quinta-feira, 29 de maio de 2008

A JUSTIÇA QUE TEMOS E A QUE QUEREMOS

Terça-feira, 27 de maio de 2008
Carlos Nicodemos
Advogado, professor da Unigranrio, coordenador da ODH - Projeto Legal, membro do Conselho Estadual da Criança do Rio de Janeiro e da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ.
"O ano de 2008 é sem sombra de dúvida um momento importante para comemorarmos a democracia brasileira, elemento chave do Estado de Direito Republicano.
Primeiro que neste ano comemoramos o vigésimo aniversário da Constituição brasileira, Carta Política tida como ponto de partida para a consolidação de uma sociedade justa,fraterna e igualitária.
Neste mesmo ano, comemoramos os 60anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, instrumento jurídico cosmopolita que reordenou as relações internacionais dos Estados em torno ao respeito à dignidade da pessoa humana.
Ainda em 2008, comemoramos os 18anos do Estatuto da Criança e do Adolescente , Lei 8.069/90, que, em termos de direitos humanos e democracia, é considerada a maior e mais elaborada resposta que o Estado brasileiro deu para um segmento social na denominada Era dos Direitos dos Direitos nos anos 90.
Este trio de valores jurídicos e políticos, Constituição Federal de 1988, a Declaração de Direitos Humanos de 1948 e o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, nos permitem ter uma idéia da Justiça que queremos e a Justiça que pretendemos ter.
Neste sentido é importante esclarecer que o Direito ao acesso à Justiça não pode ser confundido ou mesmo reduzido, como pretendem alguns, ao acesso ao Poder Judiciário .
Isto porque, quando tratamos deste segundo, temos verificado na história republicana a insistente orientação da superestrutura jurídica e política do Estado brasileiro, em conduzir pelas portas dos fundos dos Tribunais de Justiça , algemados, negros, pobres e grupos em situação de vulnerabilidade, num evidente controle social punitivo.
Por outro lado, os detentores e representantes dos interesses patrimoniais, quando da necessidade de proteção de seus bens, têm tido acesso privilegiado pela porta da frente dos mesmos Tribunais de Justiça, sob o conforto da certeza da tutela que lhe será prestada cada vez mais por um Estado marcado por profundas cicatrizes da desigualdade social.
Este conceito de acesso ao Judiciário deve ser alterado, sob pena de comprometermos os valores que aqui sinalizamos, quais sejam: democracia e direitos humanos.
O caminho para a ruptura deste modelo controlador punitivo passa pela necessidade de alçarmos este debate ao patamar de discussão sobre o Direito ao Acesso à Justiça.
Este direito, deve contemplar a condição dos cidadãos como pessoas dotadas de direitos fundamentais, pró-ativas no exercício reivindicante de suas dignidades.
Para isso, é preciso cada vez mais garantir o direito à assistência judiciária, através de uma Defensoria Pública fortalecida, que possa verdadeiramente garantir o ingresso dos grupos em situação de vulnerabilidade pela porta principal dos Tribunais de Justiça.
No mesmo norte, esperamos do Ministério Público uma intervenção, além da condição de propulsor judicializante do processo de criminalização da pobreza, conforme se verifica nas pilhas dos milhares de processos judiciais em curso.
Como advogado da sociedade, aguardamos ansiosamente do Ministério Público uma atuação pautada no interesse da coletividade, especialmente dos excluídos, como os adolescentes autores de ato infracional, sujeitos de direitos do comemorado Estatuto da Criança e do Adolescente, aqui anunciado.
Assim, é preciso reconhecer que a igualdade, enquanto uma garantia humana, proclamada na aniversariante Constituição Republicana, deve ser transformada do campo formal para um patamar substancial, em que, os iguais devam ser tratados igualmente e os desiguais considerados desigualmente.
Assim, a Justiça que queremos passa fundamentalmente pela negação ao processo de criminalização da pobreza vigente, além de assegurar no plano da tutela jurisdicional, as medidas compensatórias para os grupos historicamente excluídos, como os negros,os carentes, as mulheres e as crianças.
Somente assim será possível comemorarmos os aniversários dos documentos jurídicos aqui anunciados, pois finalmente eles serão considerados ponte de ouro para um verdadeiro acesso à Justiça ,uma Justiça Social em que o Tribunal Jurisdicional seja a casa da cidadania de todas e todos.