sábado, 6 de outubro de 2007

POR QUE A POLÍCIA MILITAR DEVE LAVRAR TERMO CIRCUNSTANCIADO (TC)?

Inicialmente, cabe lembrar de que o TC, inserto no ordenamento legal pátrio através da Lei n.º 9099/95, é o instrumento que substituiu os inquéritos policiais e autos de prisão em flagrante delito na hipótese de infrações penais de menor potencial ofensivo, ou seja, sempre que aos agentes públicos investidos de poder de polícia se apresentarem situações de flagrância contemplando todas as contravenções penais e ainda os crimes cuja pena máxima não seja superior a dois anos (salvo vedação expressa, e.g., a hipótese de violência doméstica e familiar contra a mulher).
Diante da ocorrência de infrações penais de menor potencial ofensivo, as autoridades policiais, sejam quais forem, devem lavrar TC e encaminhar os autores, o mais rápido possível, ao Juizado Especial Criminal (JECrim) competente. Na prática, em virtude da ausência de tais juizados funcionando 24 horas, os infratores assinam um termo de compromisso de comparecimento, com data e hora marcadas, sendo a documentação encaminhada ao JECrim.
A presente abordagem poderia seguir tecendo considerações sobre sucessivos fundamentos legais, jurisprudenciais e mesmo doutrinários, destinados à demonstração de que a expressão “autoridade policial” constante da citada lei – art. 69 – contempla os integrantes da polícia administrativa de preservação da ordem pública. Poderia seguir esteira argumentativa segundo a qual a exegese do texto legal revela mesmo que as autoridades policiais mencionadas são, ao menos prioritariamente, detentoras de competência distinta daquela que se impõe aos integrantes da polícia judiciária, uma vez que a mera lavratura do TC não se afigura como feito de natureza investigativa. Poderia ao menos refutar, ainda que cautelarmente, eventual argumentação (convenhamos, pobre, embora factível) derivada de recente julgado do STF de que resultou declaração de inconstitucionalidade de Decreto do PR que alçava sargentos de polícia militar ao cargo de delegados de polícia, gerando a substituição destes por aqueles em determinadas circunscrições.
Tal linha expositiva já se apresenta bastante exaurida, pendente de originalidade e excessivamente tecnicista, não trazendo grande acréscimo à busca de resposta fática e concreta – essencialmente fundada no cotidiano dos cidadãos fluminenses - à questão proposta. Afinal, se assim não o fosse, poderíamos agora respaldar a resposta afirmativa na lei, pura e simplesmente; poderíamos refutar as teses contrárias e expressar inúmeras e cansativas codificações e interpretações legais. Não o faremos! Citaremos fatos.
O RJ foi o segundo estado no qual ocorreu a lavratura de TC pela Polícia Militar, no final da década passada, com o Comandante do Batalhão de Polícia Rodoviária (BPRv), o então Tenente Coronel Hamilton Leandro Saldanha.
Movido por problemas causados pela Delegacia de Polícia de Campos dos Goytacazes para o registro de direção sem habilitação, respaldado em lições doutrinárias e com a vênia do juízo e Parquet locais, ele determinou a lavratura de TC por seus subordinados.
Pois bem, a experiência foi um total sucesso, funcionando a pleno vapor até que o Tenente Coronel Saldanha foi substituído no Comando do BPRv.
Em 2005, o chefe do setor de planejamento do Tenente Coronel Saldanha no mencionado batalhão, então Tenente Coronel Ronaldo Antonio de Menezes, assumiu o comando do Batalhão de São Gonçalo (7º BPM) e, diante do gravoso quadro de homicídios praticados, da sensação de impunidade derivada de sua recorrente não elucidação, da coincidência geográfica dos mesmos com infrações de menor potencial ofensivo e da necessidade de busca de mecanismos destinados ao incremento da presença da polícia ostensiva nos logradouros públicos, emergiu, mais uma vez, a necessidade de lavratura de TC pelos policiais militares.
Com o know-how acumulado desde a década de 1990 e importante parceria com juízo local e sua equipe, foi possível montar estrutura ainda mais eficaz e atuar de forma muito mais ampla em relação às infrações penais de bagatela. Após preparação psicológica (sensibilização), instrução do efetivo, obtenção de mão-de-obra qualificada e voluntária junto à própria tropa e do investimento de cerca de R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais), foram iniciadas as atividades do Módulo Especial Criminal em São Gonçalo.
No Módulo, responsável pelo assessoramento (em tempo real) da tropa e pelo processamento integral dos feitos lavrados, labutavam cabos e sargentos bacharéis e estudantes de Direito, chefiados pelo então 2º Ten Rodrigo José Loureiro da Silva. Quando o policial militar assumia a ocorrência de menor potencial ofensivo, ele acionava o Módulo via rádio que, por sua vez, ciente dos fatos e da agenda do judiciário, fornecia o número do termo a ser lavrado, a data/hora da audiência e mesmo a requisição, em havendo necessidade de exames periciais. O policial militar encerrava a ocorrência NO LOCAL DOS FATOS, sem afastamento de sua área de patrulhamento, com a audiência preliminar já marcada e o fornecimento à vítima (sendo o caso) da competente requisição de exame de corpo de delito.
Mas a polícia fazia um pouco mais, já que quando a ocorrência envolvia violência doméstica (à época, em geral, infração de menor potencial), a vítima também recebia encaminhamento para atendimento gratuito (psicológico e jurídico) em centro especializado. No primeiro dia útil posterior ao atendimento prestado pela Polícia Militar, o Módulo Especial Criminal realizava contato com a vítima com o intuito de aferir a qualidade dos serviços prestados (logrando resultados muito positivos).
Ao longo de quase trinta dias, foram lavrados 44 (quarenta e quatro) Termos Circunstanciados, todos, resultando em processos judiciais; sendo feito ainda o encaminhando de dezenas de vítimas de violência a atendimento gratuito. Foram emitidas (e, como não poderia deixar de ser, atendidas) inúmeras requisições de exame de corpo de delito e marcadas, no próprio local de atendimento da ocorrência, 44 (quarenta e quatro) audiência preliminares.
A polícia administrativa de preservação da ordem pública seguia firme em São Gonçalo, certa de que a lavratura de TC poderia atuar como importante vetor não apenas para a melhoria dos serviços da PM, mas da própria polícia investigativa, que poderia otimizar a aplicação de seus recursos humanos e materiais com vistas à elucidação de delitos de maior potencial.
Sem qualquer aumento de efetivo, foi possível ainda intensificar a presença da PM nos logradouros públicos, já que seus integrantes foram liberados da penosa rotina de passar horas em delegacias de polícia para a lavratura de meros termos circunstanciados.
A auto-estima da tropa sofreu virtuoso impacto, uma vez que as radiopatrulhas deixaram de atuar como meros "táxis", permutando a simplória e quase mecânica condução de ocorrências pela oferta de soluções técnicas e céleres às pequenas querelas com que se deparava.
A experiência cessou em 19 de setembro de 2005, por ordem do então Comandante Geral da PM, Cel Hudson de Aguiar Miranda, que atendeu prontamente à solicitação do delegado de polícia Marcelo Itagiba (então secretário de segurança pública e, hoje, deputado federal pelo PMDB).
Voltemos à questão proposta, se é que já não foi respondida. Talvez pudéssemos até alterná-la, buscando, por raciocínio inverso, saber o motivo pelo qual a Polícia Militar não lavra TC no RJ (é fato que o faz em diversos outros estados, como RS, SC, PR, SP, MS, AL, etc), mas julgamos melhor deixar tal busca a cargo dos próprios leitores que ora nos prestigiam com sua atenção.
A lavratura de TC pela PM tende a acarretar amplos benefícios à administração pública e, o que é mais importante, à própria sociedade fluminense, cliente, direta ou indiretamente, dos serviços policiais.
O efetivo da Polícia Militar poderá permanecer mais tempo nos logradouros públicos e menos tempo no interior das delegacias de polícia.
A Polícia Civil terá melhores condições para bem realizar seu importantíssimo mister, fomentando a sensação de punibilidade no estado, fruto da elucidação dos delitos que lhe forem apresentados.
A população demandante dos serviços policiais terá suas querelas de menor potencial resolvidas no local da solicitação, sem a necessidade de deslocamentos e relatos outros que não os alusivos ao poder judiciário. A vitimização secundária será reduzida.
Haverá economia de dinheiro público, fruto da cessação de deslocamento de viaturas policiais para outras instâncias também policiais com vistas à resolução de querelas reclamantes de mero TC.
Ocorrerá o incremento de qualidade e credibilidade estatal lato sensu, fruto de igual incremento do caráter resolvente do aparato policial.
Imagine você, leitor cidadão e, portanto, cliente em potencial dos serviços policiais, se ao telefonar para 190 para reclamar, por exemplo, de perturbação de seu sossego e de sua família (ocorrência de menor potencial, em que cabe a lavratura de mero TC), a polícia comparecesse ao local e, lá mesmo, sem a necessidade de qualquer tipo de condução, resolvesse a questão, já marcando a data para que as partes comparecessem em juízo, propiciando a apreciação judicial da lide?
O acesso da população, principalmente de seus extratos mais pobres, ao poder judiciário será, ao menos na matéria em comento, objeto de maior democratização.
A polícia tenderá a maior aperfeiçoamento, derivado das rotinas administrativo-operacionais então adotadas, tendendo menos ao ethos militarista (do ponto de vista estritamente ideológico-belicista) e mais à práxis comunitária da mediação de conflitos.
A sensação de punibilidade no que toca à microcriminalidade (importante fator de quebra da ordem pública), sofrerá decisivo golpe, com possibilidade de repercussão, direta e indireta, na prática de crimes gravosos.
A população fluminense será mais bem atendida!
Logo, concessa maxima venia, a Polícia Militar deve lavrar Termo Circunstanciado, bastando, para tal, que o governo Sérgio Cabral, na pessoa do próprio governador, de seu secretário de segurança ou mesmo do Comandante Geral da Polícia Militar, tenha coragem de encarar o desafio de romper anacrônicos paradigmas e propiciar melhor atendimento policial à população.

"O futuro tem muitos nomes.
Para os fracos, é o inatingível.
Para os temerosos, o desconhecido.
Para os valentes, a oportunidade.".
Victor Hugo.
WANDERBY BRAGA DE MEDEIROS
MAJOR
"40 DA EVARISTO"

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