Não sou dono da verdade, mas exageros devem ter limites; portanto, arrisco-me a alertar os militares estaduais do RJ para o anacronismo do regime disciplinar a que são submetidos. Fosse qualificar a cultura reinante, eu decerto diria: “Absurda!”
São várias e profundas contradições que enodoam o regime disciplinar nas instituições militares estaduais. São tantas, na verdade, que se torna complicado escolher alguma para começar. Há, porém, uma deveras aberrante: a transferência do CBMERJ para a Secretaria de Saúde.
Ora, é inconfundível a Carta Magna: os Corpos de Bombeiros Militares são organismos de segurança pública, tais como o são as Polícias Militares. Portanto, nesta condição especial o CBMERJ deve se subordinar à estrutura de segurança pública, pois assim a conjuntura constitucional prescreveu. No entanto, o atual governo estadual optou pelo deslocamento desta corporação para uma secretaria estranha à sua missão constitucional. Se a bizarria pega, amanhã a PMERJ poderá estar subordinada à Secretaria de Obras ou à Casa Civil... Enfim, desrespeito à Lei Maior e à Carta Estadual à revelia do Ministério Público e da Justiça – guardiões da legalidade. Ainda São?...
Esta anomia vem gerando situações esdrúxulas; porque civis e bombeiros militares estão embolados em teratogênicas estruturas (por exemplo, no SAMU), perturbando deveras uma cultura militarista que em si já é anômala. Deste modo, hoje é possível supor um militar estadual recebendo ordens de alguns apaniguados civis temporariamente contratados por meio de cooperativas terceirizadas. A lógica, neste caso, é a do puxa-saquismo de militares estaduais a eventuais apadrinhados políticos, gerando inconsequências disciplinares terríveis. É a reedição da Torre de Babel...
No vácuo da inegável anomia as absurdas contradições sobressaem, como, por exemplo, usualmente constar dos textos punitivos de oficiais e praças a indefectível expressão “faltar com a verdade”. Ora, quando há alguma acusação de transgressão disciplinar, o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) é desencadeado a partir de um Libelo Acusatório cujo teor deve ser objetivo. Não o sendo, o acusado não pode contraditar absolutamente nada. Mas, quando ele se defende, a lógica predominante entre as autoridades punitivas é a de que o acusado é “mentiroso”, deliberação que anula de pronto a ampla defesa e o contraditório em decisão desgraçadamente subjetiva.
É comum, sim, o texto punitivo afirmar que o acusado “mentiu”, argumento suficiente para configurar a pretendida transgressão disciplinar seguida da punição. Esse artifício abre caminho para os enquadramentos seguintes, sem chance de os acusados se defenderem de imputações muitas vezes, elas sim, mentirosas e injustas, porém referendadas por quem pune sem nada apurar. Resume-se tudo à crença na “fé de ofício” daquele que assina (superior) a denúncia, sempre constando a indefectível e subjetiva afirmação de que o punido (inferior) “teve direito à ampla defesa e ao contraditório”. Contudo, quando ocorre contrário (subordinado denunciando ou se queixando de superior), a razão se inverte naturalmente: no militarismo estadual do RJ o superior sempre tem razão...
Talvez, dentre o rol de injustiças disciplinares, o argumento oficial do “faltar com a verdade” só perca para outro igualmente corriqueiro: o “tudo levando a crer”, sucedâneo do famigerado “consta que”... Ora, qualquer punição, seja penal ou administrativa, se sujeita ao regramento constitucional. E ambos dependem da apresentação, por quem acusa, de prova ou de indícios suficientes à iniciação do PAD. Contudo, para punir, a prova há de ser substancial, concreta, invencível. Em havendo dúvida, livra-se da punição o acusado, situação que não passa de miragem... Punir por “levar a crer” (“consta que”) é simplesmente absurdo! Mas acontece corriqueiramente, mesmo que essa interpretação subjetiva esteja travestida em expressões semelhantes a ocultar malícias endereçadas a subordinados.
A falta de critério e a tendência de o sistema de cobrança contra as injustiças não funcionar têm levado ao infortúnio muitos militares estaduais, mormente praças. Mais grave: a base de sustentação das acusações são leis e regulamentos que se reportam ao passado distante, ignorando-se em descaramento os novos ditames constitucionais. O Estatuto dos Militares Estaduais, tanto faz se da PMERJ ou do CBMERJ, é cópia deformada do Estatuto do Exército, escrito em período próximo ou anterior à II Grande Guerra. Os regulamentos disciplinares, idem...
Claro que não há nenhum interesse dessas instituições estaduais em modernizar seus regimes disciplinares sabidamente tacanhos. O que lhes importa é tratar seus integrantes como rebanhos destinados ao abate. No fim de contas, a reposição é fácil e rápida: a porta de entrada é tão larga como a porta de saída. Tanto que, por mais que se incluam novos efetivos, a quantidade total pouco aumenta em relação ao efetivo de anos passados.
Assim o tempo passa e as injustiças se acumulam intramuros dessas instituições, ignorando o Ministério Público da AJMERJ a sua função fiscalizadora da hierarquia e da disciplina (Art. 55 do CPPM: “Cabe ao Ministério Público fiscalizar o cumprimento da lei penal militar, tendo em atenção especial o resguardo das normas de hierarquia e disciplina, como bases da organização das Forças Armadas.”). Aqui, vale lembrar o princípio da analogia consagrado no direito pátrio, o que permite conceber igual tratamento por parte do Ministério Público estadual para as Forças Auxiliares do Exército: Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.
Ora, “o resguardo das normas de hierarquia e disciplina” diz respeito também à cobrança de maus-tratos de superiores impunemente endereçados a subordinados (Art. 174 do CPM: “Exceder a faculdade de punir o subordinado, fazendo-o com rigor não permitido, ou ofendendo-o por palavra, ato ou escrito. Pena: suspensão do exercício do posto, por dois a seis meses, se o fato não constitui crime mais grave.”). Mas o que ocorre na prática resume-se ao ouvido mouco do MP e à punição de cima para baixo batendo como a borduna do bugre na cabeça de quem não pode se defender sozinho. E, enquanto a cobrança dos maus-tratos de superiores contra subordinados permanecer nula em função do compadrio corporativista intramuros entre os primeiros, a disciplina e a hierarquia nas instituições militares estaduais no RJ não passarão de piada de mau gosto.
EMIR LARANGEIRA
TENENTE CORONEL DE POLÍCIA
JUNTOS SOMOS FORTES!PAULO RICARDO PAÚL
CORONEL DE POLÍCIA
Ex-CORREGEDOR INTERNO
3 comentários:
Saudações cel Larangeiras.
Concordo são varias a mazelas que ocorre com os BM e PM por causa desse Estatuto ultrapassado e que ao longo dos anos vem tendo interpretações cheia de sofisma e tendenciosa.
Cito nele uma parte a lei de limite de idade, que ultimamente vem prejudicando os BM mas antigos, principalmente praça da promoção por tempo de serviço e QOA , atrasaram os cursos , de confirmação de divisa,aperfeiçoamento e CHOAE deixando vario BM
sem alcançar todos os benefícios das promoções sendo obrigados a ir para reserva. Não levam nem em conta o erro administrativo. Esta lei eles cumprem a risca a outras e problema nosso os princípios são rasgados, maculados. O CMDO toma conhecimento mas não toma atitudes prescritas em lei e o MP também faz de conta que não sabe.
Mudanças Já. JSF
Excelente parecer, oxalá nossos superiores levassem mais a sério as nossas leis. Hoje já se vê uma pequena mudança, tendo em vista o grau de instrução dos novos que ingressam nas corporações.
No CBMERJ muitos militares utilizam o habeas corpos, reconsideração de ato, anulação de punição aplicada irregularmente. O problema maior é o medo. Medo de ir parar do outro lado do Estado. Enquanto esse medo existir na maioria dos militares jamais veremos raiar a liberdade plena.
Como vai Cel, o SR. nao vai lembrar mais tive a oportunidade de cuidar do Sr no HPM-NIT (infelizmente) seria melhor se tivesse o conhecido em outro lugar...rs.Nós precisamos de experiencias sua assim como do Cel Paul para nos guiar em modificaçoes urgentes em nossa PMERJ, alem do nos guiar precisamos de atitudes dos SRs, sabemos da honradez com que conduzem a suas vidas como Policiais Militar.
Juntos Somos Fortes
Eduardo
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