Warfare State - O novo bunker.
Terça-feira, Março 30, 2010.
EM GUARDA CONTRA O PERIGO AMARELINHO.
Quando o blog do Prosa e Verso me informou que a edição desse sábado do famoso suplemento literário de O GLOBO traria um texto analisando uma suposta recorrência de teorias sobre ameaças comunistas na história do Brasil, fiquei interessado: seria a resenha de um novo lançamento editorial? Uma tese acadêmica? Até onde retrocederia – ou até onde avançaria, quem sabe século XXI adentro, talvez um estudo (sério, de repente?) daquilo que a Caros Amigos chamou de nova direita brasileira? Veria eu Olavo de Carvalho ali, como referência – ressurgindo na grande imprensa não como colunista mais ou menos maldito, mas como objeto de pesquisa? Curioso, na mesma hora abri outra aba do navegador e joguei a autora – também informação do blog – no Google: Thamy Pogrebinschi, IUPERJ, jovem, artigos e livros vários sobre marxismo e pragmatismo; no combalido Instituto, um curso de Teoria Política Contemporânea com espaço, acreditem, para o libertarianismo: Nozick e, me perdoem os puristas, Hayek e Friedman pai presentes na bibliografia sob a rubrica libertária, com livros inteiros mencionados. Bons sinais? Sem dúvida: ainda que não necessariamente trabalhadas na íntegra – títulos demais citados para um único semestre -, essas obras valeriam apenas por estarem ali, por aparecerem inusitadamente diante de pós-graduandos que de repente se deparavam pela primeira vez (seria muito provavelmente o caso de alguém formado em História pela UFF, por exemplo) com o nome de Robert Nozick em suas vidas. Assim, Pogrebinschi surgia para mim aí como alguém dotada de honestidade intelectual e espírito docente, uma professora e pesquisadora capaz de, simpatias marxistas – até então apenas presumidas – à parte, investigar e debater em sala de aula uma doutrina (ainda que restrita principalmente às suas raízes “neoliberais” – Hayek e Friedman - mais conhecidas e, como aludido acima, menos bem quistas pelos puristas da causa) que sem dúvida não recebe na Academia sequer parcela minimamente razoável da atenção devida para além da sua área originária, a Economia; e foi então animado com essa perspectiva de ler uma provável esquerdista honesta e letrada em pensadores liberais tratando do anticomunismo pátrio que eu acordei anteontem[texto concluído ontem] e comecei o jornal exatamente pela singularidade que interessava – o logo encontrado ensaio “O ‘perigo vermelho’”, filho único da página 5 do último Prosa desse março de 2010.
Já de início, em peça bem estruturada, temos a motivação imediata para as reflexões que seguem: Thamy escreve a partir de uma fala – mais especificamente, o trecho de uma entrevista na qual o Ministro Marco Aurélio de Mello, STF, leu a ditadura militar brasileira como um “mal necessário” diante da perspectiva de um mal maior, a possibilidade de um autoritarismo comunista se instalar por aqui na rabeira de Goulart e da crise pré-golpe. Tese antiga, já esposada nesse blog e, como lembra a articulista, justificativa da própria ação militar golpista, a afirmação leva Pogrebinschi a um caminho que percorrerá Marx, Hegel, o PNDH-3 e a conceituação de “sociedade civil” para resultar na sugestão de que, hoje como ontem – como sempre? -, o temor de um Brasil comunista se confundiria ilusoriamente, por desinformação, com o que é mera ampliação da soberania popular, meras perspectivas (frustradas, no caso de 64) de aprofundamento democrático. Estando nós mesmos – eu e, imagino, boa parte dos meus parcos leitores – entre esses iludidos, acho que convém acompanharmos mais de perto a reflexão da docente, pontuando algumas coisas que me pareceram particularmente relevantes e divagando um pouquinho sobre as teorias levantadas também.
Inicialmente, importa perceber que não há no texto sob análise qualquer tentativa de provar empiricamente a inexistência de uma ameaça comunista real nos idos do Janguismo: é dado de barato que ela não existia, que apenas se associou – por ilusão ideológica ou oportunismo – comunismo a algo a princípio diverso, a tal “sociedade civil” já mencionada; mais adiante veremos o que seria essa sociedade civil e os lugares ocupados por ela e pelo comunismo no rascunho da professora. Por ora, fica a pergunta: apesar de inserido em artigo inequivocamente enxuto, limitado pelos ditames do jornal, não pedia argumento desses – ao menos se pretende realmente algo que não o consumo interno, o aplauso dos pares políticos – uma fundamentação histórica mínima? Quando na graduação, não era raro ouvirmos críticas ao que seria a falta de historicidade em parte das ciências sociais, incluindo estudos da ciência política a qual se dedica Pogrebinschi: muito interessados em grandes planos e em comparações entre diferentes momentos históricos – como teremos aqui, aliás, em breve chegamos lá -, os estudiosos dessas disciplinas não raro perderiam o particular de cada caso, as singularidades de diferentes episódios. Confrontada com essas especificidades, como se sairia a professora? No que me é possível afirmar, a vejo responder apenas com a alegação de “futurologia” àqueles que, como Marco Aurélio, enxergam em retrospectiva ou enxergavam na ocasião a possibilidade real do Brasil caminhar para o comunismo naquele início de anos sessenta. Cuba socialista, patrícios nossos passando por treinamento militar na ilha (“O Apoio de Cuba à Luta Armada no Brasil”, Denise Rollemberg, que Thamy certamente não ignora), a crença generalizada em boa parte da esquerda nativa de que a luta armada era sim um caminho revolucionário justo e viável – e o posterior engajamento de vários desses sujeitos em combate nas sombras que, como lembra um ou outro mais honesto (Aarão, Palmeira), não tinha interesse algum em substituir a ditadura por uma democracia classista, burguesa, mas sim instaurar exatamente um novo regime socialista nos trópicos, para muitos inspirado nos humanismos da revolução castrista ou na sabedoria marxista do camarada Mao... Nada disso é confrontado; no texto, parece que a precavida sentença “teríamos que esperar para ver, e foi melhor não esperar” do Ministro Marco Aurélio se assenta sobre nuvens, é floreio contra inimigo etéreo que jamais existiu como força significativa, não passando – a palavra escapa ao ensaio, não é das mais acadêmicas fora das ciências da mente – de paranóia das elites empresariais e suas senhoras católicas, da classe média reacionária e da doutrinação castrense.
Em seguida, fugindo a esse confronto de fatos e versões, temos o referido salto rumo ao contemporâneo, ao famigerado PNDH-3: para Pogrebinschi, a oposição a esse projeto evidenciaria, além das recusas pontuais de uma ou outra proposta, um recrudescimento genérico dessa preocupação que confunde democracia extrema com ditadura vermelha. Para sustentar que também essa contemporaneidade anticomuna sofre da terrível ilusão, a pesquisadora recorrerá a Hegel e Marx e nos informará que “sociedade civil”, para esses pensadores, era algo diferente do Estado, do poder propriamente político – seria uma instância social própria, ainda que ligada ao estatal por “uma relação de oposição”, dialética; a partir daí, retornará aos clássicos – à democracia grega, mais especificamente – para pensar a possibilidade de uma sociedade civil diferente, mais integrada ao poder, participativa, remetendo a uma origem na qual supostamente “não se fazia distinção entre Estado e sociedade civil como duas esferas separadas, tampouco antagônicas”. Seguindo o raciocínio, o polêmico plano de direitos humanos apresentado pelo lulismo às vésperas da eleição presidencial seria apenas um fruto meritório de processo absolutamente democrático – mais ainda, fruto de uma forma de democracia mais direta, resultado que é de encontros entre a referida sociedade civil (através de ONGs e associações de toda sorte) e as autoridades estatais, num processo de deliberações e debates diverso – e, supõe-se, mais legítimo, na medida em que aproxima as instâncias antes afastadas e nos assemelha a uma democracia clássica originária, idealizada ou não - daquele tradicionalmente realizado pelos representantes eleitos a cada quatro anos pelo povo. No caminho, e isso é sem dúvida interessante para a autora, ainda correríamos – agora democratíssimos – o risco de enveredarmos por um... comunismo! – mas não aquele de Stalin ou Pol Pot que, imagino, não é reconhecido como tal pela professora, mas sim um marxismo que seria originalmente de uma democracia só, identificado exatamente com a superação da dicotomia entre Estado e sociedade civil que o onguismo para-estatal parece contribuir para gestar em terras tupiniquins.
Não cabe nesse espaço – o tamanho do post é ilimitado; a paciência do leitor(?), não – nos aventurarmos por uma discussão acerca do marxismo de Marx, suas credenciais supostamente libertárias e os terríveis descaminhos da História que teriam feito, vejam vocês que coisa insólita, absolutamente todos os experimentos de engenharia social vultosos que se pretenderam inspirados no velho semita alemão resultarem coincidente e atrozmente em algumas das piores e mais sanguinárias ditaduras que a humanidade já experimentou; ao contrário, deixaremos a teoria de lado e nos limitaremos, replicando expediente anterior, a analisar o sempre desagradável fato – esse inimigo ancestral dos teoréticos todos – para conferirmos se realmente o PNDH-3 poderia ser adjetivado como “democrático” que não torturando o próprio sentido moderno da palavra, travestindo de alguma democracia adjetivada (“popular”, quem sabe?) o que é apenas autoritarismo – é isso ou precisaríamos assumir - e lidar com esse dado, o que seria ainda mais desagradável para a teoria -, pelo menos, que um processo deliberatório imerso em democracia teria gestado excepcionalmente um documento pautado pelo cerceamento das liberdades mais elementares de um ser humano...
““102. Garantir a possibilidade de fiscalização da programação das emissoras de rádio e televisão, com vistas a assegurar o controle social sobre os meios de comunicação e a penalizar, na forma da lei, as empresas de telecomunicação que veicularem programação ou publicidade atentatória aos direitos humanos.” “
“104. Propor legislação visando a coibir o uso da Internet para incentivar práticas de violação dos direitos humanos.”
“105. Garantir a imparcialidade, o contraditório e o direito de resposta na veiculação de informações, de modo a assegurar a todos os cidadãos o direito de informar e ser informado.”
Acima, três pontos do Programa – todos tratando de um mesmo assunto, o “controle social sobre os meios de comunicação”, fetiche número um daqueles revoltados com a onipresença da mídia “capitalista” e o eficiente trabalho ideológico (no vocabulário mais rasteiro, “alienante”) por ela cumprido para a manutenção da exploração do homem pelo homem em nossas terras. Responder a essas tão nobres intenções é sempre cansativo, mas vamos lá: quem definirá o que é ou não “atentatório aos direitos humanos” em uma programação de TV – ou na internet, digamos, nesse ou em outro blog? Quem estabelecerá o direito ao contraditório em uma reportagem do Jornal Nacional sobre, digamos, os Sem-Terra – exemplo comum em discussões do gênero, valentes do campesinato sempre satanizados pela Globo reacionária? Quem ficará responsável pela analisar a publicidade? A resposta está na própria professora Thamy e nos demais militantes do amanhã florescente: a “sociedade civil” – via conselhos, conferências, congressos. Deixemos de lado o crime óbvio – que essa sociedade civil promoveria uma censura, sem tirar nem pôr, impedindo com a força do Estado a veiculação (mesmo na Internet! Se cuida, youtube!) de certos programas ou propagandas – e fiquemos – para quem não considera cada um dizer o que bem entende como um direito inalienável – na simples funcionalidade da coisa: não parece claro que esse controle nada mais fará que consagrar uma – ou algumas – visões sobre “direitos humanos”? Que o atentatório para um não é atentatório para outro? Não é preciso sequer remetermos a passado ancestral ou evento obscuro para percebermos o perigo – na verdade, percebermos o descalabro mesmo hoje, quando o conselho ainda falta: há talvez apenas um mês o CONAR (órgão autônomo de autoregulamentação publicitária) retirou do ar propaganda de cerveja com Paris Hilton por supostamente associar o consumo de álcool a sexo – algo que, como sabemos, é absolutamente inédito em nossa pudica publicidade; na verdade, como logo veio à tona, a ação foi motivada por uma ameaça de intervenção contra o comercial por parte da Secretaria das Mulheres, órgão do governo Lula. Por que uma secretaria de defesa da mulher se envolveria no caso? Ora, também é birra antiga das feministas que a mulher na propaganda brasileira seria constantemente pouco mais que um objeto sexual – mais ainda em determinados nichos dessa publicidade, etílicos entre eles; sem negar a razoabilidade dessa afirmação, pergunto: é realmente isso que queremos – já que deixei por ora de lado o direito absolutamente natural à palavra, fiquemos com o pragmatismo – para nossa sociedade – um grupo de pessoas (maior ou menor, nem discorrerei sobre a miudeza da militância organizada e suas ONGs diante da imensa “sociedade civil” brasileira) decidindo por você o que passará na sua televisão, decidindo por você – por cada um de vocês, por cada brasileiro – o que é ou não atentatório aos direitos humanos? Caso uma mulher considere a Paris de quatro na sua TV uma indecência ou desvalorização medonha do feminino, pode mudar de canal – pode desligar a TV, boicotar a cerveja, se organizar com mulheres afins (e homens!) e ampliar esse boicote a um nível bastante significativo... O que ela não pode é, por se considerar mais consciente, politizada, se incorporar a um conselho qualquer e impedir, sob a ameaça do tacão estatal, que a Mariazinha vizinha – ignara, coitada, que acha o comercial até engraçadinho – seja impedida de assistir a Paris rebolativa. E é exatamente esse o tom do esquerdismo responsável pelo PNDH-3: misturando enfrentamento sem tréguas a um modelo econômico opressor e seus aparelhos culturais e uma boa dose de intelectualismo e vanguardismo demofóbico, o que eles querem é proteger o brasileiro de si mesmo: você não sabe o que é bom para si, mas eles sabem – deixado à própria sorte, passará a vida sendo anestesiado por entretenimento barato na televisão, submetido a sabe-se lá quantas violações da sua dignidade “enquanto ser humano” – ou enquanto negro, mulher, criança, vovô... Felizmente, eles estão aí para te proteger – ainda que você não tenha eleito qualquer dos galantes para conselho algum...
A professora Thamy, além de escrever bem – vícios de ofício à parte, nem sou acadêmico e também tenho os meus -, certamente não é pessoa sem cultura: tivesse lido apenas o que cita nas bibliografias de seus cursos e já seria uma grande conhecedora de teoria política, liberalismo do século XX inclusive – e certamente leu muito mais, dada a produção intelectual que assina; por conta disso, ela certamente sabe bem que sociedade mobilizada e politicamente participativa não é de forma alguma garantia de democracia – sequer a formal, indireta, burguesa, quanto mais qualquer quimera superior a isso que possamos imaginar. Ao contrário, teóricos – olha só, eu falando de teoria agora – do totalitarismo consideram exatamente que uma sociedade constantemente mobilizada (e organizada exatamente em incontáveis associações – de classes, gênero, idade) foi elemento característico fundamental tanto do nazismo quanto do stalinismo – sendo objetivo último de um regime totalitário nada mais nada menos que a própria indistinção entre Estado e sociedade civil de que nos fala – com tantas boas promessas – a professora, a politização extrema e controlada de todos os espaços ( incluindo artes, religião, mesmo relações familiares) da vida social. Não quero com isso soar fatalista e insinuar que a multiplicação dos Conselhos todos de Pogrebinschi pelo Brasil nos levariam inevitavelmente ao totalitarismo – ou mesmo a uma variante moderna de fascismo; quero apenas indicar que, se milhões de alemães mobilizadíssimos não tornavam justa a censura a qualquer filme ou livro sob o Reich de mil anos, também nenhum grupo mobilizadíssimo de brasileiros (sejam os atuais gatos-pingados das ONGs ou, digamos, 100 milhões de vozes censoras) não tornarão justo que qualquer concidadão seja impedido pelo Estado de veicular o que bem entender pelo meio que achar mais conveniente.
Professora Pogrebinschi, termino com uma sugestão para suas reflexões políticas, se me permite: retorne aos libertários e perceba que não seremos mais livres ou prósperos quanto mais pessoas ou instâncias tivermos que decidam a respeito do que as outras pessoas podem ou não fazer – mas sim diminuindo ao máximo possível o número de situações em que essas decisões se façam necessárias.
Felipe Svaluto Paúl
JUNTOS SOMOS FORTES!
PAULO RICARDO PAÚL
CORONEL DE POLÍCIA
Ex-CORREGEDOR INTERNO
Terça-feira, Março 30, 2010.
EM GUARDA CONTRA O PERIGO AMARELINHO.
Quando o blog do Prosa e Verso me informou que a edição desse sábado do famoso suplemento literário de O GLOBO traria um texto analisando uma suposta recorrência de teorias sobre ameaças comunistas na história do Brasil, fiquei interessado: seria a resenha de um novo lançamento editorial? Uma tese acadêmica? Até onde retrocederia – ou até onde avançaria, quem sabe século XXI adentro, talvez um estudo (sério, de repente?) daquilo que a Caros Amigos chamou de nova direita brasileira? Veria eu Olavo de Carvalho ali, como referência – ressurgindo na grande imprensa não como colunista mais ou menos maldito, mas como objeto de pesquisa? Curioso, na mesma hora abri outra aba do navegador e joguei a autora – também informação do blog – no Google: Thamy Pogrebinschi, IUPERJ, jovem, artigos e livros vários sobre marxismo e pragmatismo; no combalido Instituto, um curso de Teoria Política Contemporânea com espaço, acreditem, para o libertarianismo: Nozick e, me perdoem os puristas, Hayek e Friedman pai presentes na bibliografia sob a rubrica libertária, com livros inteiros mencionados. Bons sinais? Sem dúvida: ainda que não necessariamente trabalhadas na íntegra – títulos demais citados para um único semestre -, essas obras valeriam apenas por estarem ali, por aparecerem inusitadamente diante de pós-graduandos que de repente se deparavam pela primeira vez (seria muito provavelmente o caso de alguém formado em História pela UFF, por exemplo) com o nome de Robert Nozick em suas vidas. Assim, Pogrebinschi surgia para mim aí como alguém dotada de honestidade intelectual e espírito docente, uma professora e pesquisadora capaz de, simpatias marxistas – até então apenas presumidas – à parte, investigar e debater em sala de aula uma doutrina (ainda que restrita principalmente às suas raízes “neoliberais” – Hayek e Friedman - mais conhecidas e, como aludido acima, menos bem quistas pelos puristas da causa) que sem dúvida não recebe na Academia sequer parcela minimamente razoável da atenção devida para além da sua área originária, a Economia; e foi então animado com essa perspectiva de ler uma provável esquerdista honesta e letrada em pensadores liberais tratando do anticomunismo pátrio que eu acordei anteontem[texto concluído ontem] e comecei o jornal exatamente pela singularidade que interessava – o logo encontrado ensaio “O ‘perigo vermelho’”, filho único da página 5 do último Prosa desse março de 2010.
Já de início, em peça bem estruturada, temos a motivação imediata para as reflexões que seguem: Thamy escreve a partir de uma fala – mais especificamente, o trecho de uma entrevista na qual o Ministro Marco Aurélio de Mello, STF, leu a ditadura militar brasileira como um “mal necessário” diante da perspectiva de um mal maior, a possibilidade de um autoritarismo comunista se instalar por aqui na rabeira de Goulart e da crise pré-golpe. Tese antiga, já esposada nesse blog e, como lembra a articulista, justificativa da própria ação militar golpista, a afirmação leva Pogrebinschi a um caminho que percorrerá Marx, Hegel, o PNDH-3 e a conceituação de “sociedade civil” para resultar na sugestão de que, hoje como ontem – como sempre? -, o temor de um Brasil comunista se confundiria ilusoriamente, por desinformação, com o que é mera ampliação da soberania popular, meras perspectivas (frustradas, no caso de 64) de aprofundamento democrático. Estando nós mesmos – eu e, imagino, boa parte dos meus parcos leitores – entre esses iludidos, acho que convém acompanharmos mais de perto a reflexão da docente, pontuando algumas coisas que me pareceram particularmente relevantes e divagando um pouquinho sobre as teorias levantadas também.
Inicialmente, importa perceber que não há no texto sob análise qualquer tentativa de provar empiricamente a inexistência de uma ameaça comunista real nos idos do Janguismo: é dado de barato que ela não existia, que apenas se associou – por ilusão ideológica ou oportunismo – comunismo a algo a princípio diverso, a tal “sociedade civil” já mencionada; mais adiante veremos o que seria essa sociedade civil e os lugares ocupados por ela e pelo comunismo no rascunho da professora. Por ora, fica a pergunta: apesar de inserido em artigo inequivocamente enxuto, limitado pelos ditames do jornal, não pedia argumento desses – ao menos se pretende realmente algo que não o consumo interno, o aplauso dos pares políticos – uma fundamentação histórica mínima? Quando na graduação, não era raro ouvirmos críticas ao que seria a falta de historicidade em parte das ciências sociais, incluindo estudos da ciência política a qual se dedica Pogrebinschi: muito interessados em grandes planos e em comparações entre diferentes momentos históricos – como teremos aqui, aliás, em breve chegamos lá -, os estudiosos dessas disciplinas não raro perderiam o particular de cada caso, as singularidades de diferentes episódios. Confrontada com essas especificidades, como se sairia a professora? No que me é possível afirmar, a vejo responder apenas com a alegação de “futurologia” àqueles que, como Marco Aurélio, enxergam em retrospectiva ou enxergavam na ocasião a possibilidade real do Brasil caminhar para o comunismo naquele início de anos sessenta. Cuba socialista, patrícios nossos passando por treinamento militar na ilha (“O Apoio de Cuba à Luta Armada no Brasil”, Denise Rollemberg, que Thamy certamente não ignora), a crença generalizada em boa parte da esquerda nativa de que a luta armada era sim um caminho revolucionário justo e viável – e o posterior engajamento de vários desses sujeitos em combate nas sombras que, como lembra um ou outro mais honesto (Aarão, Palmeira), não tinha interesse algum em substituir a ditadura por uma democracia classista, burguesa, mas sim instaurar exatamente um novo regime socialista nos trópicos, para muitos inspirado nos humanismos da revolução castrista ou na sabedoria marxista do camarada Mao... Nada disso é confrontado; no texto, parece que a precavida sentença “teríamos que esperar para ver, e foi melhor não esperar” do Ministro Marco Aurélio se assenta sobre nuvens, é floreio contra inimigo etéreo que jamais existiu como força significativa, não passando – a palavra escapa ao ensaio, não é das mais acadêmicas fora das ciências da mente – de paranóia das elites empresariais e suas senhoras católicas, da classe média reacionária e da doutrinação castrense.
Em seguida, fugindo a esse confronto de fatos e versões, temos o referido salto rumo ao contemporâneo, ao famigerado PNDH-3: para Pogrebinschi, a oposição a esse projeto evidenciaria, além das recusas pontuais de uma ou outra proposta, um recrudescimento genérico dessa preocupação que confunde democracia extrema com ditadura vermelha. Para sustentar que também essa contemporaneidade anticomuna sofre da terrível ilusão, a pesquisadora recorrerá a Hegel e Marx e nos informará que “sociedade civil”, para esses pensadores, era algo diferente do Estado, do poder propriamente político – seria uma instância social própria, ainda que ligada ao estatal por “uma relação de oposição”, dialética; a partir daí, retornará aos clássicos – à democracia grega, mais especificamente – para pensar a possibilidade de uma sociedade civil diferente, mais integrada ao poder, participativa, remetendo a uma origem na qual supostamente “não se fazia distinção entre Estado e sociedade civil como duas esferas separadas, tampouco antagônicas”. Seguindo o raciocínio, o polêmico plano de direitos humanos apresentado pelo lulismo às vésperas da eleição presidencial seria apenas um fruto meritório de processo absolutamente democrático – mais ainda, fruto de uma forma de democracia mais direta, resultado que é de encontros entre a referida sociedade civil (através de ONGs e associações de toda sorte) e as autoridades estatais, num processo de deliberações e debates diverso – e, supõe-se, mais legítimo, na medida em que aproxima as instâncias antes afastadas e nos assemelha a uma democracia clássica originária, idealizada ou não - daquele tradicionalmente realizado pelos representantes eleitos a cada quatro anos pelo povo. No caminho, e isso é sem dúvida interessante para a autora, ainda correríamos – agora democratíssimos – o risco de enveredarmos por um... comunismo! – mas não aquele de Stalin ou Pol Pot que, imagino, não é reconhecido como tal pela professora, mas sim um marxismo que seria originalmente de uma democracia só, identificado exatamente com a superação da dicotomia entre Estado e sociedade civil que o onguismo para-estatal parece contribuir para gestar em terras tupiniquins.
Não cabe nesse espaço – o tamanho do post é ilimitado; a paciência do leitor(?), não – nos aventurarmos por uma discussão acerca do marxismo de Marx, suas credenciais supostamente libertárias e os terríveis descaminhos da História que teriam feito, vejam vocês que coisa insólita, absolutamente todos os experimentos de engenharia social vultosos que se pretenderam inspirados no velho semita alemão resultarem coincidente e atrozmente em algumas das piores e mais sanguinárias ditaduras que a humanidade já experimentou; ao contrário, deixaremos a teoria de lado e nos limitaremos, replicando expediente anterior, a analisar o sempre desagradável fato – esse inimigo ancestral dos teoréticos todos – para conferirmos se realmente o PNDH-3 poderia ser adjetivado como “democrático” que não torturando o próprio sentido moderno da palavra, travestindo de alguma democracia adjetivada (“popular”, quem sabe?) o que é apenas autoritarismo – é isso ou precisaríamos assumir - e lidar com esse dado, o que seria ainda mais desagradável para a teoria -, pelo menos, que um processo deliberatório imerso em democracia teria gestado excepcionalmente um documento pautado pelo cerceamento das liberdades mais elementares de um ser humano...
““102. Garantir a possibilidade de fiscalização da programação das emissoras de rádio e televisão, com vistas a assegurar o controle social sobre os meios de comunicação e a penalizar, na forma da lei, as empresas de telecomunicação que veicularem programação ou publicidade atentatória aos direitos humanos.” “
“104. Propor legislação visando a coibir o uso da Internet para incentivar práticas de violação dos direitos humanos.”
“105. Garantir a imparcialidade, o contraditório e o direito de resposta na veiculação de informações, de modo a assegurar a todos os cidadãos o direito de informar e ser informado.”
Acima, três pontos do Programa – todos tratando de um mesmo assunto, o “controle social sobre os meios de comunicação”, fetiche número um daqueles revoltados com a onipresença da mídia “capitalista” e o eficiente trabalho ideológico (no vocabulário mais rasteiro, “alienante”) por ela cumprido para a manutenção da exploração do homem pelo homem em nossas terras. Responder a essas tão nobres intenções é sempre cansativo, mas vamos lá: quem definirá o que é ou não “atentatório aos direitos humanos” em uma programação de TV – ou na internet, digamos, nesse ou em outro blog? Quem estabelecerá o direito ao contraditório em uma reportagem do Jornal Nacional sobre, digamos, os Sem-Terra – exemplo comum em discussões do gênero, valentes do campesinato sempre satanizados pela Globo reacionária? Quem ficará responsável pela analisar a publicidade? A resposta está na própria professora Thamy e nos demais militantes do amanhã florescente: a “sociedade civil” – via conselhos, conferências, congressos. Deixemos de lado o crime óbvio – que essa sociedade civil promoveria uma censura, sem tirar nem pôr, impedindo com a força do Estado a veiculação (mesmo na Internet! Se cuida, youtube!) de certos programas ou propagandas – e fiquemos – para quem não considera cada um dizer o que bem entende como um direito inalienável – na simples funcionalidade da coisa: não parece claro que esse controle nada mais fará que consagrar uma – ou algumas – visões sobre “direitos humanos”? Que o atentatório para um não é atentatório para outro? Não é preciso sequer remetermos a passado ancestral ou evento obscuro para percebermos o perigo – na verdade, percebermos o descalabro mesmo hoje, quando o conselho ainda falta: há talvez apenas um mês o CONAR (órgão autônomo de autoregulamentação publicitária) retirou do ar propaganda de cerveja com Paris Hilton por supostamente associar o consumo de álcool a sexo – algo que, como sabemos, é absolutamente inédito em nossa pudica publicidade; na verdade, como logo veio à tona, a ação foi motivada por uma ameaça de intervenção contra o comercial por parte da Secretaria das Mulheres, órgão do governo Lula. Por que uma secretaria de defesa da mulher se envolveria no caso? Ora, também é birra antiga das feministas que a mulher na propaganda brasileira seria constantemente pouco mais que um objeto sexual – mais ainda em determinados nichos dessa publicidade, etílicos entre eles; sem negar a razoabilidade dessa afirmação, pergunto: é realmente isso que queremos – já que deixei por ora de lado o direito absolutamente natural à palavra, fiquemos com o pragmatismo – para nossa sociedade – um grupo de pessoas (maior ou menor, nem discorrerei sobre a miudeza da militância organizada e suas ONGs diante da imensa “sociedade civil” brasileira) decidindo por você o que passará na sua televisão, decidindo por você – por cada um de vocês, por cada brasileiro – o que é ou não atentatório aos direitos humanos? Caso uma mulher considere a Paris de quatro na sua TV uma indecência ou desvalorização medonha do feminino, pode mudar de canal – pode desligar a TV, boicotar a cerveja, se organizar com mulheres afins (e homens!) e ampliar esse boicote a um nível bastante significativo... O que ela não pode é, por se considerar mais consciente, politizada, se incorporar a um conselho qualquer e impedir, sob a ameaça do tacão estatal, que a Mariazinha vizinha – ignara, coitada, que acha o comercial até engraçadinho – seja impedida de assistir a Paris rebolativa. E é exatamente esse o tom do esquerdismo responsável pelo PNDH-3: misturando enfrentamento sem tréguas a um modelo econômico opressor e seus aparelhos culturais e uma boa dose de intelectualismo e vanguardismo demofóbico, o que eles querem é proteger o brasileiro de si mesmo: você não sabe o que é bom para si, mas eles sabem – deixado à própria sorte, passará a vida sendo anestesiado por entretenimento barato na televisão, submetido a sabe-se lá quantas violações da sua dignidade “enquanto ser humano” – ou enquanto negro, mulher, criança, vovô... Felizmente, eles estão aí para te proteger – ainda que você não tenha eleito qualquer dos galantes para conselho algum...
A professora Thamy, além de escrever bem – vícios de ofício à parte, nem sou acadêmico e também tenho os meus -, certamente não é pessoa sem cultura: tivesse lido apenas o que cita nas bibliografias de seus cursos e já seria uma grande conhecedora de teoria política, liberalismo do século XX inclusive – e certamente leu muito mais, dada a produção intelectual que assina; por conta disso, ela certamente sabe bem que sociedade mobilizada e politicamente participativa não é de forma alguma garantia de democracia – sequer a formal, indireta, burguesa, quanto mais qualquer quimera superior a isso que possamos imaginar. Ao contrário, teóricos – olha só, eu falando de teoria agora – do totalitarismo consideram exatamente que uma sociedade constantemente mobilizada (e organizada exatamente em incontáveis associações – de classes, gênero, idade) foi elemento característico fundamental tanto do nazismo quanto do stalinismo – sendo objetivo último de um regime totalitário nada mais nada menos que a própria indistinção entre Estado e sociedade civil de que nos fala – com tantas boas promessas – a professora, a politização extrema e controlada de todos os espaços ( incluindo artes, religião, mesmo relações familiares) da vida social. Não quero com isso soar fatalista e insinuar que a multiplicação dos Conselhos todos de Pogrebinschi pelo Brasil nos levariam inevitavelmente ao totalitarismo – ou mesmo a uma variante moderna de fascismo; quero apenas indicar que, se milhões de alemães mobilizadíssimos não tornavam justa a censura a qualquer filme ou livro sob o Reich de mil anos, também nenhum grupo mobilizadíssimo de brasileiros (sejam os atuais gatos-pingados das ONGs ou, digamos, 100 milhões de vozes censoras) não tornarão justo que qualquer concidadão seja impedido pelo Estado de veicular o que bem entender pelo meio que achar mais conveniente.
Professora Pogrebinschi, termino com uma sugestão para suas reflexões políticas, se me permite: retorne aos libertários e perceba que não seremos mais livres ou prósperos quanto mais pessoas ou instâncias tivermos que decidam a respeito do que as outras pessoas podem ou não fazer – mas sim diminuindo ao máximo possível o número de situações em que essas decisões se façam necessárias.
Felipe Svaluto Paúl
JUNTOS SOMOS FORTES!
PAULO RICARDO PAÚL
CORONEL DE POLÍCIA
Ex-CORREGEDOR INTERNO
Nenhum comentário:
Postar um comentário