domingo, 22 de março de 2009

FOLHA DE SÃO PAULO ENTREVISTA CAPITÃO DO EXÉRCITO BRASILEIRO.

EMAIL RECEBIDO:
Capitão afirma que a democracia pode melhorar o Exército .
Luis Fernando Ribeiro de Sousa defende mais participação política na corporação e quer concorrer à Câmara em 2010.
Oficial nega que movimento queira minar a hierarquia e a disciplina no meio militar, como alegam os setores conservadores do Exército.
O mineiro Luis Fernando Ribeiro de Sousa, 32, cresceu e até hoje vive no meio militar. É um capitão do Exército que acredita que a democracia pode melhorar as Forças Armadas. Ele integra um movimento que defende mais participação política na corporação, e se prepara para concorrer em 2010 a deputado federal. Para evitar punições, ele falou à Folha enfatizando que todas as idéias são pessoais e não representam a corporação. (ANA FLOR).
FOLHA - Como surgiu esse movimento?
LUIS FERNANDO RIBEIRO DE SOUSA - Mudanças que poderiam melhorar as Forças Armadas, para que ela tenha papel importante, só acontecem por meio de participação política. Qualquer coisa que a gente pode fazer passa pela via política. Precisamos de deputados e senadores para promover qualquer transformação. Assim começamos a nos organizar.
FOLHA - Qual o objetivo do movimento?
SOUSA - O regulamento disciplinar do Exército não contempla um monte de garantias que a Constituição contempla. O movimento é para dizer que o documento maior é a Constituição [e não regimentos internos]. Deve-se ter direito à liberdade de expressão, de associação para fins pacíficos.
FOLHA - Querem mais democracia no Exército?
SOUSA - Dentro das Forças Armadas, até certo ponto tem democracia e até certo ponto não tem. O processo para que todos os direitos do artigo 5º e do artigo 6º [da Constituição Federal] cheguem aos militares não será de uma hora para a outra. Precisa haver democracia para toda a sociedade, inclusive para o Exército. O que está errado é o regulamento disciplinar. Lá na Constituição, que é a arma que nós empunhamos, diz que ninguém pode ser preso senão em flagrante delito. Temos que fazer mudar o regulamento disciplinar do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, fazer um regulamento da Defesa unificado e pedir que os governos estaduais também façam isso com as polícias militares.
FOLHA - Querem menos disciplina?
SOUSA - Há setores mais conservadores, ainda da ditadura militar, que dizem que estamos querendo acabar com a hierarquia e a disciplina. Muito pelo contrário. Será uma disciplina verdadeira. Como uma pessoa pode ser punida por dar uma entrevista, por se associar?
FOLHA - O Exército está boicotando o movimento?
SOUSA - O Exército sabe que nosso objetivo é ter um candidato por Estado. O que ele fez? Transferiu [os oficiais]. As ligações políticas locais são quebradas. A meu ver, foi uma medida pensada para desarticular esse movimento. Querem evitar que haja interferência política em assuntos do Exército.
FOLHA - Ao falar em participação política dos militares, não há como não se lembrar da ditadura...
SOUSA - A gente não tem nada a ver com a ditadura militar. Eu não quero entrar no mérito [e dizer] se foi certo ou errado. Cabe a nós pensar para frente, somos capitães, tenentes. Nosso pensamento é desenvolver o Brasil, um lugar para a gente crescer, com a não-criminalização dos movimentos sociais.
FOLHA - O que é o capitanismo?
SOUSA - É um movimento que constrói a democracia. É uma adequação da estrutura secular das forças militares à realidade pós-88. É fazer chegar a Constituição também ao meio militar.
FOLHA - Quantos os senhores são?
SOUSA - Eu não quero identificar ninguém, porque a retaliação pode vir pesada. Mas eu recebo cerca de cem e-mails por dia, de todo o Brasil. São pessoas de todas as Forças Armadas com o mesmo sentimento.
FOLHA - Como os senhores estão se organizando para 2010?
SOUSA - Estamos discutindo os candidatos. Definimos que vamos apoiar quem o presidente [Luiz Inácio] Lula [da Silva] apoiar. Vemos o Lula como uma pessoa mais desenvolvimentista. Não é uma opção pela direita ou pela esquerda. É desenvolvimento, onde há projetos de usinas nucleares, de submarino nuclear, de tecnologia militar, de fortalecimento da indústria militar de defesa. Queremos um país forte, uma América Latina integrada.
FOLHA - Quando você entra nas Forças Armadas, você sabe do regulamento ao qual deve se submeter.
SOUSA - Regulamento que não contempla direitos. Um regulamento que te coloca uma rédea curta. Ele pode ser totalmente diferente sem estragar nada. O grande problema, que os generais não aceitam, é a [eliminação da] pena restritiva de liberdade. Você ficar preso dentro do quartel. Eu fui preso e meu filho foi me visitar. Imagina o que o menino pensa: "Meu pai é do Exército ou é traficante?" Prisão é para criminoso. Quem está com cabelo grande não é criminoso.
REPERCUSSÕES:
- Militares acusam Exército de punir atuação política.
Após as eleições, ao menos 50 oficiais e praças não-eleitos foram transferidos de guarnições.
Apesar do rigor da disciplina, militares se organizam para entrar com ação coletiva exigindo voltar a postos que estavam antes de se licenciar.
ANA FLOR.
Militares que concorreram nas eleições municipais e não se elegeram acusam o Exército de boicotar suas aspirações políticas por meio de transferências que os tirem de seus redutos eleitorais.Pelo menos 50 oficiais e praças não-eleitos acabaram em guarnições diferentes daquelas que estavam quando se afastaram para disputar o pleito de 2008. Entre eles estão militares que fazem parte de um movimento que se auto-intitula "Capitanismo", grupo não reconhecido pelo Comando do Exército que se organiza para ter maior participação política.
Apesar do medo de punições, militares nessa situação apresentaram queixa ao Ministério Público Federal. Eles se organizam para entrar com uma ação coletiva na Justiça exigindo o retorno aos postos que ocupavam antes de julho, quando se licenciaram para concorrer.
Os transferidos ganharam o apoio da deputada federal Luciana Genro (PSOL-RS), que enviou ofício ao Ministro da Defesa, Nelson Jobim, pedindo a revogação das transferências. Segundo ela, a decisão tem "indícios de perseguição política".
Dois militares que concorreram a vereador e foram transferidos citam o alto custo das transferências -calculadas por eles em R$ 30 mil por militar, em média-, que acarretariam um custo de mais de R$ 1,5 milhão aos cofres da União.
A participação política e a eleição de militares da ativa é permitida pela Constituição. Por estarem na ativa, eles são liberados da regra de filiação um ano antes do pleito. Caso eleitos, precisam se desligar da corporação ou ir para a reserva.
Nas eleições municipais de outubro, mais de 80 praças e oficiais do Exército concorreram. Nem todos fazem parte do "Capitanismo", e quem faz não diz abertamente -também para evitar punições.
O grupo é liderado por capitães que dizem estar em um patamar intermediário entre "os generais da ditadura" e "a geração democrática de não-oficiais". Eles têm reivindicações internas, como o fim das punições por meio de restrição de liberdade (as prisões no quartel), direito à liberdade de expressão e maior participação das mulheres em todos os escalões do Exército. Mas há também a vontade de ampliar o papel das Forças Armadas, com maiores investimentos em Defesa, e pautas internacionais, como a integração da América Latina.
Desde 2004, o grupo debate como participar mais da política partidária brasileira. Apesar de trabalhar para eleger vereadores e prefeitos, o alvo não é obter postos municipais, mas construir a base para eleger congressistas. "Queremos ter participação nacional", diz Luis Fernando Ribeiro de Sousa, capitão da ativa que se prepara para ser candidato a deputado federal e único que aceitou falar à Folha. Para 2010, diz ele, o grupo planeja eleger um deputado federal por Estado.
Apesar de não se considerarem de direita ou de esquerda, os "capitanistas" são simpáticos ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entre as razões, segundo Sousa, está sua veia desenvolvimentista.
O grupo acredita que as Forças Armadas são contrárias ao envolvimento político de seus integrantes, ignorando que a história dos militares no país é repleta de exemplos de grandes políticos. O duque de Caxias, patrono do Exército, foi senador e presidente do Conselho de Ministros. Vários generais foram presidentes, a começar por Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Hermes da Fonseca e Eurico Dutra foram eleitos diretamente.
O pesquisador Gláucio Ary Dillon Soares, autor do livro "A Democracia Interrompida", afirma que há tradição antiga de participação militar na política, mas o Exército atual "aprendeu com a maré de desprestígio vinda com a ditadura que o melhor é ser só militar".
O pesquisador diz, porém, que decisões da atual administração têm irritado militares. Ele dá como exemplo a percepção de que o Brasil é "usado" por outros países da América Latina, sem uma resposta adequada. "A ala nacionalista das Forças Armadas sente-se quase insultada com a pusilanimidade do governo Lula."
Frase:
"Se examinarmos quem são os patronos das Forças Armadas, veremos figuras com grande importância política no país"
LUIS FERNANDO RIBEIRO DE SOUSA, Capitão do Exército, que se prepara para ser candidato a deputado em 2010.
- Discussão é benéfica, diz estudioso.
Polêmica, especialmente em um país que passou 21 anos sob ditadura, a participação política de militares não é novidade no Brasil. A afirmação é de Gláucio Ary Dillon Soares, pesquisador do Iuperj e do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da Fundação Getúlio Vargas, e autor do livro "A Democracia Interrompida".
Segundo ele, além de os patronos do Exército terem sido políticos ativos, o século 20 teve figuras políticas como os militares Henrique Lott, Eurico Gaspar Dutra e Juarez Távora. "É da tradição das Forças Armadas e de polícias militares ter grupos que se dão nomes, com participação política ou não", afirma. Soares cita a PM de São Paulo, onde há "Os Pensadores" e, na PM do Rio, "Os Barbonos" e "Os Evaristos".
Esses grupos, diz ele, buscam repensar o papel das polícias ou sua relação com a sociedade. Para ele, a discussão interna é benéfica nas forças militares.
"Uma coisa é obediência, outra é o silêncio. Obediência é necessária. Silêncio, não".
O professor alerta para a necessidade de conhecer os objetivos do grupo que quer eleger militares. Em 1964, afirma, os militares não tinham um projeto nacional, só sabiam o que queriam evitar. "Quem teve dengue tem medo de mosquito, e o Brasil teve dengue hemorrágica", diz.
- Exército nega que as transferências de militares tenham motivação política.
O Exército afirma que as transferências não têm motivação política.
Segundo o Centro de Comunicação Social da instituição, quando o militar que deseja concorrer a um cargo se afasta, deixa vago seu cargo, que é preenchido por outra pessoa. Quando retorna à Força, caso não seja eleito, precisa ser transferido porque sua vaga anterior não existe mais.
O Exército informa ainda que concorreram 20 oficiais e 66 praças. Dos oficiais, 12 (60%) foram transferidos. Entre praças, 43 foram transferidos -o que corresponde a 65%. Só em 2008, foram realizadas transferências de 7,8 mil oficiais e 13,3 mil subtenentes e sargentos. "Transferências ocorrem independentemente do militar ser ou não ex-candidato", responde o Exército.
O comando da corporação afirma ainda que a profissão militar tem como característica "primordial" a vivência nacional, e para isso constantes movimentações são necessárias.
O custo das transferências -que incluem indenização de transporte de familiares e mudança- não foi informado. Segundo a corporação, o valor varia de acordo com o posto e a graduação do militar, número de dependentes e distância entre os postos.
O Exército afirma ainda que a decisão de concorrer a cargos eletivos é "pessoal e exclusiva" do interessado, desde que esteja amparada pela lei (tanto o Estatuto dos Militares quanto a Constituição Federal).


PAULO RICARDO PAÚL
CORONEL DE POLÍCIA
CORONEL BARBONO