Naquele 22 de abril de 2009, nenhum nobre navegante português ousaria nos "descobrir".
Descobertos fomos pelos olhos e pela voz do primeiro negro que, com altivez e coragem, no topo da nau capitânia do judiciário, admoestou o pretenso comandante.
Naquele 22 de abril de 2009, não caberia um 7 de setembro em que o filho do rei, futuro imperador do país, daria gritos de independência às margens de um riacho qualquer; ali, ouvimos o brado da liberdade e da insubmissão da voz abafada do povo, silenciada por séculos pelos donos do poder, através de sucessivos crimes de lesa-cidadania:
"Respeite, ministro! Vossa Excelência não tem condições de dar lição de moral em ninguém!"
Naquele 22 de abril de 2009, nenhuma princesa "bondosa" assinaria uma vaga lei que nos concedia liberdade, mas nos cassava a condição de cidadãos, proibindo-nos o voto, a escola de qualidade e o trabalho digno; presenciamos, sim, a abolição proclamada em nossas almas, 121 anos depois, pela voz corajosa de um Luís Gama redivivo, encarnando todos os quilombos massacrados e abrindo os portões de todas as senzalas:
"Vossa Excelência não está nas ruas; está na mídia destruindo a credibilidade de nossa justiça!"
Naquele 22 de abril de 2009, nenhum marechal, de pijama, ousaria proclamar república nenhuma; o pacto de poder que condenou a maioria de nossa gente a ser um povo de segunda classe viu-se desmascarado pela indignação patriótica de um João Cândido reeditado, que fez a chibata girar em movimento contrário, açoitando o lombo dos que se acostumaram a bater, por séculos a fio:
"Respeite, ministro! Vossa Excelência não está falando com seus capangas do Mato Grosso!"
Naquele dia, Ogum, Xangÿ e Oxóssi desceram os três num corpo só e reafirmaram a presença arquetípica da África dentro de nós. Todos os movimentos aparentemente derrotados dos nossos heróis anÿnimos puseram-se de pé, vitoriosos, mesmo que não tivessem vencido uma só batalha.
A Revolta dos Búzios, a Revolução dos Malês, o Quilombo dos Palmares, todos, reencenaram seus teatros de operação e puderam, séculos depois, derrotar simbolicamente o inimigo.
Naquele dia, saíram às ruas todas as escolas de samba, de jongo, todos os blocos afros; bateram os candomblés e as giras de umbanda, a procissão da Boa Morte, o Bembé do Mercado de Santo Amaro; brilharam os pequenos olhos da criança negra recém-nascida ao descortinar a luz azul de um futuro melhor. Naquele dia, materializando todos os nossos sonhos e desejos secularmente negados, Vossa Excelência deixou de ser apenas um ministro do Supremo Tribunal Federal para tornar-se o supremo ministro de todos os brasileiros.
JORGE PORTUGAL.
Baiano de Santo Amaro da Purificação, educador, poeta e membro do Conselho Nacional de Política Cultural.
(Transcrito da página de Opinião do jornal A Tarde, da Bahia, de 28.4.09)
PAULO RICARDO PAÚL
CORONEL DE POLÍCIA
CORONEL BARBONO
2 comentários:
Ricardo Linhares: Faxina em Brasília
*Autor de novelas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva minimizou a farra do Legislativo. Assumiu que cedeu passagens aéreas, quando deputado. Disse ser natural presentear parentes com viagens pagas com o dinheiro do povo. E arrematou: “sempre foi assim”. Como se o fato da bandalheira ser antiga a legitimasse.
As despesas do Executivo também são descontroladas. Talvez Lula pense que, se há mau uso do dinheiro público em todos os poderes, por que escândalo? Nesse raciocínio, ele deve concluir que, se todos roubam, roubar é normal.
Nem sempre foi assim. Na ditadura, o Congresso foi importante foco de resistência. Durante a redemocratização, principalmente no Diretas-Já, políticos exerceram a representatividade popular. No impeachment de Collor, no entanto, o Legislativo só teve papel digno porque foi pressionado pela opinião pública.
Pouco a pouco, as duas Casas foram se tornando covil de fisiologismo. E até abrigo de marginais com ficha suja, protegidos pela impunidade. Com raras exceções, quem não é corrupto, é conivente, incompetente ou medíocre.
Os escândalos são infindáveis. Ninguém se choca mais. Aprendemos a só esperar o pior. Sabemos que não haverá punição. Pois quem pune hoje, amanhã pode ter suas faltas descobertas e precisar do conchavo dos seus pares. Se mamatas vêm à tona, fazem teatro, prometendo mudança. Quando a poeira baixa, regalias voltam.
No Planalto e no Congresso há privilégios, cinismo, amoralidade. Não há ética, dignidade. É grave um país perder a esperança e o respeito pelos seus dirigentes. Nas próximas eleições, vamos fazer uma boa faxina.
Ricardo Linhares: Faxina em Brasília
*Autor de novelas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva minimizou a farra do Legislativo. Assumiu que cedeu passagens aéreas, quando deputado. Disse ser natural presentear parentes com viagens pagas com o dinheiro do povo. E arrematou: “sempre foi assim”. Como se o fato da bandalheira ser antiga a legitimasse.
As despesas do Executivo também são descontroladas. Talvez Lula pense que, se há mau uso do dinheiro público em todos os poderes, por que escândalo? Nesse raciocínio, ele deve concluir que, se todos roubam, roubar é normal.
Nem sempre foi assim. Na ditadura, o Congresso foi importante foco de resistência. Durante a redemocratização, principalmente no Diretas-Já, políticos exerceram a representatividade popular. No impeachment de Collor, no entanto, o Legislativo só teve papel digno porque foi pressionado pela opinião pública.
Pouco a pouco, as duas Casas foram se tornando covil de fisiologismo. E até abrigo de marginais com ficha suja, protegidos pela impunidade. Com raras exceções, quem não é corrupto, é conivente, incompetente ou medíocre.
Os escândalos são infindáveis. Ninguém se choca mais. Aprendemos a só esperar o pior. Sabemos que não haverá punição. Pois quem pune hoje, amanhã pode ter suas faltas descobertas e precisar do conchavo dos seus pares. Se mamatas vêm à tona, fazem teatro, prometendo mudança. Quando a poeira baixa, regalias voltam.
No Planalto e no Congresso há privilégios, cinismo, amoralidade. Não há ética, dignidade. É grave um país perder a esperança e o respeito pelos seus dirigentes. Nas próximas eleições, vamos fazer uma boa faxina.
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