Dimmi Amora: Governador, o senhor é responsável direto por isso
O jornalista e escritor Dimmi Amora, meu colega do GLOBO, pediu que eu publicasse um artigo dele sobre o caso do alvo errado, em que PMs metralharam o carro de uma mulher com duas crianças dentro e uma delas morreu.
O jornalista e escritor Dimmi Amora, meu colega do GLOBO, pediu que eu publicasse um artigo dele sobre o caso do alvo errado, em que PMs metralharam o carro de uma mulher com duas crianças dentro e uma delas morreu.
"Por favor, pare Sr. Governador Sr. Governador,
João Roberto, de três anos, morava no mesmo bairro que eu. Daqui a alguns anos, ele poderia ser colega do meu filho e os dois estarem brincando na minha casa. Ou talvez na sua, já que o senhor também tem um filho de três anos e os jovens se misturam muito nos seus grupos de interesse neste mundo de hoje. Um pouco mais velho, Ramon, que tinha seis anos, poderia se juntar aos novatos para participar de alguma festa de aniversário, show de rock ou curso universitário. Eles poderiam ter como professora, amiga, chefa ou ídolo, Deise Machado, que tinha 32 anos. Mas nada disso vai acontecer porque, a exceção do seu filho e do meu nesta história, os outros foram assassinados na semana passada pela polícia que o senhor comanda.
Escrevo esta carta por dois motivos. O primeiro é a comoção. Poderia ter sido o meu filho a vítima da sua Polícia na noite de domingo. Ou eu. Ou minha mulher. Ou os três. Passei por aquela rua quatro horas antes em direção a uma festa. Poderia ter voltado pelo mesmo caminho, no exato horário em que o crime ocorreu. Mas a prudência da minha esposa (que eu não tenho) fê-la pegar um caminho diferente. O humilhante motivo: a região onde ela mora desde que nasceu, ela hoje considera perigosa demais para passar com a família. "Por que caminhos você nunca volta? A que horas você nunca sai?", os versos de Hebert Vianna nunca fizeram tanto sentido para mim.
O segundo é porque já não dá mais para ficar ouvindo o senhor falar sobre casos iguais a estes, e não são poucos, como se fosse um comentarista de debate esportivo. Vamos deixar as coisas bem claras. O senhor é o responsável direto por tudo isso. Ao receber 5,1 milhões de votos em outubro de 2006, que o senhor pediu e lutou por cada um deles, o senhor automaticamente torno-se o comandante das polícias do Rio de Janeiro. Então, os policiais que mataram o João Roberto na Tijuca, o Ramon em Guadalupe e a Deise em Ramos (se não foram os policiais, foram em confrontos iniciados por eles sem que eles tivessem a prudência de pensar se poderia haver uma vítima inocente) são seus comandados. Obedecem ao que o senhor determina.
E o senhor, nestes 18 meses (um terço do mandato que lhe conferiram as 5,1 milhões de pessoas que vivem neste estado e não dá mais para fazer promessas) só deu uma única ordem para seus policiais: matem. É certo que o senhor jamais usou esta palavra. Seu passado democrata e humanista jamais permitiria que o senhor falasse uma coisa dessas até mesmo para o caso do pior dos bandidos sob o domínio de um dos seus comandados. Mas pouco importa o que o seu passado, as suas justificativas, o seu pensamento. Do que o senhor vem dizendo, os policiais só conseguem entender: mate!
Muito pouco adianta colocar conjunções adversativas sempre que o senhor diz que o confronto é inevitável. A falta de preparo, a falta de treinamento e o sadismo policial jamais vão perceber este pequeno detalhe entre as palavras confronto e inevitável. A opção será por atirar em qualquer circunstância e sem pensar em conseqüência. E isto vai acontecer em todos os lugares: na porta da minha casa, na porta da sua, na favela, na frente de uma escola, ao lado de uma delegacia de polícia.
Não se trata de defender que a polícia não atire nunca e dê flores aos bandidos, como o senhor já sugeriu. Ninguém é idiota a este ponto. Trata-se de cumprir a lei que o senhor jurou cumprir. Usar o que se chama gradação do uso da força e, quando necessário, isso poderá resultar em morte de quantos forem. Qual o preparo e a determinação de sua polícia para isso? Nenhum. Qual o incentivo de sua polícia para isso? Nenhum. Qual a punição exemplar para quem comente o que o senhor tem chamado de equívoco neste uso? Nenhuma.
O senhor pode dizer que não é responsável por atos individuais. De fato, não é. Mas é responsável por atos coletivos, que em caso de governança são os vários atos individuais de servidores, caracterizando uma política pública. E a sua política pública, demonstrada no número cada vez mais crescente e assustador dos chamados "autos de resistência", é a política da matança. E o que o senhor fez para parar este atos coletivos de homicídio policial? Nada. Sua polícia continua mau treinada e mau preparada e, para piorar, incentivada pelo senhor, pela falta de punição e pelo crescimento profissional dos que assim agem, a confrontar e, consequentemente, matar.
Orientado por estudos diversos (que todos têm estudos tão bons quanto dizendo justamente o oposto, pode apostar), o senhor garante que esta sua ordem de confronto (que, repito, é entendida pelos policiais como ordem para matar) vai devolver ao Rio um estado de tranqüilidade há muito inexistente. Ainda que sua bola de cristal esteja correta, do que vai adiantar se isso for conseguido às custas da vida de milhares de inocentes? Para os pais do João, do Ramon, da Deise não há mais volta a lugar nenhum de paz. A sua guerra já destruiu o mais importantes das vidas deles. Seu legado para o estado de paz será uma tropa de assassinos?
Por isso, governador, em nome do seu filho, em nome do meu filho, em meu nome, em nome do senhor e de sua biografia, em nome de quem ainda está vivo, eu peço que o senhor, por favor, pare. Imediatamente. Pare de incentivar seus policiais ao confronto. Pare de incentivá-los a matar."
João Roberto, de três anos, morava no mesmo bairro que eu. Daqui a alguns anos, ele poderia ser colega do meu filho e os dois estarem brincando na minha casa. Ou talvez na sua, já que o senhor também tem um filho de três anos e os jovens se misturam muito nos seus grupos de interesse neste mundo de hoje. Um pouco mais velho, Ramon, que tinha seis anos, poderia se juntar aos novatos para participar de alguma festa de aniversário, show de rock ou curso universitário. Eles poderiam ter como professora, amiga, chefa ou ídolo, Deise Machado, que tinha 32 anos. Mas nada disso vai acontecer porque, a exceção do seu filho e do meu nesta história, os outros foram assassinados na semana passada pela polícia que o senhor comanda.
Escrevo esta carta por dois motivos. O primeiro é a comoção. Poderia ter sido o meu filho a vítima da sua Polícia na noite de domingo. Ou eu. Ou minha mulher. Ou os três. Passei por aquela rua quatro horas antes em direção a uma festa. Poderia ter voltado pelo mesmo caminho, no exato horário em que o crime ocorreu. Mas a prudência da minha esposa (que eu não tenho) fê-la pegar um caminho diferente. O humilhante motivo: a região onde ela mora desde que nasceu, ela hoje considera perigosa demais para passar com a família. "Por que caminhos você nunca volta? A que horas você nunca sai?", os versos de Hebert Vianna nunca fizeram tanto sentido para mim.
O segundo é porque já não dá mais para ficar ouvindo o senhor falar sobre casos iguais a estes, e não são poucos, como se fosse um comentarista de debate esportivo. Vamos deixar as coisas bem claras. O senhor é o responsável direto por tudo isso. Ao receber 5,1 milhões de votos em outubro de 2006, que o senhor pediu e lutou por cada um deles, o senhor automaticamente torno-se o comandante das polícias do Rio de Janeiro. Então, os policiais que mataram o João Roberto na Tijuca, o Ramon em Guadalupe e a Deise em Ramos (se não foram os policiais, foram em confrontos iniciados por eles sem que eles tivessem a prudência de pensar se poderia haver uma vítima inocente) são seus comandados. Obedecem ao que o senhor determina.
E o senhor, nestes 18 meses (um terço do mandato que lhe conferiram as 5,1 milhões de pessoas que vivem neste estado e não dá mais para fazer promessas) só deu uma única ordem para seus policiais: matem. É certo que o senhor jamais usou esta palavra. Seu passado democrata e humanista jamais permitiria que o senhor falasse uma coisa dessas até mesmo para o caso do pior dos bandidos sob o domínio de um dos seus comandados. Mas pouco importa o que o seu passado, as suas justificativas, o seu pensamento. Do que o senhor vem dizendo, os policiais só conseguem entender: mate!
Muito pouco adianta colocar conjunções adversativas sempre que o senhor diz que o confronto é inevitável. A falta de preparo, a falta de treinamento e o sadismo policial jamais vão perceber este pequeno detalhe entre as palavras confronto e inevitável. A opção será por atirar em qualquer circunstância e sem pensar em conseqüência. E isto vai acontecer em todos os lugares: na porta da minha casa, na porta da sua, na favela, na frente de uma escola, ao lado de uma delegacia de polícia.
Não se trata de defender que a polícia não atire nunca e dê flores aos bandidos, como o senhor já sugeriu. Ninguém é idiota a este ponto. Trata-se de cumprir a lei que o senhor jurou cumprir. Usar o que se chama gradação do uso da força e, quando necessário, isso poderá resultar em morte de quantos forem. Qual o preparo e a determinação de sua polícia para isso? Nenhum. Qual o incentivo de sua polícia para isso? Nenhum. Qual a punição exemplar para quem comente o que o senhor tem chamado de equívoco neste uso? Nenhuma.
O senhor pode dizer que não é responsável por atos individuais. De fato, não é. Mas é responsável por atos coletivos, que em caso de governança são os vários atos individuais de servidores, caracterizando uma política pública. E a sua política pública, demonstrada no número cada vez mais crescente e assustador dos chamados "autos de resistência", é a política da matança. E o que o senhor fez para parar este atos coletivos de homicídio policial? Nada. Sua polícia continua mau treinada e mau preparada e, para piorar, incentivada pelo senhor, pela falta de punição e pelo crescimento profissional dos que assim agem, a confrontar e, consequentemente, matar.
Orientado por estudos diversos (que todos têm estudos tão bons quanto dizendo justamente o oposto, pode apostar), o senhor garante que esta sua ordem de confronto (que, repito, é entendida pelos policiais como ordem para matar) vai devolver ao Rio um estado de tranqüilidade há muito inexistente. Ainda que sua bola de cristal esteja correta, do que vai adiantar se isso for conseguido às custas da vida de milhares de inocentes? Para os pais do João, do Ramon, da Deise não há mais volta a lugar nenhum de paz. A sua guerra já destruiu o mais importantes das vidas deles. Seu legado para o estado de paz será uma tropa de assassinos?
Por isso, governador, em nome do seu filho, em nome do meu filho, em meu nome, em nome do senhor e de sua biografia, em nome de quem ainda está vivo, eu peço que o senhor, por favor, pare. Imediatamente. Pare de incentivar seus policiais ao confronto. Pare de incentivá-los a matar."
Eu assino embaixo."
Jorge Antônio Barros.