"A cena é clássica e traduz a velha e boa preguiça de investigar, de analisar com mais profundidade. Quem viu o filme “Casablanca” deve se lembrar do chefe de polícia dizendo, “Prendam os suspeitos de sempre”. Pois é o que acontece agora, no caso do menino João Roberto, quando todos, absolutamente todos os responsáveis pela formação, gestão e controle da Polícia Militar se contentam em ver os dois soldados miseráveis, mortos de fome, presos em uma cadeia imunda como se isto realmente fosse resolver os problemas e como se a PM não fosse matar mais ninguém desastrosamente.
Ora, os dois suspeitos de sempre já não estão enjaulados? Quem mataria outra criança?
Falta à maior parte das pessoas capacidade para separar fatos e opiniões de forma adequada. Sim, vamos separar: os dois policiais do 6ºBPM que mataram a criança de quatro anos merecem, sim, a prisão. Foram incompetentes, e imprudentes. A imprudência e a imperícia configuram nexo causal para inferir a Responsabilidade Civil. Ponto final.
Mas será que foram estes dois que mataram o músico em Senador Camará? O menino Ramon em Guadalupe? A empregada doméstica na Penha?
Não, não foram. O que isto significa, na prática? Que a responsabilidade pelos episódios paira acima de todos eles. Paira sobre as autoridades da área de Segurança Pública. Que vivem dizendo que “lutam por um futuro diferente” como se o passado tivesse sido igual ao presente. No passado, digamos em um passado não muito distante, seria certa a exoneração do comandante-geral da PM em uma situação esdrúxula como a que temos hoje – nem que fosse como demonstração de autoridade e indignação. E, claro, seria apenas mais um dos “suspeitos de sempre”.
A coisa vai mais além. Os policiais andam na rua irritados. Com a falta de salário, com os plantões trocados, com a movimentação nas áreas de patrulhamento, com as cobrança$ de superiores, com as ameaças constantes às vidas deles. E quem é responsável por isto? Sim, é o Estado. É preciso atribuir responsabilidades, com urgência.
O Estado, caro cidadão pagador de impostos, está colocando nas ruas pessoas com armas que ganham R$ 800 ao mês e que, muitas vezes, em vez de estarem recebendo aulas nos centros de formação já estão trabalhando no Maracanã, em dias de grandes jogos.
É isto que o cidadão tem de saber, desde sempre.
Quanto ao pai do menino João Roberto, vi nele a imagem do brasileiro-herói: “Eu estava trabalhando para juntar um dinheirinho, para fazer uma festinha para o meu filho”. Quem, em um país governado por pilantras, pela escória, por salafrários e canalhas corruptos, não se comove com a dor de um pai trabalhador, honesto, de bem, que luta pelo filho, sinceramente, não se comoverá com mais nada. Um pai que perdeu o filho amado – não era apenas um filho. Era um filho por quem ele lutava diariamente, trabalhando honestamente.
O Brasil está punindo quem trabalha honestamente. Estamos sendo punidos com a guerra. Quem pode, quem tem muito dinheiro para pagar, fica longe da guerra de irmão contra irmão que estamos vivendo.
O que dizer diante da dor do pai de João Roberto? Que a PM é mal paga e mal formada? Tem razão ele quando desabafa: “Sei que são mal pagos, mas não é por isso que precisam matar meu filho”.
João Roberto, pelo pai-herói que tem, merece isto: a sociedade brasileira-carioca precisa urgentemente responsabilizar as autoridades pela tragédia, pela desgraça. Nunca, jamais, poderemos nos contentar apenas com a prisão de dois policiais mal preparados e estúpidos.
É o que o povo do Rio de Janeiro precisa: responsabilizações de verdade, não de faz-de-conta. Senão, um dia seremos todos mortos pelos suspeitos de sempre".
Postado por Gustavo de Almeida às 01:35
Postado por Gustavo de Almeida às 01:35