
Aliás, é justamente o que estão tentando: uma espécie de AI-5 ideológico e cultural, que silencie a divergência, transformando qualquer crítica numa expressão de desamor pelo Brasil. Se um corpo é deixado num carrinho de supermercado, exibi-lo é uma forma de sabotar a Olimpíada; se Lula faz campanha eleitoral desavergonhada com dinheiro público no sertão do oficialismo, com tapete vermelho, camarão e uísque, denunciá-lo é expressão da inveja. Compreende-se: essa gente chegou ao topo porque a democracia comporta — na verdade, exige — a alternância no e do poder. Mas, agora, alternância pra quê?
Segundo Dilma Rousseff, se ela não for a futura presidente, o Brasil estará escolhendo o atraso… Progressista é Lula. Agora ele promete “limpar” o Rio. Não faz tempo, passava a mão na cabeça de bandido, acusando os outros governos de não terem investido em educação. Segundo o Babalorixá, uns poucos indivíduos passam uma imagem errada do país. Como se nota, ele agora tem um motivo para romper com a sua sociologia vitimista de botequim… Essa conversa mole servia para brasileiros. Para os gringos, vai ter de mostrar serviço.
Esses mortos do mundo real sabotam as fantasias patrióticas. E, se não podem ser eliminados da paisagem, têm de ser eliminados ao menos do jornalismo. Lula e o PT querem a paz dos cemitérios. Ainda que um cemitério de vivos.
PS - E antes que me torrem com bobagens: não há contradição necessária entre governo popular e governo autoritário. Aliás, diria que o autoritarismo com oposição forte pode revelar que se está diante de uma ditadura. Com apoio do povo, chega-se fácil à tirania. Ainda que com palavras doces e malabarismos circenses.
Em tempo - Não mudo, não! Vou ficar aqui! Os “patriotas” que mudem primeiro!
Vejam o canto superior direito da imagem. Há uma rodinha de rapazes conversando distraidamente. Um deles usa o carro como apoio, o mesmo carro que ampara o carrinho com o cadáver. É como se dissessem: “Aqui é o Rio; hoje é terça-feira”. Devem conversar assuntos dessa vida besta, que é a de todos nós: o resultado do futebol do fim de semana, a pelada de logo mais, o chope do próximo sábado…
Alguns leitores, como disse, têm dúvidas generosas sobre a oportunidade de publicar a foto. Mas a petralhada não hesitou um minuto em afirmar que a sua divulgação corresponde a uma tentativa de sabotar a Olimpíada de 2016. Acusam-me, imaginem!, de integrar um grupo de pessoas interessadas em manchar as conquistas do Brasil — na verdade, muitos falam em “conquistas de Lula”. Não consideram grave o fato em si; lastimam é que tenha virado notícia. Se vocês se lembram, o subjornalismo lulo-petista protestou quando a imprensa exibiu aquela montanha de dinheiro que gente do partido usou para comprar o dossiê (falso) dos aloprados. Acusava-se uma tentativa de prejudicar a candidatura de Lula à reeleição. Para eles, o bom jornalismo é aquele que se submete às diretrizes impostas pelo partido.
“Enquanto a imprensa mundial elogia o presidente, você e uma meia-dúzia da imprensa golpista ficam jogando fel em tudo”, diz um dos destrambelhados. Parece que fui eu que larguei um cadáver num carrinho de supermercado. Um outro escreve: “Se você odeia tanto o Brasil, por que não muda daqui, babaca?” Estamos vivendo a reedição, com conteúdo novo, do “Ame-o ou deixe-o”. As esquerdas brasileiras se tornaram subitamente patrióticos. Imaginem se o Brasil estivesse crescendo algo na faixa entre os 11% e os 13%, como aconteceu num pedaço do Regime Militar. O AI-5 seria pouco!
Aliás, é justamente o que estão tentando: uma espécie de AI-5 ideológico e cultural, que silencie a divergência, transformando qualquer crítica numa expressão de desamor pelo Brasil. Se um corpo é deixado num carrinho de supermercado, exibi-lo é uma forma de sabotar a Olimpíada; se Lula faz campanha eleitoral desavergonhada com dinheiro público no sertão do oficialismo, com tapete vermelho, camarão e uísque, denunciá-lo é expressão da inveja. Compreende-se: essa gente chegou ao topo porque a democracia comporta — na verdade, exige — a alternância no e do poder. Mas, agora, alternância pra quê?
Segundo Dilma Rousseff, se ela não for a futura presidente, o Brasil estará escolhendo o atraso… Progressista é Lula. Agora ele promete “limpar” o Rio. Não faz tempo, passava a mão na cabeça de bandido, acusando os outros governos de não terem investido em educação. Segundo o Babalorixá, uns poucos indivíduos passam uma imagem errada do país. Como se nota, ele agora tem um motivo para romper com a sua sociologia vitimista de botequim… Essa conversa mole servia para brasileiros. Para os gringos, vai ter de mostrar serviço.
Esses mortos do mundo real sabotam as fantasias patrióticas. E, se não podem ser eliminados da paisagem, têm de ser eliminados ao menos do jornalismo. Lula e o PT querem a paz dos cemitérios. Ainda que um cemitério de vivos.
PS - E antes que me torrem com bobagens: não há contradição necessária entre governo popular e governo autoritário. Aliás, diria que o autoritarismo com oposição forte pode revelar que se está diante de uma ditadura. Com apoio do povo, chega-se fácil à tirania. Ainda que com palavras doces e malabarismos circenses.
Em tempo - Não mudo, não! Vou ficar aqui! Os “patriotas” que mudem primeiro!
REINALDO AZEVEDO.
JUNTOS SOMOS FORTES!
PAULO RICARDO PAÚL
CORONEL DE POLÍCIA
Ex-CORREGEDOR INTERNO
Um comentário:
Deu no Ancelmo.Com
Os viajantes
Cabral e Aécio estavam juntos ontem no congresso da Associação Brasileira de Viagens.
Sem querer antecipar temas da coluna “Nhenhenhém”, faz sentido. Com todo o respeito.
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