1) São Paulo, sexta-feira, 26 de novembro de 2010
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Propaganda de guerra
SÃO PAULO - Já no início da madrugada de ontem, o "Jornal da Globo" procurava atualizar os números da guerra civil carioca: tantas pessoas mortas, tantos presos, pelo menos cinco carros queimados depois das oito da noite... O balanço do dia era devastador: escolas sem aula, comércio fechado, pessoas aflitas ou em pânico correndo para se refugiar em casa.
Veio então o intervalo comercial. E, com ele, a propaganda de uma empresa de blindagem de automóveis. Anunciava "proteção ao seu alcance", a partir de R$ 18.950, um precinho supostamente "popular" para os padrões do serviço.
Tratava-se de uma autêntica propaganda de guerra, do tipo "adapte seu carro aos novos tempos" de terror urbano. Não deixa de ser mais um capítulo, cruelmente irônico, de uma tradição brasileira: problemas públicos, soluções privadas.
Mas deixemos de lado a proteção fantasiosa do anúncio comercial. Há outra propaganda de guerra nas ruas. Ela parte do governo fluminense e ecoa em toda a mídia: a onda de violência e caos que tomou o Rio não passa de uma reação desordenada, um sintoma de desespero do tráfico, que começou a ser desarticulado e desalojado pelas UPPs.
Deve-se mesmo acreditar nisso?
O governador Sérgio Cabral é antes de tudo um grande marqueteiro. Diante de tudo o que estamos vendo, à luz das cenas de uma cidade conflagrada, é preciso no mínimo desconfiar do discurso do êxito da política de segurança. Sua conexão com a realidade parece bem tênue.
O uso de blindados da Marinha para ajudar a polícia a "subir o morro" certamente impressiona. Se alguém ainda hesitava em chamar isso de guerra, às favas com o pudor. A população, exausta ou aterrorizada, aprova tais operações militares.
Porém, no dia em que as Forças Armadas se envolverem no combate ao tráfico, serão inevitavelmente contaminadas por contaminadas por ele. Estaremos então mais próximos de um cenário colombiano de narcobarbárie ou de uma cidade, enfim, pacificada?
Veio então o intervalo comercial. E, com ele, a propaganda de uma empresa de blindagem de automóveis. Anunciava "proteção ao seu alcance", a partir de R$ 18.950, um precinho supostamente "popular" para os padrões do serviço.
Tratava-se de uma autêntica propaganda de guerra, do tipo "adapte seu carro aos novos tempos" de terror urbano. Não deixa de ser mais um capítulo, cruelmente irônico, de uma tradição brasileira: problemas públicos, soluções privadas.
Mas deixemos de lado a proteção fantasiosa do anúncio comercial. Há outra propaganda de guerra nas ruas. Ela parte do governo fluminense e ecoa em toda a mídia: a onda de violência e caos que tomou o Rio não passa de uma reação desordenada, um sintoma de desespero do tráfico, que começou a ser desarticulado e desalojado pelas UPPs.
Deve-se mesmo acreditar nisso?
O governador Sérgio Cabral é antes de tudo um grande marqueteiro. Diante de tudo o que estamos vendo, à luz das cenas de uma cidade conflagrada, é preciso no mínimo desconfiar do discurso do êxito da política de segurança. Sua conexão com a realidade parece bem tênue.
O uso de blindados da Marinha para ajudar a polícia a "subir o morro" certamente impressiona. Se alguém ainda hesitava em chamar isso de guerra, às favas com o pudor. A população, exausta ou aterrorizada, aprova tais operações militares.
Porém, no dia em que as Forças Armadas se envolverem no combate ao tráfico, serão inevitavelmente contaminadas por contaminadas por ele. Estaremos então mais próximos de um cenário colombiano de narcobarbárie ou de uma cidade, enfim, pacificada?
2) São Paulo, sexta-feira, 26 de novembro de 2010
Os protagonistas no Rio são as milícias
CLAUDIO BEATO
Estamos assistindo ao fim de um período e ao provável ingresso em outro patamar, que exigirá instrumentos mais amplos que as UPPs
Os protagonistas no Rio são as milícias
CLAUDIO BEATO
Estamos assistindo ao fim de um período e ao provável ingresso em outro patamar, que exigirá instrumentos mais amplos que as UPPs
A interpretação oficial corrente sobre os eventos no Rio de Janeiro tem atribuído à reação dos traficantes às UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) a explicação para o impressionante surto de violência.
Trata-se de argumento simplificador, que desconhece o complexo processo que vem se desenvolvendo ao longo de quase duas décadas e que agora ingressa em um novo patamar de organização da atividade criminosa.
Atividades criminosas têm-se estruturado seguindo uma lógica bastante similar nos grandes centros urbanos brasileiros. Iniciam-se com atividades de gangues de bairros em ambientes urbanos deteriorados e assolados por péssimas condições econômicas e sociais.
O aprisionamento desses membros cria um novo patamar de organização, que se estrutura inicialmente no interior das prisões, com formação de coalizões, tendo como objetivo inicial sua proteção e, posteriormente, associação para fins criminais. Essa é a origem de PCC (Primeiro Comando da Capital), Comando Vermelho, ADA (Amigos dos Amigos) ou Terceiro Comando.
Nesse estágio, inaugura-se também um período de intensa competição entre grupos, com uso maciço de armas de fogo e a introdução crescente de mecanismos de corrupção. O amplo domínio territorial desses grupos é a marca desta fase.
Este arranjo se desmorona e o que estamos assistindo são os estertores desse período.
Seus protagonistas encontram-se crescentemente acuados: de um lado, por estratégias do governo estadual que são bastante distintas do padrão vigente; por outro, temos emergência de grupos mais voltados para uma lógica empresarial e com padrões de eficiência criminal mais elevados.
Há uma expansão das atividades comerciais, que agora não se limitam apenas ao tráfico de drogas, mas se estendem a diversos outros tipos de atividades ilegais, tais como a venda informal de serviços e bens públicos por meio de "gatos", provisão de bens e serviços, como gás, transporte e segurança, e até mesmo exploração de prostituição.
No lugar do violência, a cooptação, o ingresso no mundo da política e a infiltração institucional. Os protagonistas centrais deste processo no Rio têm sido as milícias, para quem o espetáculo exuberante da etapa anterior não é mais funcional para os negócios.
Por sua vez, o Estado do Rio de Janeiro tem atuado firmemente em estratégias visando o restabelecimento da ordem, buscando a erradicação das armas de fogo e a retomada de territórios.
Estamos assistindo ao fim de um período e ao provável ingresso em outro patamar, que exigirá instrumentos e políticas mais amplos e profundos que a bandeira das UPPs. Estas, aliás, devem se multiplicar e deveriam ser parte de um projeto sistêmico e com perspectiva mais estratégica.
CLAUDIO BEATO é professor do Departamento de Sociologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e diretor do Crisp (Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública), da mesma universidade.
JUNTOS SOMOS FORTES!Trata-se de argumento simplificador, que desconhece o complexo processo que vem se desenvolvendo ao longo de quase duas décadas e que agora ingressa em um novo patamar de organização da atividade criminosa.
Atividades criminosas têm-se estruturado seguindo uma lógica bastante similar nos grandes centros urbanos brasileiros. Iniciam-se com atividades de gangues de bairros em ambientes urbanos deteriorados e assolados por péssimas condições econômicas e sociais.
O aprisionamento desses membros cria um novo patamar de organização, que se estrutura inicialmente no interior das prisões, com formação de coalizões, tendo como objetivo inicial sua proteção e, posteriormente, associação para fins criminais. Essa é a origem de PCC (Primeiro Comando da Capital), Comando Vermelho, ADA (Amigos dos Amigos) ou Terceiro Comando.
Nesse estágio, inaugura-se também um período de intensa competição entre grupos, com uso maciço de armas de fogo e a introdução crescente de mecanismos de corrupção. O amplo domínio territorial desses grupos é a marca desta fase.
Este arranjo se desmorona e o que estamos assistindo são os estertores desse período.
Seus protagonistas encontram-se crescentemente acuados: de um lado, por estratégias do governo estadual que são bastante distintas do padrão vigente; por outro, temos emergência de grupos mais voltados para uma lógica empresarial e com padrões de eficiência criminal mais elevados.
Há uma expansão das atividades comerciais, que agora não se limitam apenas ao tráfico de drogas, mas se estendem a diversos outros tipos de atividades ilegais, tais como a venda informal de serviços e bens públicos por meio de "gatos", provisão de bens e serviços, como gás, transporte e segurança, e até mesmo exploração de prostituição.
No lugar do violência, a cooptação, o ingresso no mundo da política e a infiltração institucional. Os protagonistas centrais deste processo no Rio têm sido as milícias, para quem o espetáculo exuberante da etapa anterior não é mais funcional para os negócios.
Por sua vez, o Estado do Rio de Janeiro tem atuado firmemente em estratégias visando o restabelecimento da ordem, buscando a erradicação das armas de fogo e a retomada de territórios.
Estamos assistindo ao fim de um período e ao provável ingresso em outro patamar, que exigirá instrumentos e políticas mais amplos e profundos que a bandeira das UPPs. Estas, aliás, devem se multiplicar e deveriam ser parte de um projeto sistêmico e com perspectiva mais estratégica.
CLAUDIO BEATO é professor do Departamento de Sociologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e diretor do Crisp (Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública), da mesma universidade.
PAULO RICARDO PAÚL
PROFESSOR E CORONEL
Ex-CORREGEDOR INTERNO
Um comentário:
Como de costume, a imprensa Paulista só tem "comentários pessimistas e parciais", em relação a Política de Segurança do Rio.
Ao contrário da "nossa mídia", que é totalmente "otimista e imparcial$$$$$$$", e sabe reconhecer o trabalho do governador.
Com exceção de alguns "chatos", como o Ricardo Boechat, da Band News FM.
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