Ministros voltam a discutir em sessão do Supremo
Por Rodrigo Haidar
Os ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes protagonizaram nesta quarta-feira (22/4) mais um bate-boca acalorado na sessão plenária do Supremo Tribunal Federal. Joaquim Barbosa, insatisfeito com o resultado de um julgamento do qual não participara, quis reabrir a questão, questionando a deliberação. Mendes não gostou da forma como o colega tentou desqualificar a decisão e disse que JB pretendia guiar suas decisões de acordo com as classes sociais envolvidas na ação. Barbosa reagiu, e disse que Mendes está “destruindo a Justiça desse país”.
A primeira solução engendrada foi tentada pelos ministros Celso de Mello e Carlos Britto, os dois colegas mais próximos de Barbosa: os dois esforçaram-se por convencê-lo a retratar-se. Ele não aceitou. Em seguida, os outros nove ministros reuniram-se para decidir o que fazer. A maioria era favorável a que se lavrasse um voto de censura a Joaquim Barbosa por seu comportamento inadequado, mas diante de resistências e da necessidade de se emitir uma nota pública assinada por todos, optou-se por uma manifestação de apoio ao presidente Gilmar.
O que dividiu os ministros foi o julgamento de duas ações. O ministro Joaquim Barbosa se posicionou de uma forma no julgamento da primeira questão e de forma diferente no julgamento da outra. Segundo o presidente do Supremo, a questão era a mesma. E isso evidenciava que Barbosa estaria votando de acordo com a classe social dos envolvidos.
O clima ficou pesado. Diante da justificativa de Joaquim Barbosa, Mendes disse:
Gilmar Mendes — Se Vossa Excelência julga por classe, esse é um argumento...Joaquim Barbosa — Eu sou atento às conseqüências da minha decisão, das minhas decisões. Só isso.Mendes — Vossa Excelência não tem condições de dar lição a ninguém.Barbosa — E nem Vossa Excelência. Vossa Excelência me respeite, Vossa Excelência não tem condição alguma. Vossa Excelência está destruindo a Justiça desse país e vem agora dar lição de moral em mim? Saia à rua, ministro Gilmar. Saia à rua, faz o que eu faço.
O ministro Carlos Britto tentou, em vão, conter a discussão. “Ministro Joaquim, nós já superamos essa discussão com o meu pedido de vista”, disse Britto. O ministro Menezes Direito também tentou esfriar os ânimos. Joaquim Barbosa continuou no ataque.
Barbosa — Vossa Excelência não tem nenhuma condição.Mendes — Eu estou na rua, ministro Joaquim.Barbosa — Vossa Excelência não está na rua não. Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro. É isso. Vossa Excelência quando se dirige a mim não está falando com os seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar. Respeite.Mendes — Ministro Joaquim, Vossa Excelência me respeite.
Foi a vez de o ministro Marco Aurélio intervir. “Presidente, vamos encerrar a sessão? Eu creio que a discussão está descambando para um campo que não se coaduna com a liturgia do Supremo”, defendeu Marco. Barbosa concordou, mas voltou à carga.
Barbosa — Também acho. Falei. Fiz uma intervenção normal, regular. Reação brutal, como sempre, veio de Vossa Excelência.Mendes — Não. Vossa Excelência disse que eu faltei aos fatos e não é verdade.Barbosa — Não disse, não disse isso.Mendes — Vossa Excelência sabe bem que não se faz aqui nenhum relatório distorcido.Barbosa — Não disse. O áudio está aí. Eu simplesmente chamei a atenção da Corte para as consequências da decisão e Vossa Excelência veio com a sua tradicional gentileza e lhaneza.Mendes — É Vossa Excelência que dá lição de lhaneza ao Tribunal. Está encerrada a sessão.
Efeitos da decisão
A discussão se deu por conta do julgamento de dois Embargos de Declaração em que se discutiam a modulação dos efeitos de decisões do Supremo. Ou seja, se quando o tribunal declara inconstitucional uma lei, ela deixa de valer a partir da decisão ou deixa de valer desde o seu nascimento.
Os ministros admitem a possibilidade de modular os efeitos da decisão para dar segurança jurídica à sociedade quando a declaração de inconstitucionalidade pode causar grandes impactos sociais. O caso de progressão de regime para condenados por crimes hediondos é um exemplo dessa aplicação.
Os ministros julgaram a proibição inconstitucional, mas determinaram que a lei só deixasse de valer a partir do julgamento. Isso porque não era possível ressarcir quem já havia ficado preso em regime fechado por conta da lei.
A sessão desta quarta, no primeiro caso, os ministros julgavam a modulação dos efeitos de decisão que julgou inconstitucional lei paranaense que incluiu no sistema de previdência dos servidores os funcionários privados de cartórios. A lei, de 1999, foi declarada inconstitucional em 2006.
Como o Supremo não se manifestou sobre os efeitos da decisão, o governo do Paraná entrou com Embargos de Declaração pedindo que o tribunal modulasse seus efeitos. Os ministros admitiram julgar os Embargos, mas os rejeitaram. Assim, a lei foi declarada inconstitucional desde sempre.
O ministro Joaquim Barbosa, que estava de licença por motivo de saúde quando o tribunal admitiu discutir a modulação dos efeitos no caso paranaense, disse que o Supremo não deveria ter admitido examinar os Embargos. Isso porque abriria precedente para discutir sempre se a decisão que julga a lei inconstitucional deve ou não ser modulada. Pela regra geral, quando se declara uma lei inconstitucional, é como se ela nunca tivesse existido. No entendimento de Barbosa, era isso que deveria prevalecer.
Ao julgar outra ação, contudo, o ministro Joaquim Barbosa votou pela admissão dos Embargos e pela modulação dos efeitos da decisão. No caso, o Supremo havia decidido que quando a autoridade deixa o cargo público que ocupa, ela perde o foro privilegiado. Os ministros declararam inconstitucional lei de 2002, em julgamento de 2005.
Nesse caso, os Embargos discutiam o mesmo ponto. A decisão deveria valer de 2005 em diante ou teria efeito retroativo, como é a regra geral. Neste caso, o ministro Joaquim Barbosa votou pela admissão do recurso e pela modulação dos efeitos da decisão. O ato gerou a reação do presidente Gilmar Mendes e deu início à discussão.
Não é a primeira vez que Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes protagonizam uma discussão pesada em plenário (clique aqui para ler mais sobre o assunto). Mas desta vez os termos pesados disparados causaram surpresa até para quem gosta de uma polêmica, como o ministro Marco Aurélio.
Os ministros estão reunidos neste momento no gabinete da Presidência discutindo o episódio. Não participam da reunião os ministros Joaquim Barbosa e Ellen Gracie. A ministra está viajando. A discussão já está no Youtube — clique aqui para ver.
Leia a íntegra dos debates que geraram a discussão
Menezes Direito — O tema é exatamente igual.
Cezar Peluso — Mas as conseqüências são de uma gravidade... É a anulação de todos os processos criminais já julgados, cumprimento de penas, etc.
Cármen Lúcia — A questão da modulação é que é a mesma, mas a matéria.
Direito — Se Vossa Excelência quiser tirar de pauta.
Cármen — Talvez fosse de conveniência que essa aqui não fosse julgada agora, presidente.
Gilmar Mendes — É a prova que é preciso Embargos de Declaração nesse tipo de matéria.
Joaquim Barbosa — No caso anterior era Embargos de Declaração para dar aposentadoria a notários. Aqui, Embargos de Declaração para impedir o desfazimento...
Mendes — Não se trata disso.
Barbosa — Se trata disso, ministro Gilmar.
Mendes — Não, nada disso, desculpa.
Barbosa — A lei fala expressamente...
Mendes — ...de aposentadoria de pessoas. Vossa Excelência que está colocando... Não é nada disso. O parâmetro ideológico é Vossa Excelência que está dando. Porque senão aí o casuísmo fica por conta dos eventuais interessados.
Barbosa — Pois é. Nós deveríamos ter discutido quem seriam os beneficiados.
Mendes — A doutrina responsável defende essa possibilidade de que, cito Rui Medeiros e outros, de que se houver omissão, porque é dever do tribunal, ele próprio perquirir, não se trata de fazer defesa de A ou B, esse discurso de classe não cola.
Barbosa — Porque a decisão era uma decisão de classe.
Mendes — Não, não era decisão de classe.
Barbosa — Era sim.
Mendes — Não.
Peluso — Agora, o tribunal tem a sua exigência de coerência.
Mendes — O tribunal pode aceitar ou rejeitar, mas não com o argumento de classe. Isso faz parte de um populismo judicial.
Barbosa — Eu acho que o segundo caso prova muito bem a justeza da sua tese. Mas a sua tese ela deveria ter sido exposta em pratos limpos. Nós deveríamos estar discutindo...
Mendes — Ela foi exposta em pratos limpos. Eu não sonego informação. Vossa Excelência me respeite. Foi apontada em pratos limpos.
Barbosa — Não se discutiu a lei...
Mendes — Se discutiu claramente.
Barbosa — Não se discutiu.
Mendes — Se discutiu claramente e eu trouxe razão. Vossa Excelência... Talvez Vossa Excelência esteja faltando às sessões.
Barbosa — Eu não estou...
Mendes — Tanto é que Vossa Excelência não tinha votado. Vossa Excelência faltou à sessão.
Barbosa — Eu estava de licença, ministro.
Mendes — Vossa Excelência falta a sessão e depois vem...
Barbosa — Eu estava de licença. Vossa Excelência não leu aí. Eu estava de licença do tribunal.
Mendes — Portanto...
Carlos Britto — Senhor presidente, eu vou pedir vista do processo.
Mendes — Ministro Direito rejeita...
Direito — Estou mantendo a coerência. Para mim não existe distinção. Nós estávamos discutindo a tese, que foi posta claramente, de saber se, havendo não decisão alguma, nem constando do pedido, a questão dos efeitos modulados se caberia ou não caberia Embargos de Declaração. Eu já estou com esse processo em pauta há muito tempo, mas como havia outro que já estava em curso, eu aguardei julgar o outro que estava em curso. A tese é exatamente a mesma e eu estou rejeitando os Embargos com esse fundamento.
Peluso — Se Vossa Excelência me permite, eu acho que há uma distinção aqui. No caso anterior, nós discutimos e conhecemos dos Embargos. Os Embargos foram rejeitados. Em outras palavras, o tribunal considerou admissíveis os Embargos de Declaração e rejeitou. Neste caso nós podemos considerar conhecer dos Embargos e agora temos de discutir se nós vamos ou não vamos conceder esse efeito limitado.
Direito — Ministro Peluso, se Vossa Excelência me permite, eu compreendo perfeitamente a tese que Vossa Excelência está sustentando. Só que é exatamente o caso, eu estou conhecendo dos embargos e estou rejeitando pelo menos fundamento que nós adotamos como foi claramente discutido aqui. A única diferença que pode existir é quanto à matéria substantiva. Mas quanto à tese que está sendo observada nos embargos de declaração ela é absolutamente idêntica. É prudente, claro, diante das advertências que foram feitas — e essa corte faz isso com absoluta tranqüilidade sempre, com absoluta transparência, sempre — que se examine e se reexamine a jurisprudência. Não é uma coisa santificada.
Mendes — E não teve outro caso, se não me engano do Rio Grande do Sul, em que o tribunal — não sei se era matéria de concurso ou coisa assemelhada — em que se discutiu também em embargos de declaração porque o próprio tribunal do Rio Grande do Sul fazia advertência das conseqüências, e o tribunal houve por bem rejeitar os embargos, mas não os disse inadmissíveis.
Direito — Eu não estou entendendo que é inadmissível também. Estou conhecendo dos embargos, porque os embargos podem ser conhecidos. Como é uma tese que estava em controvérsia eu estou rejeitando os embargos pela mesma fundamentação. Mas o ministro Carlos Britto vai pedir vista do processo. Quem sabe Sua Excelência, examinando o processo, encontre uma omissão que eu não encontrei e nessa omissão (densa essa corte de supri-la) e, suprindo-a, acolher os embargos também com a extensão dos efeitos modulativos, não em função da omissão dos efeitos modulativos, mas sim em razão de uma outra eventual omissão que possa ter existido.
Peluso — Essa matéria é de uma delicadeza extrema.
Britto — Vai ser muito difícil divergir de Sua Excelência.
Peluso — Significa a anulação de todos os processos julgados em execução desde 2005.
Cármen — De 2002 a 2005.
Mendes — Portanto, após o voto do relator que rejeitava os Embargos, pediu vista o ministro Carlos Britto. Eu só gostaria de lembrar em relação a esses Embargos de Declaração que esse julgamento iniciou-se em 17/03/2008 e os pressupostos todos foram explicitados, inclusive a fundamentação teórica. Não houve, portanto, sonegação de informação.
Britto — Tá bem claro.
Barbosa — Eu não falei em sonegação de informação, ministro Gilmar. O que eu disse: nós discutimos naquele caso anterior sem nos inteirarmos totalmente das conseqüências da decisão, quem seriam os beneficiários. E é um absurdo, eu acho um absurdo.
Mendes — Quem votou sabia exatamente que se trata de pessoas...
Barbosa — Eu chamei a atenção de Vossa Excelência.
Peluso — Não, mas eu já tinha votado porque compreendia uma classe toda de serventuários não remunerados.
Barbosa — Só que a lei, ela tinha duas categorias.
Peluso — Não apenas notários.
Barbosa — Tinha uma vírgula e, logo em seguida, a situação de uma lei. Qual era essa lei? A lei dos notários. Qual era a conseqüência disso? Incluir notários nos regimes de aposentadorias de servidores...
Mendes — Porque pagaram por isso durante todo o período e vincularam...
Barbosa — Ora, porque pagaram...
Mendes — Se Vossa Excelência julga por classe, esse é um argumento...
Barbosa — Eu sou atento às conseqüências da minha decisão, das minhas decisões. Só isso.
Mendes — Vossa Excelência não tem condições de dar lição a ninguém.
Barbosa — E nem Vossa Excelência. Vossa Excelência me respeite, Vossa Excelência não tem condição alguma. Vossa Excelência está destruindo a Justiça desse país e vem agora dar lição de moral em mim? Saia à rua, ministro Gilmar. Saia à rua, faz o que eu faço.
Britto — Ministro Joaquim, nós já superamos essa discussão com o meu pedido de vista.
Barbosa — Vossa Excelência não tem nenhuma condição.
Mendes — Eu estou na rua, ministro Joaquim.
Barbosa — Vossa Excelência não está na rua não. Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro. É isso.
Britto — Ministro Joaquim, vamos ponderar.
Barbosa — Vossa Excelência quando se dirige a mim não está falando com os seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar. Respeite.
Mendes — Ministro Joaquim, Vossa Excelência me respeite.
Marco Aurélio — Presidente, vamos encerrar a sessão?
Barbosa — Digo a mesma coisa.
Marco Aurélio — Eu creio que a discussão está descambando para um campo que não se coaduna com a liturgia do Supremo.
Barbosa — Também acho. Falei. Fiz uma intervenção normal, regular. Reação brutal, como sempre, veio de Vossa Excelência.
Mendes — Não. Vossa Excelência disse que eu faltei aos fatos e não é verdade.
Barbosa — Não disse, não disse isso.
Mendes — Vossa Excelência sabe bem que não se faz aqui nenhum relatório distorcido.
Barbosa — Não disse. O áudio está aí. Eu simplesmente chamei a atenção da Corte para as consequências da decisão e Vossa Excelência veio com a sua tradicional gentileza e lhaneza.
Mendes — É Vossa Excelência que dá lição de lhaneza ao Tribunal. Está encerrada a sessão.
Rodrigo Haidar é correspondente em Brasília da revista Consultor Jurídico.
Por Rodrigo Haidar
Os ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes protagonizaram nesta quarta-feira (22/4) mais um bate-boca acalorado na sessão plenária do Supremo Tribunal Federal. Joaquim Barbosa, insatisfeito com o resultado de um julgamento do qual não participara, quis reabrir a questão, questionando a deliberação. Mendes não gostou da forma como o colega tentou desqualificar a decisão e disse que JB pretendia guiar suas decisões de acordo com as classes sociais envolvidas na ação. Barbosa reagiu, e disse que Mendes está “destruindo a Justiça desse país”.
A primeira solução engendrada foi tentada pelos ministros Celso de Mello e Carlos Britto, os dois colegas mais próximos de Barbosa: os dois esforçaram-se por convencê-lo a retratar-se. Ele não aceitou. Em seguida, os outros nove ministros reuniram-se para decidir o que fazer. A maioria era favorável a que se lavrasse um voto de censura a Joaquim Barbosa por seu comportamento inadequado, mas diante de resistências e da necessidade de se emitir uma nota pública assinada por todos, optou-se por uma manifestação de apoio ao presidente Gilmar.
O que dividiu os ministros foi o julgamento de duas ações. O ministro Joaquim Barbosa se posicionou de uma forma no julgamento da primeira questão e de forma diferente no julgamento da outra. Segundo o presidente do Supremo, a questão era a mesma. E isso evidenciava que Barbosa estaria votando de acordo com a classe social dos envolvidos.
O clima ficou pesado. Diante da justificativa de Joaquim Barbosa, Mendes disse:
Gilmar Mendes — Se Vossa Excelência julga por classe, esse é um argumento...Joaquim Barbosa — Eu sou atento às conseqüências da minha decisão, das minhas decisões. Só isso.Mendes — Vossa Excelência não tem condições de dar lição a ninguém.Barbosa — E nem Vossa Excelência. Vossa Excelência me respeite, Vossa Excelência não tem condição alguma. Vossa Excelência está destruindo a Justiça desse país e vem agora dar lição de moral em mim? Saia à rua, ministro Gilmar. Saia à rua, faz o que eu faço.
O ministro Carlos Britto tentou, em vão, conter a discussão. “Ministro Joaquim, nós já superamos essa discussão com o meu pedido de vista”, disse Britto. O ministro Menezes Direito também tentou esfriar os ânimos. Joaquim Barbosa continuou no ataque.
Barbosa — Vossa Excelência não tem nenhuma condição.Mendes — Eu estou na rua, ministro Joaquim.Barbosa — Vossa Excelência não está na rua não. Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro. É isso. Vossa Excelência quando se dirige a mim não está falando com os seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar. Respeite.Mendes — Ministro Joaquim, Vossa Excelência me respeite.
Foi a vez de o ministro Marco Aurélio intervir. “Presidente, vamos encerrar a sessão? Eu creio que a discussão está descambando para um campo que não se coaduna com a liturgia do Supremo”, defendeu Marco. Barbosa concordou, mas voltou à carga.
Barbosa — Também acho. Falei. Fiz uma intervenção normal, regular. Reação brutal, como sempre, veio de Vossa Excelência.Mendes — Não. Vossa Excelência disse que eu faltei aos fatos e não é verdade.Barbosa — Não disse, não disse isso.Mendes — Vossa Excelência sabe bem que não se faz aqui nenhum relatório distorcido.Barbosa — Não disse. O áudio está aí. Eu simplesmente chamei a atenção da Corte para as consequências da decisão e Vossa Excelência veio com a sua tradicional gentileza e lhaneza.Mendes — É Vossa Excelência que dá lição de lhaneza ao Tribunal. Está encerrada a sessão.
Efeitos da decisão
A discussão se deu por conta do julgamento de dois Embargos de Declaração em que se discutiam a modulação dos efeitos de decisões do Supremo. Ou seja, se quando o tribunal declara inconstitucional uma lei, ela deixa de valer a partir da decisão ou deixa de valer desde o seu nascimento.
Os ministros admitem a possibilidade de modular os efeitos da decisão para dar segurança jurídica à sociedade quando a declaração de inconstitucionalidade pode causar grandes impactos sociais. O caso de progressão de regime para condenados por crimes hediondos é um exemplo dessa aplicação.
Os ministros julgaram a proibição inconstitucional, mas determinaram que a lei só deixasse de valer a partir do julgamento. Isso porque não era possível ressarcir quem já havia ficado preso em regime fechado por conta da lei.
A sessão desta quarta, no primeiro caso, os ministros julgavam a modulação dos efeitos de decisão que julgou inconstitucional lei paranaense que incluiu no sistema de previdência dos servidores os funcionários privados de cartórios. A lei, de 1999, foi declarada inconstitucional em 2006.
Como o Supremo não se manifestou sobre os efeitos da decisão, o governo do Paraná entrou com Embargos de Declaração pedindo que o tribunal modulasse seus efeitos. Os ministros admitiram julgar os Embargos, mas os rejeitaram. Assim, a lei foi declarada inconstitucional desde sempre.
O ministro Joaquim Barbosa, que estava de licença por motivo de saúde quando o tribunal admitiu discutir a modulação dos efeitos no caso paranaense, disse que o Supremo não deveria ter admitido examinar os Embargos. Isso porque abriria precedente para discutir sempre se a decisão que julga a lei inconstitucional deve ou não ser modulada. Pela regra geral, quando se declara uma lei inconstitucional, é como se ela nunca tivesse existido. No entendimento de Barbosa, era isso que deveria prevalecer.
Ao julgar outra ação, contudo, o ministro Joaquim Barbosa votou pela admissão dos Embargos e pela modulação dos efeitos da decisão. No caso, o Supremo havia decidido que quando a autoridade deixa o cargo público que ocupa, ela perde o foro privilegiado. Os ministros declararam inconstitucional lei de 2002, em julgamento de 2005.
Nesse caso, os Embargos discutiam o mesmo ponto. A decisão deveria valer de 2005 em diante ou teria efeito retroativo, como é a regra geral. Neste caso, o ministro Joaquim Barbosa votou pela admissão do recurso e pela modulação dos efeitos da decisão. O ato gerou a reação do presidente Gilmar Mendes e deu início à discussão.
Não é a primeira vez que Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes protagonizam uma discussão pesada em plenário (clique aqui para ler mais sobre o assunto). Mas desta vez os termos pesados disparados causaram surpresa até para quem gosta de uma polêmica, como o ministro Marco Aurélio.
Os ministros estão reunidos neste momento no gabinete da Presidência discutindo o episódio. Não participam da reunião os ministros Joaquim Barbosa e Ellen Gracie. A ministra está viajando. A discussão já está no Youtube — clique aqui para ver.
Leia a íntegra dos debates que geraram a discussão
Menezes Direito — O tema é exatamente igual.
Cezar Peluso — Mas as conseqüências são de uma gravidade... É a anulação de todos os processos criminais já julgados, cumprimento de penas, etc.
Cármen Lúcia — A questão da modulação é que é a mesma, mas a matéria.
Direito — Se Vossa Excelência quiser tirar de pauta.
Cármen — Talvez fosse de conveniência que essa aqui não fosse julgada agora, presidente.
Gilmar Mendes — É a prova que é preciso Embargos de Declaração nesse tipo de matéria.
Joaquim Barbosa — No caso anterior era Embargos de Declaração para dar aposentadoria a notários. Aqui, Embargos de Declaração para impedir o desfazimento...
Mendes — Não se trata disso.
Barbosa — Se trata disso, ministro Gilmar.
Mendes — Não, nada disso, desculpa.
Barbosa — A lei fala expressamente...
Mendes — ...de aposentadoria de pessoas. Vossa Excelência que está colocando... Não é nada disso. O parâmetro ideológico é Vossa Excelência que está dando. Porque senão aí o casuísmo fica por conta dos eventuais interessados.
Barbosa — Pois é. Nós deveríamos ter discutido quem seriam os beneficiados.
Mendes — A doutrina responsável defende essa possibilidade de que, cito Rui Medeiros e outros, de que se houver omissão, porque é dever do tribunal, ele próprio perquirir, não se trata de fazer defesa de A ou B, esse discurso de classe não cola.
Barbosa — Porque a decisão era uma decisão de classe.
Mendes — Não, não era decisão de classe.
Barbosa — Era sim.
Mendes — Não.
Peluso — Agora, o tribunal tem a sua exigência de coerência.
Mendes — O tribunal pode aceitar ou rejeitar, mas não com o argumento de classe. Isso faz parte de um populismo judicial.
Barbosa — Eu acho que o segundo caso prova muito bem a justeza da sua tese. Mas a sua tese ela deveria ter sido exposta em pratos limpos. Nós deveríamos estar discutindo...
Mendes — Ela foi exposta em pratos limpos. Eu não sonego informação. Vossa Excelência me respeite. Foi apontada em pratos limpos.
Barbosa — Não se discutiu a lei...
Mendes — Se discutiu claramente.
Barbosa — Não se discutiu.
Mendes — Se discutiu claramente e eu trouxe razão. Vossa Excelência... Talvez Vossa Excelência esteja faltando às sessões.
Barbosa — Eu não estou...
Mendes — Tanto é que Vossa Excelência não tinha votado. Vossa Excelência faltou à sessão.
Barbosa — Eu estava de licença, ministro.
Mendes — Vossa Excelência falta a sessão e depois vem...
Barbosa — Eu estava de licença. Vossa Excelência não leu aí. Eu estava de licença do tribunal.
Mendes — Portanto...
Carlos Britto — Senhor presidente, eu vou pedir vista do processo.
Mendes — Ministro Direito rejeita...
Direito — Estou mantendo a coerência. Para mim não existe distinção. Nós estávamos discutindo a tese, que foi posta claramente, de saber se, havendo não decisão alguma, nem constando do pedido, a questão dos efeitos modulados se caberia ou não caberia Embargos de Declaração. Eu já estou com esse processo em pauta há muito tempo, mas como havia outro que já estava em curso, eu aguardei julgar o outro que estava em curso. A tese é exatamente a mesma e eu estou rejeitando os Embargos com esse fundamento.
Peluso — Se Vossa Excelência me permite, eu acho que há uma distinção aqui. No caso anterior, nós discutimos e conhecemos dos Embargos. Os Embargos foram rejeitados. Em outras palavras, o tribunal considerou admissíveis os Embargos de Declaração e rejeitou. Neste caso nós podemos considerar conhecer dos Embargos e agora temos de discutir se nós vamos ou não vamos conceder esse efeito limitado.
Direito — Ministro Peluso, se Vossa Excelência me permite, eu compreendo perfeitamente a tese que Vossa Excelência está sustentando. Só que é exatamente o caso, eu estou conhecendo dos embargos e estou rejeitando pelo menos fundamento que nós adotamos como foi claramente discutido aqui. A única diferença que pode existir é quanto à matéria substantiva. Mas quanto à tese que está sendo observada nos embargos de declaração ela é absolutamente idêntica. É prudente, claro, diante das advertências que foram feitas — e essa corte faz isso com absoluta tranqüilidade sempre, com absoluta transparência, sempre — que se examine e se reexamine a jurisprudência. Não é uma coisa santificada.
Mendes — E não teve outro caso, se não me engano do Rio Grande do Sul, em que o tribunal — não sei se era matéria de concurso ou coisa assemelhada — em que se discutiu também em embargos de declaração porque o próprio tribunal do Rio Grande do Sul fazia advertência das conseqüências, e o tribunal houve por bem rejeitar os embargos, mas não os disse inadmissíveis.
Direito — Eu não estou entendendo que é inadmissível também. Estou conhecendo dos embargos, porque os embargos podem ser conhecidos. Como é uma tese que estava em controvérsia eu estou rejeitando os embargos pela mesma fundamentação. Mas o ministro Carlos Britto vai pedir vista do processo. Quem sabe Sua Excelência, examinando o processo, encontre uma omissão que eu não encontrei e nessa omissão (densa essa corte de supri-la) e, suprindo-a, acolher os embargos também com a extensão dos efeitos modulativos, não em função da omissão dos efeitos modulativos, mas sim em razão de uma outra eventual omissão que possa ter existido.
Peluso — Essa matéria é de uma delicadeza extrema.
Britto — Vai ser muito difícil divergir de Sua Excelência.
Peluso — Significa a anulação de todos os processos julgados em execução desde 2005.
Cármen — De 2002 a 2005.
Mendes — Portanto, após o voto do relator que rejeitava os Embargos, pediu vista o ministro Carlos Britto. Eu só gostaria de lembrar em relação a esses Embargos de Declaração que esse julgamento iniciou-se em 17/03/2008 e os pressupostos todos foram explicitados, inclusive a fundamentação teórica. Não houve, portanto, sonegação de informação.
Britto — Tá bem claro.
Barbosa — Eu não falei em sonegação de informação, ministro Gilmar. O que eu disse: nós discutimos naquele caso anterior sem nos inteirarmos totalmente das conseqüências da decisão, quem seriam os beneficiários. E é um absurdo, eu acho um absurdo.
Mendes — Quem votou sabia exatamente que se trata de pessoas...
Barbosa — Eu chamei a atenção de Vossa Excelência.
Peluso — Não, mas eu já tinha votado porque compreendia uma classe toda de serventuários não remunerados.
Barbosa — Só que a lei, ela tinha duas categorias.
Peluso — Não apenas notários.
Barbosa — Tinha uma vírgula e, logo em seguida, a situação de uma lei. Qual era essa lei? A lei dos notários. Qual era a conseqüência disso? Incluir notários nos regimes de aposentadorias de servidores...
Mendes — Porque pagaram por isso durante todo o período e vincularam...
Barbosa — Ora, porque pagaram...
Mendes — Se Vossa Excelência julga por classe, esse é um argumento...
Barbosa — Eu sou atento às conseqüências da minha decisão, das minhas decisões. Só isso.
Mendes — Vossa Excelência não tem condições de dar lição a ninguém.
Barbosa — E nem Vossa Excelência. Vossa Excelência me respeite, Vossa Excelência não tem condição alguma. Vossa Excelência está destruindo a Justiça desse país e vem agora dar lição de moral em mim? Saia à rua, ministro Gilmar. Saia à rua, faz o que eu faço.
Britto — Ministro Joaquim, nós já superamos essa discussão com o meu pedido de vista.
Barbosa — Vossa Excelência não tem nenhuma condição.
Mendes — Eu estou na rua, ministro Joaquim.
Barbosa — Vossa Excelência não está na rua não. Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro. É isso.
Britto — Ministro Joaquim, vamos ponderar.
Barbosa — Vossa Excelência quando se dirige a mim não está falando com os seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar. Respeite.
Mendes — Ministro Joaquim, Vossa Excelência me respeite.
Marco Aurélio — Presidente, vamos encerrar a sessão?
Barbosa — Digo a mesma coisa.
Marco Aurélio — Eu creio que a discussão está descambando para um campo que não se coaduna com a liturgia do Supremo.
Barbosa — Também acho. Falei. Fiz uma intervenção normal, regular. Reação brutal, como sempre, veio de Vossa Excelência.
Mendes — Não. Vossa Excelência disse que eu faltei aos fatos e não é verdade.
Barbosa — Não disse, não disse isso.
Mendes — Vossa Excelência sabe bem que não se faz aqui nenhum relatório distorcido.
Barbosa — Não disse. O áudio está aí. Eu simplesmente chamei a atenção da Corte para as consequências da decisão e Vossa Excelência veio com a sua tradicional gentileza e lhaneza.
Mendes — É Vossa Excelência que dá lição de lhaneza ao Tribunal. Está encerrada a sessão.
Rodrigo Haidar é correspondente em Brasília da revista Consultor Jurídico.
Ministros do STF apoiam atuação de Gilmar Mendes
Por Rodrigo Haidar
O acalorado bate-boca entre os ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, que pôs fim à sessão plenária desta quarta-feira (22/4), fez o Supremo Tribunal Federal cancelar também a sessão desta quinta (23/4). A decisão foi tomada em reunião dos ministros convocada por causa da discussão.
Depois de ficarem reunidos por mais de três horas, oito ministros do STF emitiram uma sucinta nota na qual “reafirmam a confiança e o respeito ao Senhor Ministro Gilmar Mendes na sua atuação institucional como Presidente do Supremo, lamentando o episódio ocorrido nesta data”. Não subscrevem a nota os ministros Mendes e Barbosa, envolvidos na discussão, e Ellen Gracie, que está em Genebra.
Os ministros chegaram a discutir uma nota de advertência ao ministro Joaquim Barbosa, pelos termos pesados que usou contra o ministro Gilmar Mendes. Mas acabaram preferindo fazer um comunicado em defesa da instituição. Ao sair da reunião, o ministro Celso de Mello considerou que o episódio já está superado. “O clima está natural”, disse. Já Marco Aurélio afirmou que o clima era bastante ruim: “Evidentemente que não acabamos de sair de uma lua-de-mel”. Ressaltou que o Supremo “é uma corte que contempla o somatório de forças distintas, mas que prevaleça a organicidade e se observe a liturgia da instituição”.
Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes protagonizaram mais uma discussão nesta quarta. Mendes insinuou que Barbosa guiaria suas decisões de acordo com as classes sociais envolvidas na ação. Barbosa reagiu, e disse que Mendes está “destruindo a Justiça desse país”.
Clique aqui para ler mais sobre o episódio.
Leia a nota dos ministros:
Os Ministros do Supremo Tribunal Federal que subscrevem esta nota, reunidos após a Sessão Plenária de 22 de abril de 2009, reafirmam a confiança e o respeito ao Senhor Ministro Gilmar Mendes na sua atuação institucional como Presidente do Supremo, lamentando o episódio ocorrido nesta data.
Ministro Celso de Mello.
Por Rodrigo Haidar
O acalorado bate-boca entre os ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, que pôs fim à sessão plenária desta quarta-feira (22/4), fez o Supremo Tribunal Federal cancelar também a sessão desta quinta (23/4). A decisão foi tomada em reunião dos ministros convocada por causa da discussão.
Depois de ficarem reunidos por mais de três horas, oito ministros do STF emitiram uma sucinta nota na qual “reafirmam a confiança e o respeito ao Senhor Ministro Gilmar Mendes na sua atuação institucional como Presidente do Supremo, lamentando o episódio ocorrido nesta data”. Não subscrevem a nota os ministros Mendes e Barbosa, envolvidos na discussão, e Ellen Gracie, que está em Genebra.
Os ministros chegaram a discutir uma nota de advertência ao ministro Joaquim Barbosa, pelos termos pesados que usou contra o ministro Gilmar Mendes. Mas acabaram preferindo fazer um comunicado em defesa da instituição. Ao sair da reunião, o ministro Celso de Mello considerou que o episódio já está superado. “O clima está natural”, disse. Já Marco Aurélio afirmou que o clima era bastante ruim: “Evidentemente que não acabamos de sair de uma lua-de-mel”. Ressaltou que o Supremo “é uma corte que contempla o somatório de forças distintas, mas que prevaleça a organicidade e se observe a liturgia da instituição”.
Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes protagonizaram mais uma discussão nesta quarta. Mendes insinuou que Barbosa guiaria suas decisões de acordo com as classes sociais envolvidas na ação. Barbosa reagiu, e disse que Mendes está “destruindo a Justiça desse país”.
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Leia a nota dos ministros:
Os Ministros do Supremo Tribunal Federal que subscrevem esta nota, reunidos após a Sessão Plenária de 22 de abril de 2009, reafirmam a confiança e o respeito ao Senhor Ministro Gilmar Mendes na sua atuação institucional como Presidente do Supremo, lamentando o episódio ocorrido nesta data.
Ministro Celso de Mello.
Ministro Marco Aurélio.
Ministro Cezar Peluso.
Ministro Carlos Ayres Britto.
Ministro Eros Grau.
Ministro Ricardo Lewandowski.
Ministra Cármen Lúcia.
Ministro Menezes Direito.
PAULO RICARDO PAÚL
CORONEL DE POLÍCIA
CORONEL BARBONO
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