sexta-feira, 9 de maio de 2008

DESAFIOS DA REFORMA DO MODELO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA - ANTONIO CARLOS CARBALLO BLANCO

"Introdução
No próximo dia 05 de outubro, a Constituição da República (CR) completará 20 anos de vigência. De lá pra cá pouca coisa mudou no campo da segurança pública. Ainda persistem velhos problemas de natureza estrutural que, por omissão e permissividade dos distintos atores políticos, concorrem para agravar o quadro da segurança pública no Brasil.
O que se segue é tão somente uma reflexão preliminar sobre alguns dos principais desafios estruturais que se impõem para reformar o atual modelo de segurança pública. No bojo desses desafios perpassam alguns dilemas, contradições e paradoxos que interferem diretamente na prática policial cidadã de uma sociedade que se pretende reger sob a égide do Estado Social Democrático de Direito.
Nesse contexto, institutos como o foro privilegiado, a prisão especial e o inquérito policial, por exemplo, servem tão somente para gerar mais iniqüidades e desequilíbrios sociais, condicionantes estas essenciais para o agravamento da situação de injustiça social e de impunidade que tanto assola a sociedade brasileira.
No âmbito das instituições policiais, questões como a ideologização militar e bélica do serviço policial e o modelo de funções bipartidas são desafios de primeira magnitude que não podem ser adiados sob pena de falência múltipla dos poderes constituídos e das instituições democráticas.
Sobre a ideologização militar e bélica do serviço policial.
Não obstante o fato de haver previsão legal para a elaboração de uma nova legislação com vistas a disciplinar a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades, conforme se lê no § 7º do Art. 144 da CR, passado quase quarenta anos desde a edição do Ato Institucional nº. 5 (AI – 5), nada ou quase nada foi feito no sentido de reformar o atual modelo de segurança pública brasileiro, bem assim as instituições policiais que compõe esse “sistema”.
Ainda hoje, todo o arcabouço jurídico que regula a organização e o funcionamento das polícias militares, em especial o Decreto – Lei nº. 667, de 02 de julho de 1969, e o Decreto nº. 88.777, de 30 de setembro de 1983, é oriundo do AI – 5, por força do § 1º do Art. 2º, nos seguintes termos:
Ato Institucional nº. 5
Art. 2º - O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República.
§ 1º - Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios.
Em que pese o fato do ato ter vigorado até 13 de dezembro de 1978 e, dez anos mais tarde ter sido promulgada uma nova constituição brasileira democrática e cidadã, as derivações resultantes dos atos institucionais discricionários do regime militar ainda continuam a produzir seus efeitos.
Observa-se, pois, que toda a legislação que constitui o alicerce organizacional e a base cultural das organizações policiais militares foi forjada sob o ideário da doutrina da segurança nacional, da ordem e segurança internas e do inimigo subversivo.
Não há, portanto, no campo político, nenhum tipo de relação imediata ou nexo causal que delimite de forma clara, objetiva e consistente o alcance do mandato da atividade policial militar exclusivamente na área da segurança pública. O paradigma que prevalece é resultante da lógica militar e de uma cultura bélica de que a idéia de serviço deve necessariamente estar subordinada a uma idéia superior de força.
Não se trata aqui de desqualificar o modelo de administração baseado na estrutura militar, mas sim de destacar as implicações nefastas que o processo de ideologização militar e bélica do serviço policial pode acarretar para a segurança pública.
De certa forma, o próprio Decreto – Lei nº. 667 reforça esse apelo bélico ao definir, por exemplo, logo no seu Art. 1º, as polícias militares como forças auxiliares e reservas do exército como também ao incumbir a responsabilidade pelo controle e coordenação das Polícias Militares ao Ministério do Exército.
Decreto – Lei nº. 667
Art. 1º As Polícias Militares consideradas forças auxiliares, reserva do Exército, serão organizadas na conformidade deste Decreto-lei.
Parágrafo único. O Ministério do Exército exerce o controle e a coordenação das Polícias Militares, sucessivamente através dos seguintes órgãos, conforme se dispuser em regulamento: Outras passagens constantes do Decreto – Lei nº. 667, bem assim do Decreto nº. 88.777, reforçam no plano simbólico, cultural, funcional e organizacional a ideologização militar e bélica do serviço policial que tanto caracteriza o paradigma militarista da segurança pública.
A função policial é essencialmente, por sua natureza intrínseca, considerada uma atividade discricionária. Nesse sentido o policial militar não pode estar nem tampouco ser constrangido a não exercer esse atributo profissional. A ideologia militar ou paradigma militarista vai de encontro a essa perspectiva funcional. Tolher a capacidade de o policial refletir criticamente sobre a sua realidade e a realidade de seu entorno significa, em última instância, reduzir as potencialidades cognitivas, instrumentais ou utilitários que o policial poderá despender no exercício de seu labor.
Também o academicismo jurídico conduzido sempre de maneira dogmática desprovida de crítica construtiva ao Direito, tem sua parcela de contribuição nesse processo de alienação e confusão mental para definição dos limites entre a lei e a ordem.
Os efeitos desse antagonismo anacrônico, por mais paradoxal que pareça, geram comportamentos complacentes e irresponsáveis, pois, sob os distintos mandos militares, muitas das vezes, os fins podem justificar os meios enquanto que no mando policial é a lei, somente a lei, consentida e legitimada pela sociedade, é que pode justificar os meios. As contradições impostas por esse cenário e seus efeitos são percebidas diariamente na prática policial e no cotidiano urbano das grandes metrópoles.
Esses efeitos perversos, bastante retratados pelos veículos de comunicação social, tais como “bala perdida”, “grupos de extermínio” e “milícias” se constituem tão somente em função de diferentes interesses políticos e manifestações de parcela significativa da sociedade, com poder de formar opinião, que legitimam tais ilicitudes e práticas bélicas, apesar de serem totalmente incompatíveis com os próprios princípios e preceitos constitucionais que caracterizam o Estado de Direito.
Urge, portanto, no âmbito da União, nos termos do inciso XXI do Art. 22 da CR, iniciar o processo de transição democrática das instituições policiais, conforme previsto no § 7º do Art. 144 da CR.
Sobre o modelo de funções bipartidas.
A Constituição de 1988 consagrou o modelo de funções policiais bipartidas, ou seja, uma instituição policial (Polícia Militar) para exercer funções de polícia ostensiva e preservação da ordem pública e uma outra instituição (Polícia Civil) para investigar a autoria e a materialidade dos crimes e contravenções.
Tal modelo cria uma lacuna funcional decorrente do intervalo entre a prática do crime e a investigação policial. A existência de instituições policiais distintas envolvidas num mesmo processo concorre para aprofundar as dificuldades decorrentes, por exemplo, de um trabalho policial de investigação preliminar, da preservação do local de crime etc.
O mais curioso desse modelo é que em nenhuma outra instituição policial, especialmente dos países considerados civilizados adota essa bipartição. A regra comum é que haja diferenças de competências territoriais ou funcionais ou ambas, mas que se preserve o ciclo completo da atividade policial. Por que será que o Brasil insiste em adotar esse modelo em total descompasso com o que há de melhor no mundo em termos de Polícia?
Talvez a resposta esteja no próprio modelo de sociedade sobre que insistimos reproduzir. Uma sociedade de privilégios e prerrogativas, hierárquica e relacional, pautada pela apropriação patrimonial do espaço público como extensão preferencial dos interesses privados. Uma sociedade desigual por princípio e fim.
Fica fácil então de compreender o porquê de termos uma polícia de investigação que se esmera mais em conduzir burocraticamente os procedimentos cartoriais do que efetivamente realizar um trabalho de investigação científica tecnicamente orientada para a produção de provas. Infelizmente, as baixas taxas de elucidação de delitos comprovam essa triste realidade."

http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/reporterdecrime/post.asp?t=desafios_da_reforma_do_modelo_de_seguranca_publica&cod_Post=100888&a=151

ANTONIO CARLOS CARBALLO BLANCO
TENENTE CORONEL DE POLÍCIA


MOVIMENTO SEGURANÇA CIDADÃ!



PAULO RICARDO PAÚL
CORONEL DE POLÍCIA
CIDADÃO BRASILEIRO PLENO