sexta-feira, 3 de abril de 2009

CORPORAÇÃO EM CHOQUE - REVISTA CARTA CAPITAL.

Corporação em choque.

Na tarde de quinta-feira 26, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pisou pela primeira vez no edifício-sede da Polícia Federal, o “Máscara Negra”, no Setor de Autarquias Sul de Brasília. Esteve lá, em missão oficial, para prestigiar o aniversário de 65 anos de criação da PF, mas foi colocado no meio de um novo conflito interno da corporação. Anfitrião da festa, o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, queria aproveitar a ocasião para entregar a Lula o texto da proposta de Lei Orgânica da polícia, a ser enviada ao Congresso Nacional. O documento tem sido bombardeado pelos peritos, que veem risco à sua independência e autonomia e enxergam, nas mudanças, a reedição dos tempos da ditadura, quando os delegados tinham poder absoluto.
Por ordem do ministro da Justiça, Tarso Genro, o documento, contudo, não foi parar nas mãos do presidente, mas na mesa do ministro Paulo Bernardo, do Planejamento. De lá, seguirá para as mãos da ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil. Enquanto isso, os lobbies de delegados e peritos da PF se preparam para novas batalhas a serem travadas, provavelmente no Congresso Nacional. Em jogo, há interesses dos dois lados. Os delegados não aceitam ser equiparados, inclusive do ponto de vista salarial, aos peritos (ambos ganham 13 mil reais no início de carreira, e 22 mil reais no fim). Estes não querem perder autonomia nem dinheiro, muito menos se subordinar a delegados – mas não abrem mão de permanecer vinculados ao Departamento de Polícia Federal.
Pela interpretação dos peritos, se as regras estivessem em vigor, por exemplo, na época da Operação Satiagraha, os doze discos rígidos (HDs) encontrados pelo delegado Protógenes Queiroz atrás de uma parede falsa do apartamento do banqueiro Daniel Dantas poderiam ter ido ao lixo, e não aos Estados Unidos, se fosse essa a vontade da autoridade policial. Os HDs foram enviados aos EUA por causa da dificuldade de especialistas brasileiros em decifrar os códigos de proteção do sistema.
“Querem criar superdelegados”, afirma Octávio Brandão, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF). “É o perito quem decide o que vai ser coletado e analisado, a busca pela verdade real da investigação depende disso”, explica Brandão. Para ele, a interferência dos delegados, da maneira prevista no projeto de Lei Orgânica, vai gerar prejuízos às investigações. “Não vamos nos submeter a qualquer tipo de subordinação nesse sentido”, avisa o perito.
A redação da proposta de Lei Orgânica da Polícia Federal, uma luta de mais de três décadas, foi iniciada no terceiro mês da gestão de Luiz Fernando Corrêa à frente da PF, em dezembro de 2007. Todas as entidades de classe representativas foram chamadas a participar de um grupo de trabalho. Logo em seguida, contudo, foi montada uma comissão especial, composta apenas de delegados, que tomou conta da discussão e alijou peritos, agentes e funcionários administrativos. O passo seguinte foi o de enviar o texto final ao ministro Genro, sem o conhecimento da associação dos peritos. Explica-se: na proposta, os delegados deram um jeito de subordinar o trabalho do perito à vontade da “autoridade policial”.
Essa subordinação incondicional aos delegados mexeu com a autoestima dos peritos, mas o medo maior é que, no futuro, mexa também no contracheque deles. A equiparação salarial entre peritos e delegados se sustenta, também, na igualdade de status. Alterada essa circunstância na Lei Orgânica, abre-se a possibilidade de os delegados passarem a ganhar mais. “O que nós estamos é colocando os pingos nos is, resume o delegado Marcos Leôncio Ribeiro, diretor da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF). “Quem dirige a Polícia Federal são os delegados”, sentencia.
Na proposta de Lei Orgânica, os cargos de diretor-geral e superintendente regional passam a ser exclusivos de delegados federais. Ao longo dos anos, a PF já foi dirigida por delegados civis, como o senador Romeu Tuma (PTB-SP), no governo José Sarney, e coronéis do Exército, como o ex-diretor Wilson Romão, no governo Itamar Franco.
Paira sobre essa batalha sindical a sombra do Ministério Público Federal, um aliado poderoso da PF nas investigações, mas que tem pretensões de investigar sozinho. O assunto deverá ser tratado e definido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ainda neste ano. No caso, as torcidas são diferentes. Muito da disposição dos delegados em elaborar uma Lei Orgânica voltada para o fortalecimento da categoria tem a ver com a parceria folgada entre os peritos e o MP. Atualmente, os procuradores podem requisitar perícias diretamente ao Instituto Nacional de Criminalística (INC), central de perícia vinculada à PF, sem dar nenhuma satisfação aos delegados. “Isso, uma hora, acaba se voltando contra nós”, reage o delegado Ribeiro. “O Ministério Público pode até investigar, mas com a Polícia”, avalia.
Toda a diretoria da associação de peritos, inclusive os 27 diretores regionais da APCF, esteve reunida em Brasília para elaborar um contra-ataque à ofensiva dos delegados. Eles não aceitam se desvincular da PF, mas não têm intenção de abrir mão da autonomia total na análise e produção de provas. “O que os delegados estão propondo é a clara ingerência no nosso trabalho, com vistas a fazer um direcionamento na conclusão das perícias”, afirma Adilson Carvalho Silva, da superintendência da PF na Bahia. “Isso é uma ação de governos totalitários que vai gerar prejuízos para a polícia e para a sociedade”, diz.
Segundo Adilson Silva, o risco de perder autonomia, inclusive nas relações com o Poder Judiciário, poderá gerar uma estrutura muito centralizada, com risco de manipulação na coleta e análise das provas. O primeiro passo para isso, diz Silva, foi dado antes mesmo da apresentação do anteprojeto de lei montado no Ministério da Justiça. Embora ainda não tenha saído do papel, há uma ordem do diretor-geral Luiz Fernando Corrêa de criação de câmaras técnicas para avaliar e reestruturar os vários setores da perícia federal. “Isso, na verdade, é um esforço de padronização e controle”, diz o perito baiano. “Não é possível aprisionar a metodologia científica em um só modelo”, afirma.
Nenhum dos dois lados sabe ainda o que vai acontecer. Uma vez enviada ao Congresso, a proposta oficial da PF vai se chocar com um projeto de lei sobre o mesmo tema, de autoria do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), aprovado na Câmara e enviado ao Senado Federal. Há, ainda, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) em trâmite na Câmara. Outro projeto, de reestruturação da polícia, coloca em campos opostos, desta vez, agentes e delegados. Mal formulado, o texto prevê que agentes em fim de carreira ganhem mais do que delegados iniciantes. Alheio ao tamanho da briga por trás da festa dos 65 anos da PF, o presidente Lula ainda brincou com o assunto. “Vocês tomem conta desse projeto lá (no Ministério do Planejamento), senão ele acaba sumindo”, disse, diante de uma plateia visivelmente desconfortável.
Fonte: Carta Capital.


PAULO RICARDO PAÚL
CORONEL DE POLÍCIA
CORONEL BARBONO