segunda-feira, 8 de outubro de 2007

APERJ - AUTONOMIA DOS INSTITUTOS DE PERÍCIA, ATRAVÉS DA DESVINCULAÇÃO ADMINISTRATIVA, PATRIMONIAL, FUNCIONAL, OPERACIONAL E FINANCEIRA.

Texto extraído do site da APERJ.
Perícia x Alemão
Posicionamento da APERJ sobre a suspeição dos laudos periciais no caso das mortes no Complexo do Alemão.

Assunto: Posicionamento da Associação dos Peritos do Estado do Rio de Janeiro (APERJ) em relação à imparcialidade técnica dos laudos periciais realizados pelo Instituto Médico Legal (IML) no caso das mortes ocorridas na retomada do Complexo do Alemão.

Resumo: Os laudos periciais a serem realizados pelos peritos legistas do IML-RJ estão sendo alvo de suspeição em relação à sua imparcialidade técnica e confiabilidade, antes mesmo de terem sido produzidos. A APERJ, como órgão representativo de classe, repudia tal suspeição antecipada veiculada pela mídia e defendida por alguns setores da sociedade. Ao longo dos últimos vinte anos, a perícia médico-legal e criminal tem dado inúmeras provas de sua imparcialidade. O trabalho dos peritos, neste tempo, teve papel preponderante no esclarecimento de crimes envolvendo inclusive autoridades públicas.

POSICIONAMENTO DOS PERITOS OFICIAIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.

"A função pericial requer duas condições ao perito oficial: preparação técnica e moralidade. Não se pode ser bom perito se falta uma destas condições. O dever de um perito é dizer a verdade; no entanto, para isso é necessário: primeiro saber encontrá-la e, depois querer dizê-la. O primeiro é um problema científico, o segundo é um problema moral".
Nerio Rojas
A Associação dos Peritos do Estado do Rio de Janeiro (APERJ), órgão representativo de classe dos peritos criminais e legistas, vem manifestar sua opinião sobre a denúncia de possíveis crimes ocorridos na incursão policial à região conhecida como Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, no dia 27 de junho de 2007.
Inicialmente ressaltamos que tal ação organizada pela Secretaria de Segurança foi imprescindível para a retomada de um espaço até então abandonado pelo poder público. Da mesma forma, reconhecemos que a amplitude desta ação demandou um forte esquema de organização e coordenação das polícias civil, militar e da força nacional, fato este pouco comum em gestões anteriores. No entanto, sabemos que este foi apenas o primeiro passo rumo a um processo mais amplo de garantia dos direitos individuais da população residente nos vários bairros que são genericamente designados pelo termo Complexo do Alemão.
Acreditamos que o Estado precisa se fazer presente dentro das comunidades que constituem o Complexo do Alemão e o Complexo da Penha: Morro do Alemão, Vila Cruzeiro, Morro da Caixa d'Água, Nova Brasília, Grota, Morro da Chatuba, Morro do Itararé, Fazendinha, Morro da Fé e Morro do Adeus. Infelizmente chegamos a um ponto onde a presença do Estado Democrático de Direito só seria garantida através do braço forte do Estado.
Esta etapa da ação do governo do estado deve necessariamente vir acompanhada de investimentos em saúde, educação, transporte, além de segurança pública permanente e respeitosa. Só assim poderemos de fato dizer que os moradores das comunidades foram realmente contemplados pelo poder público. Sendo assim, depositamos esperança neste novo governo, no sentido de que as ações de segurança são apenas a ponta de lança de um processo mais amplo de reformas sociais.
As experiências obtidas pelo comando brasileiro das forças de paz da ONU no Haiti e aquelas advindas de promessas nunca cumpridas após a morte do jornalista Tim Lopes, têm muito a ensinar. O primeiro ensinamento nos mostra que não basta cercar, invadir, vasculhar e ocupar belicamente essas áreas. É preciso que exista sim a presença do policial, mas também a presença do médico, a presença do professor, a presença do motorista do coletivo, a presença do técnico da empresa de fornecimento de energia elétrica, de água ou coletora de lixo. Mas para que isso seja realidade não se pode apenas ocupar o bunker e destruir a casamata do crime, na verdade ali colocada não tão somente para impedir o avanço da polícia, mas principalmente para proteção territorial contra invasões de facções inimigas de traficantes de drogas. É preciso cercar, invadir, vasculhar e ocupar, mas principalmente ocupar de forma permanente. Para tanto faz-se necessário que o Governo do Estado e a Secretaria de Segurança garantam que no futuro os 1.350 policiais não tenham hora para descer o Morro do Alemão, mas lá fiquem até que a paz social seja restabelecida.
O outro ensinamento histórico é que a RETÓRICA precisa estar coadunada com a PRÁTICA. Basta lembrar que o ano era 2002, Tim Lopes fazia mais uma matéria jornalística investigativa que pretendia trazer a público a feira de drogas e o abuso de menores de idade na favela da Grota. Foi covardemente assassinado. O chefão da localidade, Elias Maluco, foi capturado três meses depois. O poder público prometeu de pé junto uma "ocupação social" da Vila Cruzeiro. Mas o tempo passou, a polícia passou, o comando do tráfico de drogas passou e só quem por lá não passou foi a efetiva presença do Estado Democrático de Direito. Que não façamos coro com a canção de Beto Guedes, que diz: "A lição já sabemos de cor, só nos resta aprender".
A APERJ deposita total confiança na capacidade técnica e experiência daqueles que hoje ocupam os cargos de comando da cúpula da segurança pública do estado: o Secretário José Mariano B. Beltrame, o Chefe de Polícia Civil Gilberto Ribeiro e o Comandante da Polícia Militar Ubiratan Ângelo. Estamos certos que esses nomes irão zelar pela transparência das ações individuais de suas forças policiais, bem como pelas intervenções integradas como as desenroladas recentemente no Morro do Alemão, acionando os organismos de correição e cobrando respostas contundentes na apuração de possíveis ilícitos cometidos pelos policiais.
Em relação a possíveis abusos cometidos por policiais nessa incursão, temos a convicção de que estes devem ser apurados com rigor. O limite das ações perpetradas pelos agentes responsáveis pela manutenção da ordem pública deve sempre ser pautado pela garantia dos direitos constitucionais do cidadão, independente de classe social, religião ou cor da pele ou mesmo de uma possível suspeição de crime.
No entanto, ressaltamos a necessidade de se olhar com especial atenção para os policiais que desempenham atividade essencial à população e que se dedicam com zelo à sua profissão. Em uma ação como esta no Morro do Alemão, certamente precisamos ter a sensibilidade de valorizar a coragem do profissional, bem como seu papel essencial para o restabelecimento da paz. Na realidade a punição do mau profissional e a valorização do bom profissional são faces de uma mesma moeda. Ambas devem andar juntas.
Após esta breve introdução, gostaríamos de enfocar no objetivo primeiro desta carta que é discutir o papel da perícia neste processo de averiguar possíveis abusos de policiais e a suspeição da mídia e de autoridades quanto ao trabalho destes organismos periciais.
Como quase todos sabem, o papel da perícia é fundamental para a produção da prova material necessária para a persecução penal, sendo essencial à função jurisdicional do estado. Muito mais eficiente do que a prova testemunhal e mesmo a confissão, a prova material é contundente para a busca da verdade, sendo útil tanto para absolver um inocente quanto para instruir a acusação do criminoso, não importando se o acusado é um agente da lei, dirigente público ou possua algum outro cargo de proeminência social. Assim deve ser a geração da prova material imparcial e independente.
Neste sentido, entendemos que a perícia criminal e médico-legal do estado do Rio de Janeiro apresenta profissionais competentes e dignos de sua profissão. Sem grandes preocupações afirmamos que a maioria dos peritos oficiais reúne tais características imprescindíveis para um trabalho confiável para a população e demais instituições de justiça e de defesa dos direitos humanos.
Entretanto, sabemos também que ainda paira no ar o "fantasma" do regime ditatorial. Infelizmente reconhecemos que neste período houve uma série de excrescências praticadas por profissionais responsáveis pela produção da prova, os quais acabaram servindo aos desmandos do poder ditatorial.
Toda e qualquer instituição de cunho científico não pode ter amarras que lhe impossibilitem a busca da verdade objetiva. O seu limite é a lei, e diga-se, a boa lei. E as amarras postas nessas instituições aqui no Brasil, notadamente nos períodos de exceção, como no Estado Novo e no regime militar instaurado em 1964, fizeram com que alguns casos passassem para a História do País, nas suas páginas malditas, como o assassinato do jornalista Wladimir Herzog, morto nos porões da ditadura militar, cujos exames procedidos por um perito legista de um instituto médico-legal subordinado a um órgão de repressão policial deram como causa mortis a prática de suicídio pela vítima. O tempo desmentiu a trama e provou que a ciência havia errado, eis que estava amarrada. Esse é um caso emblemático, mas tantos outros ocorreram naquela época sombria e, o que é muito grave, ainda recentemente, na capital da república, peritos legistas foram pressionados a alterarem seus laudos, mas, felizmente os tempos já eram outros.
Certamente que em decorrência deste passado, surgem freqüentemente dúvidas sobre a idoneidade do trabalho do perito. Assim, a solicitação do advogado João Tancredo pedindo autorização à Secretaria de Segurança para que um médico indicado pela OAB tivesse acesso aos corpos no Instituto Médico Legal (IML), antes da liberação dos mesmos para os sepultamentos, mostra uma suspeição sobre o trabalho dos peritos legistas. Ainda mais contundente e direta foi a assertiva publicada pelo repórter Jorge Antonio Barros, no blog Repórter de Crime: "A Secretaria de Segurança tem a obrigação de exibir o mais brevemente possível a identidade dessas vítimas, suas eventuais fichas criminais, assim como os laudos cadavéricos que, se não forem maquiados como aconteceu na ditadura militar, podem contribuir muito para mostrar as condições em que as pessoas foram mortas " (grifo nosso).
No entanto, os tempos são outros e mais de 20 anos se passaram depois dos períodos de exceção. Neste tempo, os ventos da democracia tiveram efeito salutar, oxigenaram o quadro de funcionários públicos, excluíram muitos daqueles que não estavam comprometidos com a eficiência dos serviços e possibilitou a criação de mecanismos de controle de qualidade. Embora muitas mudanças ainda sejam necessárias, temos a certeza, de que no caso dos órgãos periciais há um quadro valoroso e de grande capacidade técnica. Se isso é devidamente aproveitado pelo estado, ou não, é outro assunto que trataremos ao final desta missiva. O fato é que os peritos oficiais de hoje merecem o respeito e consideração da população e de entidades governamentais e não governamentais.
Isso tanto é verdade que ressaltamos o papel da perícia fluminense em fatos ocorridos não muito distantes de nossa época. O primeiro refere-se ao assassinato de Chan Kim Chang, em 2003. Ao final das investigações, o próprio Secretário de Direitos Humanos do Estado, João Luiz Pinaud elaborou um dossiê sobre o caso contendo um laudo do IML, datado de 1º de setembro de 2003, apontando lesões em todo o corpo de Chang, menos no tórax e abdômen. No laudo, as evidências de tortura eram claramente explicitadas. Para Pinaud, o exame das lesões indicavam que Chang ficou em posição fetal (com joelhos dobrados em direção ao peito) quando apanhou, demonstrando clara posição de defesa . Da mesma forma, a perícia criminal teve papel preponderante na determinação da dinâmica dos fatos que antecederam a morte de Chang. Perícia realizada no Presídio Ary Franco, no dia 05 de setembro de 2003 demonstrou que havia sangue na cela de triagem, no corredor e na sala de disciplina para onde Chang foi levado antes de entrar em coma em 27 de agosto, apesar dos referidos locais terem sido lavados com água e sabão, desmentindo a versão apresentada pelos torturadores do comerciante chinês.
Em caso mais recente, março de 2005, em que 29 pessoas foram mortas em Nova Iguaçu e Queimados, o papel da perícia foi fundamental para a condenação dos réus, incluindo policiais. Atualmente, a Justiça condenou alguns dos indiciados e outros ainda aguardam a resposta final. As provas cruciais neste caso foram a comparação balística com os estojos e projéteis arrecadados no local e nos cadáveres e a presença de sangue no interior de um dos veículos utilizados na chacina, detectado com a utilização do luminol. As provas técnicas foram incontestavelmente capazes de ligar o veículo dos suspeitos à chacina, através de estojos coletados no local da chacina e no interior do veículo, os quais foram disparados pela mesma arma. Além disso, o sangue encontrado no interior do veículo era compatível com o de duas vítimas.
Entretanto, vale lembrar que na época também houve suspeição em relação ao trabalho dos peritos, neste caso dos peritos criminais. Em reunião da Comissão de Direitos Humanos da ALERJ o deputado Paulo Ramos contestou a eficiência do trabalho dos peritos, que realizaram os exames às pressas para que os corpos pudessem ser retirados dos locais. No município de Nova Iguaçu, um único profissional realizou a investigação em cinco locais de crime diferentes. Entretanto essa consideração foi descartada mais tarde quando se confirmou a confiabilidade dos exames realizados pela perícia criminal. Usando as palavras do deputado Alessandro Molon, presidente da comissão na época: "Não há dúvidas sobre a competência do trabalho realizado pela perícia. Eles sempre trabalharam assim. O caso da chacina não foi uma situação isolada. Ficou provado que, mesmo com a pressa com que foi feita a perícia, isto não atrapalhou o resultado das investigações". Neste episódio foi demonstrado que, apesar de todas as dificuldades de trabalho dos peritos, o resultado final é confiável.
Outro importante fato foi o resultado das análises grafotécnicas realizadas por peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) que comprovaram a falsificação de documentos por parte de um ex-Subprocurador Geral de Justiça, com intuito de beneficiar amigos e clientes, inclusive policiais civis de alto escalão como um ex-chefe de polícia (noticiado por O Globo em 12 de abril de 2007). O laudo pericial foi a sustentação para a denúncia do Ministério Público Estadual.
Muito ainda poderia ser comentado como as conclusões de laudos periciais grafotécnicos em material obtido com conhecido contraventor carioca que apontou o possível envolvimento de policiais civis, inclusive um ex-chefe de polícia, além de exames periciais que indicaram a utilização por presos de computadores localizados na sala da chefia da Polinter em Neves, São Gonçalo, trabalho esse realizado em conjunto com a Corregedoria de Polícia.
Estes fatos foram narrados brevemente, mas muitos outros casos poderiam ser descritos acerca do papel fundamental e isento da perícia, mesmo nos casos envolvendo autoridades públicas e policiais civis, militares ou federais. Conclamamos a população para que se lembrem destes fatos passados, rapidamente esquecidos, mas que mostram a importância e a idoneidade do trabalho pericial no Rio de Janeiro.
A perícia oficial fica aparentemente numa encruzilhada em eventos quando está em jogo a ação enérgica da força policial, que é rechaçada pelo poder bélico da criminalidade covardemente encastelada nas comunidades onde o poder público está ausente. Essa encruzilhada é retratada pelo fato que se as conclusões dos laudos periciais indicam que não houve ação deliberada na morte ou lesão das vítimas, os peritos serão alvo de inúmeras ilações que apontarão o favorecimento das ações policiais, simplesmente pelo fato dos institutos de perícia estarem subordinados ao poder repressor da polícia. Por outro lado, se os laudos indicam possíveis excessos por parte da polícia, tantas outras ilações são levantadas, apontando as condições adversas de trabalho dos peritos, que as conclusões foram baseadas em informações entrecortadas dos fatos ou que os peritos são desconhecedores das circunstâncias que cercam o cenário de ação da polícia no combate ao crime. Vale lembrar que o papel da perícia é suprir a insuficiência de conhecimentos específicos sobre o objeto da prova, apontar caminhos aos investigadores e, quando possível, determinar de forma inequívoca a autoria do fato criminoso. Porém, a investigação precisa também ser feita de forma isenta indicando e encaminhando suspeitos, indiciando os que realmente tiverem ligação com o fato, para que os mesmos sejam acusados, julgados e condenados.
Uma vez colocado este ponto de vista, é forçoso reconhecer, contudo, que os institutos periciais do Rio de Janeiro passam por dificuldades extremas no que concerne à questão estrutural, administrativa e financeira. Essa sim é a questão crucial e que pode comprometer a qualidade da prova técnica, muito mais do que a qualidade dos servidores que lá desenvolvem suas atividades.
Nesse sentido é que defendemos a autonomia dos organismos periciais como caminho para a eficácia e robustez da geração da prova material. Somente com a autonomia administrativa e financeira poderemos garantir uma perícia forte e independente. A autonomia, a isenção da prova material é defendida pela APERJ e por importantes representações da sociedade civil organizada. Esta isenção pode ser garantida com a AUTONOMIA DOS INSTITUTOS DE PERÍCIA, através da DESVINCULAÇÃO ADMINISTRATIVA, PATRIMONIAL, FUNCIONAL, OPERACIONAL E FINANCEIRA da estrutura policial.
Em fórum realizado em fevereiro de 1995, intitulado "A Perícia Forense e a Violência no País", realizado pela Sociedade Alagoana de Medicina Legal, o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Legal, Dr. Anelino José de Resende, assim se pronunciou: "A Medicina Legal no Brasil carece de estrutura e autonomia, onde a inexistência de equipamentos não só compromete o trabalho do perito, como falta autonomia ao próprio profissional, que, às vezes, tem o seu desempenho prejudicado por vários fatores".
Embora os profissionais sejam competentes e dignos, muitas vezes o próprio sistema burocrático atrasado e ineficiente cria entraves que impedem, limitam ou atrapalham o trabalho dos peritos. Por exemplo, um dos problemas citados em site do DHnet é que em alguns casos, as vítimas de tortura "são apresentadas ao perito legista vários dias após sofrerem a tortura, quando as manchas e marcas diminuíram ou desapareceram".
Sendo assim, a APERJ reconhece que hoje ainda existem algumas barreiras estruturais que podem comprometer qualitativamente o trabalho dos peritos oficiais. Passamos a discutir as principais:
a) Falta de equipamentos e de condições de trabalho. Segundo relatório feito pela APERJ no início deste ano foi constatada a total falta de condições de trabalho dos peritos criminais e legistas em todo o estado. Este tipo de deficiência obviamente compromete a realização de importantes exames necessários para a conclusão dos laudos periciais, envolvendo ou não autoridades. Felizmente o governo atual comprometeu-se com a melhoria das condições dos órgãos periciais, inclusive com a construção de um novo IML. Mas a solução definitiva passa necessariamente pela autonomia administrativa.
b) Administração não técnica dos órgãos periciais. Este ponto é fundamental, uma vez que não é possível admitir que um órgão técnico-científico seja administrado por um gestor fora dos quadros técnicos. A lógica é a mesma de um hospital ser administrado por um gestor com conhecimentos médicos e de uma universidade ser administrada por um professor-pesquisador. Qualquer coisa diferente disto causa um natural estranhamento na população. Por que a perícia deve ser diferente?
c) Falta de integração entre órgãos. Atualmente a perícia médico-legal e a perícia criminal têm pouca integração entre si. Este fato, embora não muito considerado é importante para a conclusão de laudos periciais em determinadas situações. Assim, muitas vezes a informação gerada no exame de local pelo perito criminal pode ser vital para o direcionamento e até conclusão do laudo do perito legista e vice-versa.
d) Cadeia de custódia adequada à preservação das características originais da prova. A prova coletada no local de exame pode ser desde um projétil arrecadado até o corpo de uma vítima de morte violenta. Garantir condições idôneas desta prova é garantir que os exames sejam conclusivos e elucidativos. Sem isso, fica praticamente impossível para o perito oficial dizer qualquer coisa com uma margem mínima de segurança acerca daquela prova ou das circunstâncias envolvendo tal prova.
e) Necessidade de maior integração com instituições de pesquisa. Embora os órgãos periciais sejam técnicos, hoje em dia há pouca interação com os centros de pesquisa do estado e do Brasil. Isso é fundamental para a atualização e capacitação dos profissionais da perícia oficial. A perícia não pode ficar engessada na estrutura da Polícia Civil. O próprio decreto nº 1904, de 13 de maio de 1996, que institui o Programa Nacional de Direito Humanos - PNDH, faz referência à questão da autonomia pericial e da articulação com as universidades, nos seguintes termos: "Luta contra a impunidade - Fortalecer os Institutos Médico-Legais ou de Criminalística, adotando medidas que assegurem a sua excelência técnica e progressiva autonomia, articulando-os com universidades com vista a aumentar a absorção de tecnologias" (grifo nosso). Dentro deste contexto, seria interessante até mesmo que as disciplinas de CRIMINALÍSTICA e MEDICINA LEGAL fossem incluídas nos currículos mínimos das faculdades de Direito do país, bem como houvesse um aprofundamento destes temas dentro das faculdades de Medicina, a fim de garantir uma formação mais sólida de profissionais, mesmo que não atuando em perícias oficiais. Isso garantiria a formação de um corpo de profissionais capazes de discutir com embasamento as metodologias, técnicas e procedimentos adotados pelos peritos oficiais, dando ainda maior transparência ao trabalho dos peritos criminais e legistas no Brasil.
f) Criação de corregedoria e ouvidoria próprias e exclusivas da perícia oficial. Isso daria maior transparência às ações dos peritos e possibilitaria maior rapidez na apuração de quaisquer irregularidades que porventura fossem observadas. Não podemos descartar, como em qualquer outra instituição pública, a presença de pessoas com objetivos escusos que devem ser excluídas o mais rapidamente possível do quadro de funcionários, sendo tal processo realizado sempre dentro das medidas legais cabíveis.
g) Questão histórica. Lembramos mais uma vez a conivência de determinados setores da perícia com a ditadura militar. Para acabar de uma vez por todas com a dúvida que persiste e da desconfiança da população é necessário que a perícia torne-se autônoma, saindo do seio da polícia civil. É uma questão que beneficia principalmente os peritos legistas e criminais que não precisam se submeter ao constrangimento freqüente de terem seu trabalho posto em dúvida. Ademais concordamos que embora o trabalho dos peritos seja confiável, atualmente é no mínimo estranho que uma instituição que seja investigada (no caso de abuso de policiais civis) seja a mesma que produz a prova contra ou a favor dos réus. Ainda na década de 80, por iniciativa do Ministério da Justiça, foi criada a Comissão de Estudos do Crime e da Violência que, presidida pelo professor Viana de Moraes, concluiu os seus trabalhos recomendando a desvinculação dos órgãos periciais dos órgãos policiais. A mesma comissão citou que a autonomia da perícia é importante "para evitar a imagem do comprometimento sempre presente quando, por interesse da Justiça, são convocados para participar de investigações sobre autoria de crimes atribuídos à Polícia".
h) Capacitação permanente dos peritos oficiais. Isso só ocorrerá em uma instituição própria, com orçamento definido e administração técnica. Não é possível para uma instituição como a Polícia Civil acumular funções tão dispares como a repressão policial, investigação policial e desenvolvimento tecnológico e científico e ao mesmo tempo ser eficiente na gestão destas áreas. Alguma coisa ficará de lado. E a experiência ao longo destes anos mostrou que a parte esquecida foi, infelizmente, a perícia.
Tudo isto posto, ressaltamos nossa posição de defesa dos profissionais que labutam nos institutos médico legais e departamentos ou postos de criminalística e que realizam um trabalho digno e de qualidade, o qual muitas vezes e em inúmeros casos nestes últimos anos tiveram a oportunidade de mostrar seu valor e idoneidade perante a sociedade. Não nos esquivamos, contudo de admitir que problemas estruturais que ocorrem atualmente podem, sim, comprometer a realização ou a qualidade de determinados exames, o que representa um grave entrave para a apuração de fatos criminosos no Rio de Janeiro. Nesse sentido a APERJ, entende como benéfica a manifestação das comissões de defesa dos direitos humanos na mídia acerca dos recentes acontecimentos relativos a possíveis abusos cometidos por policiais na retomada de áreas dominadas por criminosos. Benéfica, pois concordamos que medidas devem ser tomadas no sentido de elucidar tais abusos. Benéfica também, no sentido de colocar a perícia oficial no centro das atenções. Embora discordemos da suspeição em relação à perícia oficial, a oportunidade é ímpar para discutirmos o papel da perícia e a necessidade de reformas profundas e urgentes que garantam cada vez mais uma perícia independente e forte. Isso só ocorrerá com a autonomia dos institutos periciais. Essa é uma demanda dos peritos, da sociedade e de instituições comprometidas com a justiça no Brasil. Somente quando isso ocorrer, a perícia será alçada à importância a que faz jus e as dúvidas da população acerca da imparcialidade da prova técnica serão sanadas.
Saudações cordiais;

Direção da Associação dos Peritos do Estado do Rio de Janeiro
APERJ – Gestão 2007/2008

3 comentários:

Anônimo disse...

E, enquanto fazem vista grossa para uma necessidade imperiosa que é a autonomia plena. geral, administrativa, irrestrita dos òrgãos da Perícia Oficial, o índice de solução de crimes no Rio de Janeiro fica na casa dos.....4% !!!!! Isso significa que NÃO SE INVESTIGA NADA. NÃO SE CONCLUI NADA. No rio de Janeiro NÃO HÁ APLICAÇÃO DA LEI PENAL. O Ministério Público não pode condenar ningém...... por falta de provas. O Magistrado e´obrigado a inocentar ....por falta de provas. Não adiante publicar estatísticas tipo "Redução de Homicídios" ou "redução de furtos de automóveis" em relação "tal ano". A sociedade não cai mais nessa. O que interessa é a condenação, pois na impunidade está a raiz de tudo. E, sem Perícia autônoma, impun idade sempre haverá. Aliás, nossos governantes deveriam publicar é estatística dos crimes insolucionáveis (na faixa de 96 % no Rio, o maior do País
Gabriel

de angelis disse...

E, enquanto fazem vista grossa para uma necessidade imperiosa que é a autonomia plena. geral, administrativa, irrestrita dos òrgãos da Perícia Oficial, o índice de solução de crimes no Rio de Janeiro fica na casa dos.....4% !!!!! Isso significa que NÃO SE INVESTIGA NADA. NÃO SE CONCLUI NADA. No rio de Janeiro NÃO HÁ APLICAÇÃO DA LEI PENAL. O Ministério Público não pode condenar ningém...... por falta de provas. O Magistrado e´obrigado a inocentar ....por falta de provas. Não adiante publicar estatísticas tipo "Redução de Homicídios" ou "redução de furtos de automóveis" em relação "tal ano". A sociedade não cai mais nessa. O que interessa é a condenação, pois na impunidade está a raiz de tudo. E, sem Perícia autônoma, impun idade sempre haverá. Aliás, nossos governantes deveriam publicar é estatística dos crimes insolucionáveis (na faixa de 96 % no Rio, o maior do País

Paulo Ricardo Paúl disse...

Grato, postei como artigo no blog. Juntos Somos Fortes!