Artigo extraído do blog do jornalista Gustavo de Almeida - Santa Bárbara e Rebouças:
http://gustavodealmeida.blogspot.com/27 de dezembro de 2007.
CRIME NENHUM
Sabemos todos nós que as decisões judiciais são “inquestionáveis” e, em caso de última instância, se tornam cláusula pétrea e lei divina.
Ora, se decisão judicial fosse algo que pudesse, na nossa sociedade ocidental, ser alvo de questionamentos, certamente haveria um SAC com número 0800 nos tribunais afora, para que o usuário/contribuinte/cliente pudesse reclamar ou dar sugestões.
No entanto, assim fomos criados e assim nossa sociedade é concebida: a Justiça é algo incontestável e suas decisões não precisam de referendo – a não ser, de certo ponto de vista, quando falamos do Tribunal do Júri, claro.
No entanto, volta e meia me flagro imerso em reflexões sobre uma decisão da Justiça, reflexões estas que, bem sei, podem até me colocar numa perigosa berlinda. Mas não poderia deixar de compartilhar estes pensamentos, haja vista que recebi esta semana de um oficial a quem muito respeito uma mensagem sobre a decisão relativa ao seqüestro do ônibus 499, ocorrido no ano passado. Não o identificarei por não ter combinado nada antes.
Este oficial da PMERJ, com quem já discuti várias vezes, sem no entanto nunca deixar de reconhecer sua dedicação e competência, realmente me abriu os olhos: um homem armado invade um ônibus, espanca a ex-mulher (com quem depois voltaria a casar, mas isto a Justiça não precisa considerar, pelo menos neste caso), pára o trânsito numa das principais vias do país – a Dutra -, atrai todo o policiamento da região, tornando-a mais insegura e ainda, de quebra, ameaça a vida dos passageiros.
Mesmo que os próprios passageiros tenham avaliado que não houve dolo, o fato de brandir uma arma, a meu ver, é uma ameaça, sim.
Ora, no ano passado, um representante do Estado democrático, fardado (policial militar) passou entre carros na Zona Sul com a arma na mão (com o dedo fora do gatilho, como ensinam na academia), e houve côro de descontentes, partindo de colunistas de grande jornal do Rio.
Por que no caso do seqüestrador do caso 499 há tolerância com o fato de ele brandir uma arma?
Comoção devido à história de amor?
Foram mais de 12 horas de negociação envolvendo dois policiais do Bope e até o comandante-geral da PM, na época o coronel Hudson Miranda de Aguiar. Este ainda se submeteu a risco duplo: o de alguém acusá-lo de “querer aparecer” (apesar de me parecer absurda a hipótese de alguém querer aparecer durante um episódio de final imprevisível como um seqüestro) e o de ser vinculado para sempre a um episódio trágico.
E eis que a Justiça absolve o cidadão armado dentro do ônibus.
Nas declarações proferidas na sentença da juíza Rosana Navega, consta que a rendição de André, o infrator, foi mais lenta devido a “táticas equivocadas da PM e da PC”. A juíza ainda ressalta o papel de um promotor de Justiça que foi ao local, no sentido de que, sem a presença dele, o episódio teria final trágico.
Ora, e os dois negociadores do Bope, completamente esculpidos para tal missão?
E a psicóloga da tropa de elite, que acompanhou toda a negociação?
Em determinado momento, me diz este oficial no email, o promotor relata que havia “diversos helicópteros das polícias”.
Não foram usados helicópteros pela polícia – todos os que pairavam no local eram de redes de televisão.
“Todas as medidas preventivas e repressivas que o caso requereu foram adotadas, antes porém planejadas e treinadas, inclusive utilizando um ônibus semelhante, vazio”.
O mais grave, me conta o oficial: “Delitos aconteceram em outros locais porque várias viaturas não estavam no patrulhamento preventivo”.
Sendo assim, a sentença judicial, a meu ver, deveria receber recurso do Ministério Público – no entanto, não acredito que tal vá acontecer, já que o promotor é citado como de “suma importância”.
Ao que parece, todo o pânico, apreensão de milhões de cidadãos do Rio, engarrafamentos monumentais afetando a vida de milhares (e possivelmente a saúde), as lembranças amargas, tudo, tudo se transformou apenas numa história de amor.
Que me perdoe o casal hoje famoso e comemorando a absolvição: mas todo aquele transtorno ficar impune é um pouco demais para nossa concepção. O efeito desta decisão é simples, e para quem é da cultura falada, como o bandido tradicional, se resume a uma única verdade: faça e fique livre.
Para os policiais que trabalharam no caso, sinceramente, não sei qual é a mensagem passada. E não sei se eu gostaria de saber.
PAULO RICARDO PAÚL
CORONEL
CORREGEDOR INTERNO
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