quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

GERENCIAMENTO DE CRISES - MARCELO PASQUALETTI - AGENTE DA POLÍCIA FEDERAL

Gerenciamento de Crises é uma matéria que algumas academias de polícia no Brasil ensinam no curso básico, mas que demandam uma especialização posterior. O GATE da Polícia Militar de São Paulo é um grupo de excelência nesta matéria.
Tive a referida disciplina durante o Curso Especial de Polícia e depois em um curso específico ministrado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. Sou portanto um "graduando" na matéria, enquanto os homens do GATE são "doutorados", com o sucesso de mais de 3.000 reféns libertados ao longo de 10 anos.
Ainda me espanto com as criticas de profissionais que nunca tiveram uma única aula, nunca realizaram de um estudo de caso, que nunca participaram de uma única ocorrência. Impossível não apontar o comentário de um oficial policial militar que disse que "teria determinado o tiro" (feito o uso de snipper). Decisões são tomadas pela equipe, havendo uma cadeia com comando hierarquico, mas sem aquele viés autoritário de "eu mando e eles cumprem".
Se pudesse tecer uma critica construtiva, diria que a maior dificuldade dos profissionais que atenderam a ocorrência é justamente transmitir à imprensa e à sociedade o real significado de uma situação de crise.
Após 100 horas de exaustivas negociações, certo que abalados com aquele trágico desfecho, os policiais ainda sentaram em frente a ávidos profissionais de imprensa para tentar explicar o ocorrido. E teriam pela frente relatórios, debriefing, estudo de caso e um inquérito policial para responder.
Precisamos nos distanciar dos filmes de ação, onde uma equipe tática impecavelmente vestida e armada põe fim a situação e volta para o descanso do lar. Estudos de casos mostram que a realidade não é essa.
Gerenciar uma situação de crise equivale a uma delicada intervenção cirurgica. A equipe médica vai realizar tudo o que estiver ao seu alcance para que a cirurgia termine bem sucedida, mas isso não significa necessariamente que o paciente saia dela com vida. A equipe médica inicia a cirurgia sem saber o que vai encontrar pela frente. Qual a extensão dos ferimentos com os quais irá se deparar. E a todo momento, quando tudo parece controlado e caminhando para um final feliz, o paciente pode vir a ter complicações, e a cirurgia voltar a estaca zero.
Então temos a hipótese da cirurgia terminar bem sucedida, do paciente ficar com sequelas, ou mesmo de vir a falecer. Não ocorrendo a primeira hipótese, não significa necessariamente que a equipe médica tenha falhado. Como eu disse, ela precisa fazer de tudo para salvar o paciente, e foi o que fizeram os homens que conduziram o "caso santo andré".
A operação policial, sob o ponto de vista doutrinário, não pode ser considerada fracassada. Parece-me que os policiais buscavam uma solução em que todos saissem com vida. Pelas entrevistas, não consideravam o "tomador" um marginal, mas uma pessoa psicologicamente abalada. Concluiram que havia possibilidade de um final feliz e essa conclusão só quem pode ter ou deixar de ter é a equipe profissional que, munida de vários fatores, atendia a ocorrência.
Uma das preocupações que a equipe deixou passar foi a de que a decisão de invadir o local só foi decidida após o "tomador" disparar um tiro. É preciso que fique claro à sociedade que mesmo sem um disparo de arma de fogo essa decisão pode ser tomada, baseada em outros fatores.
O vídeo mostrado pela imprensa onde o "tomador" diz ao negociador "vai embora que essa bomba vai explodir", aliado ao "tem um diabinho dizendo para eu fazer" podem justificar a intervenção do grupo de intervenção tática, a critério da equipe de gerenciamento. Nós aprendemos muito mais com os erros que com os acertos.
Na década de 90, durante uma situação de gerenciamento de crise, houve a decisão de fazer uso do snipper. O resultado foi a morte do "tomador" e da refém, uma jovem e bela professora de educação física. Em 2008, após cometer um roubo e ser perseguido, o assaltante manteve uma pessoa sob seu dominio. Durante o gerenciamento da crise, fez como unica exigência falar com sua mãe pelo celular. Após fazê-lo, disparou sua arma contra seu próprio peito, vindo a falecer.
Aos policiais que participaram da ocorrência, o muito obrigado de um cidadão, que sabe que ali foi feito o melhor, ainda que o resultado não tenha sido aquele com o qual todos nós contávamos.
Marcelo Pasqualetti é agente de polícia federal, sub-chefe do Núcleo de Operações em Florianópolis/SC.
PAULO RICARDO PAÚL
CORONEL DE POLÍCIA