quarta-feira, 16 de julho de 2008

O GLOBO - 15/07/2008 - JOÃO ROBERTO E JOÃO NINGUÉM - ANA PAULA MENDES DE MIRANDA

"João Roberto e João Ninguém".
Ana Paula Mendes de Miranda.
Antropóloga.
O que há em comum entre a morte do menino João Roberto e o aumento de 14,9% no primeiro quadrimestre de 2008 das mortes em confronto na cidade do Rio? Ambos são frutos de ordens emitidas pelas autoridades, que há 18 meses propagam o enfrentamento, visando exterminar o crime, como se fosse possível “dedetizar” a cidade à bala.
A fala lúcida e emocionada do pai de João Roberto deveria ser motivo de reflexão: “que polícia é essa, gente?” Mesmo vivendo um momento de dor intensa, inimaginável para quem nunca perdeu um ente querido de forma violenta, ele tentou responder a sua própria pergunta: “o estado não tem carta branca para matar ninguém”.
Talvez jamais saibamos o que pensaram os policiais quando perceberam que haviam matado um menino de três anos, mas sabemos o que seus comandantes disseram muitas vezes ao comemorar a morte de outros meninos, aqueles cujas famílias não tiveram nem o direito de clamar por justiça porque já nasceram marcados para morrer, aqueles chamados João Ninguém.
Acho que o governo deve mais do que um pedido de desculpas ao cidadão Paulo Roberto Soares, que trabalhava num domingo, quando viu um carro de polícia passar, sem imaginar que sua família seria o próximo alvo. O governo deve a ele e a todos os cidadãos deste estado uma prestação de contas do que está sendo feito para mudar este cenário. Infelizmente, até o momento só temos ouvido bravatas.
Gostaria de responder ao pai do João Roberto, que essa não é a polícia que nós queremos. Mas foi esta polícia que matou 1.832 pessoas em nosso estado, de janeiro de 2007 até abril de 2008. O governo pedirá desculpas a essas famílias?
Acredito que esta também não é a polícia que os policiais querem, pois neste mesmo período foram mortos em serviço 38 policiais civis e militares. Não me lembro de ter ouvido nenhum pedido de desculpas às famílias. Alguém lembra?
Quantas outras vítimas terão que contar, para que seja compreendido que não importa se o tiro aconteceu em Copacabana, no Alemão ou na Tijuca. As balas não ficam perdidas, elas sempre acham seus alvos. Quantas tragédias precisam ocorrer para que autoridades entendam o que o pai do João já sabe: “se fossem bandidos? Que prendessem os caras.”