Brasil precisa é de nova Convenção Republicana
Por Celso Cintra Mori
O Pacto Republicano anunciado pelos presidentes da República, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional sinaliza uma visão maior, mais ampla e de interesse público, que é promissora. Talvez seja cedo e exagerado falar-se em visão de estadistas, mas é, sem dúvida, uma forma dignificante e encorajadora de olhar prioritariamente para os interesses de Estado. A visão precisa se converter em ação. A República precisa, efetivamente, ser repactuada.
Era outro Brasil quando Stefan Zweig escreveu — talvez a título de cortesia pelas gentilezas que recebera ao visitar o país — o seu livro Brasil País do Futuro. Mas esse epíteto durante muito tempo nos perseguiu, quase como maldição. Mais recentemente, Mailson da Nóbrega, com enfoque maior nas instituições administrativas do Estado e em estruturas e conceitos fundamentais da economia, replicou com o seu livro O Futuro Chegou.
As transformações em muitas das nossas estruturas institucionais e na economia são inegáveis, mas fica a sensação de que nada disso é muito republicano. Mudou a economia, mudaram-se algumas arquiteturas administrativas, mas, sem dúvida, falta um passo decisivo de amadurecimento político. O mercado não é a pólis. A res pública não parece o bem comum. Parece mais a coisa de ninguém, troféu ou botim de lutas menores pelo poder. O Estado continua tendo uma ascendência quase monárquica sobre a nação, com poderes que se confundem com privilégios dos governantes.
De modo geral não existe, nem dos cidadãos, nem dos políticos que se elegem para governar, uma predominante consciência da administração da coisa pública. Confundem-se, na administração pública e na representação política, as enormes diferenças conceituais entre presunção de inocência criminal — que apenas garante o direito passivo de não ser prematuramente punido, reputação ilibada — que é requisito de imagem pública para o exercício de representação política e de determinados cargos públicos ou privados, e decoro no exercício de função — que são as repercussões estéticas da ética.
Os partidos políticos não têm ideologia, não têm identidade, não têm fidelidade aos seus programas, nem aos seus eleitores. Atuam segundo os interesses que mais imediatamente os aproximem do poder. A reforma partidária, mais do que necessária, é urgente.
As relações tributárias entre os contribuintes e o Estado, e entre as diferentes hierarquias da Federação, não observam qualquer definição lógica. Quem paga mais não é quem tem maior capacidade contributiva. É quem o Estado consegue alcançar primeiro. Quem gasta mais, não é quem mais arrecada. As competências para arrecadar, entre municípios, estados e a União, estão inteiramente descasadas das respectivas obrigações estatais de prestação de serviços. Os repasses não são direitos. São obrigações de vassalagem, moeda de trocas políticas. A reforma tributária, mais do que necessária e urgente, está muito atrasada.
Difícil imaginar-se uma reforma tributária a ser feita por um Congresso que tem, ele próprio, necessidade de urgentes e radicais reformas. O Congresso perde-se em questões menores, provincianas e desonrosas, esquecido de sua vocação transcendente na construção da democracia. Afasta-se dos verdadeiros interesses do povo que deveria representar, a um tal ponto que um recente comentário irônico do senador Cristovam Buarque, em argumento a fortiori, foi entendido por muitos como se fora efetiva proposta de seu fechamento.
O Judiciário não consegue assegurar à população o estado geral de bem estar social que os tempos modernos e a Constituição de 1988 prometeram que os poderes executivos lhe entregariam. Tampouco consegue solucionar em tempo e forma satisfatórios os conflitos individuais, que invariavelmente vão, às centenas de milhares, até aos mais altos tribunais do país. A federalização dos conflitos é alternativa que se demonstrou inviável. É imprescindível uma reforma do sistema Judiciário que traga, com exceção dos grandes temas constitucionais e de lei federal, a solução definitiva dos conflitos para os Estados. E, dentro dos Estados, um sistema que valorize a primeira instância. Mas, até lá — e o número de recursos providos demonstra isso —, a primeira instância precisa melhorar muito. O processo precisa aproximar o jurisdicionado daquele que presta jurisdição como serviço público republicano. O que implica requalificação de servidores, advogados, juízes, promotores, e todos os que prestam serviços indispensáveis à causa da Justiça.
Se a massificação da Justiça é uma ameaça, a massificação da saúde é uma assustadora realidade. Os serviços públicos de saúde são caóticos, os serviços privados têm custo escassamente suportável por algumas castas sociais, e até os planos de saúde das empresas se inviabilizam. A Previdência Social atende só, e muito mal, à classe operária.
Para apenas enfatizar as principais relações entre cidadão, Estado, governo e coisa pública, poder-se-ia falar da convivência esdrúxula entre o Estado de Direito e os inúmeros movimentos sociais, alguns abertamente criminosos, outros rebeldes a leis cuja legitimidade se conferem o direito de não reconhecer; outros ainda passivamente marginalizados, mas tudo a demonstrar que o Estado não tem jurisdição nem responsabilidade sobre todos os que habitam o seu território.
Nesse cenário, a simples referência a um novo Pacto Republicano renova esperanças. Mas, ao mesmo tempo, desafia aprofundamentos.
Para efetivamente estar à altura dos seus desafios internos, para fazer presente o seu futuro, e para se inserir com autoridade nos debates internacionais em que pretende ter voz, o Brasil precisa mais do que um louvável, oportuno, mas limitado Pacto Republicano. Precisa de uma nova Convenção Republicana. As raízes da República precisam ser reavivadas.
A primeira Convenção Republicana ocorreu em Itu, no início do ano de 1873. Em 2010, a cidade de Itu, “Berço da República”, completará 400 anos. Talvez isso seja um convite para que se realize ali a Segunda Convenção Republicana.
Por Celso Cintra Mori
O Pacto Republicano anunciado pelos presidentes da República, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional sinaliza uma visão maior, mais ampla e de interesse público, que é promissora. Talvez seja cedo e exagerado falar-se em visão de estadistas, mas é, sem dúvida, uma forma dignificante e encorajadora de olhar prioritariamente para os interesses de Estado. A visão precisa se converter em ação. A República precisa, efetivamente, ser repactuada.
Era outro Brasil quando Stefan Zweig escreveu — talvez a título de cortesia pelas gentilezas que recebera ao visitar o país — o seu livro Brasil País do Futuro. Mas esse epíteto durante muito tempo nos perseguiu, quase como maldição. Mais recentemente, Mailson da Nóbrega, com enfoque maior nas instituições administrativas do Estado e em estruturas e conceitos fundamentais da economia, replicou com o seu livro O Futuro Chegou.
As transformações em muitas das nossas estruturas institucionais e na economia são inegáveis, mas fica a sensação de que nada disso é muito republicano. Mudou a economia, mudaram-se algumas arquiteturas administrativas, mas, sem dúvida, falta um passo decisivo de amadurecimento político. O mercado não é a pólis. A res pública não parece o bem comum. Parece mais a coisa de ninguém, troféu ou botim de lutas menores pelo poder. O Estado continua tendo uma ascendência quase monárquica sobre a nação, com poderes que se confundem com privilégios dos governantes.
De modo geral não existe, nem dos cidadãos, nem dos políticos que se elegem para governar, uma predominante consciência da administração da coisa pública. Confundem-se, na administração pública e na representação política, as enormes diferenças conceituais entre presunção de inocência criminal — que apenas garante o direito passivo de não ser prematuramente punido, reputação ilibada — que é requisito de imagem pública para o exercício de representação política e de determinados cargos públicos ou privados, e decoro no exercício de função — que são as repercussões estéticas da ética.
Os partidos políticos não têm ideologia, não têm identidade, não têm fidelidade aos seus programas, nem aos seus eleitores. Atuam segundo os interesses que mais imediatamente os aproximem do poder. A reforma partidária, mais do que necessária, é urgente.
As relações tributárias entre os contribuintes e o Estado, e entre as diferentes hierarquias da Federação, não observam qualquer definição lógica. Quem paga mais não é quem tem maior capacidade contributiva. É quem o Estado consegue alcançar primeiro. Quem gasta mais, não é quem mais arrecada. As competências para arrecadar, entre municípios, estados e a União, estão inteiramente descasadas das respectivas obrigações estatais de prestação de serviços. Os repasses não são direitos. São obrigações de vassalagem, moeda de trocas políticas. A reforma tributária, mais do que necessária e urgente, está muito atrasada.
Difícil imaginar-se uma reforma tributária a ser feita por um Congresso que tem, ele próprio, necessidade de urgentes e radicais reformas. O Congresso perde-se em questões menores, provincianas e desonrosas, esquecido de sua vocação transcendente na construção da democracia. Afasta-se dos verdadeiros interesses do povo que deveria representar, a um tal ponto que um recente comentário irônico do senador Cristovam Buarque, em argumento a fortiori, foi entendido por muitos como se fora efetiva proposta de seu fechamento.
O Judiciário não consegue assegurar à população o estado geral de bem estar social que os tempos modernos e a Constituição de 1988 prometeram que os poderes executivos lhe entregariam. Tampouco consegue solucionar em tempo e forma satisfatórios os conflitos individuais, que invariavelmente vão, às centenas de milhares, até aos mais altos tribunais do país. A federalização dos conflitos é alternativa que se demonstrou inviável. É imprescindível uma reforma do sistema Judiciário que traga, com exceção dos grandes temas constitucionais e de lei federal, a solução definitiva dos conflitos para os Estados. E, dentro dos Estados, um sistema que valorize a primeira instância. Mas, até lá — e o número de recursos providos demonstra isso —, a primeira instância precisa melhorar muito. O processo precisa aproximar o jurisdicionado daquele que presta jurisdição como serviço público republicano. O que implica requalificação de servidores, advogados, juízes, promotores, e todos os que prestam serviços indispensáveis à causa da Justiça.
Se a massificação da Justiça é uma ameaça, a massificação da saúde é uma assustadora realidade. Os serviços públicos de saúde são caóticos, os serviços privados têm custo escassamente suportável por algumas castas sociais, e até os planos de saúde das empresas se inviabilizam. A Previdência Social atende só, e muito mal, à classe operária.
Para apenas enfatizar as principais relações entre cidadão, Estado, governo e coisa pública, poder-se-ia falar da convivência esdrúxula entre o Estado de Direito e os inúmeros movimentos sociais, alguns abertamente criminosos, outros rebeldes a leis cuja legitimidade se conferem o direito de não reconhecer; outros ainda passivamente marginalizados, mas tudo a demonstrar que o Estado não tem jurisdição nem responsabilidade sobre todos os que habitam o seu território.
Nesse cenário, a simples referência a um novo Pacto Republicano renova esperanças. Mas, ao mesmo tempo, desafia aprofundamentos.
Para efetivamente estar à altura dos seus desafios internos, para fazer presente o seu futuro, e para se inserir com autoridade nos debates internacionais em que pretende ter voz, o Brasil precisa mais do que um louvável, oportuno, mas limitado Pacto Republicano. Precisa de uma nova Convenção Republicana. As raízes da República precisam ser reavivadas.
A primeira Convenção Republicana ocorreu em Itu, no início do ano de 1873. Em 2010, a cidade de Itu, “Berço da República”, completará 400 anos. Talvez isso seja um convite para que se realize ali a Segunda Convenção Republicana.
PAULO RICARDO PAÚL
CORONEL DE POLÍCIA
CORONEL BARBONO
Nenhum comentário:
Postar um comentário