domingo, 18 de maio de 2008

CLIQUE E LEIA - ENTREVISTA LUÍS FLÁVIO SAPORI

GLOBO ON LINE - 18/05/2008

REPÓRTER DE CRIME

JORGE ANTONIO BARROS

Ponto de vista criminal.
Sapori: discurso social da violência prejudica o combate ao crime.






Trechos:

A CORRUPÇÃO NA POLÍCIA
"É um dos grandes desafios hoje. Precisamos de ações mais contundentes para enfrentar a questão da corrupção policial porque grande parte do problema da violência, em qualquer grande cidade brasileira, envolve a corrupção policial. A corrupção policial degrada não apenas internamente a instituição, mas contamina a criminalidade. Gera um ciclo vicioso de fomento da criminalidade. Em crimes como tráfico de drogas, roubos e furtos de veículos. A presença desses policiais hoje nesse tipo de crime no Brasil é muito grande. Então não se combate o crime se não houver um ataque corajoso à corrupção policial. Há muito medo e receio de lidar com isso. Há policiais honestos, boas corregedorias. O que me parece é que político brasileiro tem medo de lidar com isso. Há uma descrença na capacidade de a polícia de investigar a própria polícia. O caminho é fortalecer as corregedorias, não podemos prescindir delas. precisamos dos bons policiais, com gratificações especiais, para participar desse trabalho nas corregedorias. Mas ao mesmo tempo precisamos do controle externo. Isso envolve mudanças de legislação. De códigos disciplinares para lidar com o policial corrupto. Não uma legislação de exceção. mas será preciso leis mais duras para demitir o policial corrupto. Criar mecanismos para a participação da sociedade no monitoramento das corregedorias, por meio da OAB, ONGs."


A POLÍCIA QUE MATA

"Vejo com preocupação. Não me parece um bom modelo de segurança pública a tática do confronto. Não me parece que é característica apenas desse governo. Mas a história recente da segurança pública no Rio é pautada pelo privilégio da tática em detrimento da estratégia. É privilegiar as ações pontuais, imediatas, de combate ao crime, especialmente o tráfico de drogas. O desafio da segurança pública no Brasil envolve pensar estrategicamente. Tudo bem que o confronto em alguma medida é invevitável, principalmente numa realidade do Rio. Ninguém pode acreditar que a retomada dessas áreas dominadas pelos criminosos - verdadeiros estados paralelos - será feita sem lidar com algum nível de confronto. É fundamental você capacitar a polícia para lidar com esse tipo de realidade. E o depois? O problema é a estratégia de retomada dessas áreas. Ocupar essas áreas amanhã e fazer com que o estado de direito passe a ser a grande referência institucional dessas áreas, provendo a segurança. O tráfico oferece segurança para as comunidades de maneira perversa, autoritária, que não são os valores que queremos para a sociedade brasileira. A consolidação de estados paralelos - micro ou macro - colocam um grande desafio para a segurança pública no Brasil. Taticamente tem que ocupar terrorialmente essas áreas. O desafio é pensar ao longo de quatro, cinco anos. É preciso um plano de ocupação permanente dessas áreas por parte da polícia. Alguns dizem que faltam o estado social. Mas a maior parte do problema nem é esse mais. Os equipamentos públicos nem estão podendo funcionar pela ausência de segurança, e do estado que garante a ordem. É esse estado que tem faltado no país no período democrático."


A APATIA DA SOCIEDADE DIANTE DOS HOMICÍDIOS

"Um dos adornos dessa apatia envolve certos segmentos da polícia, que toleram essa mortandade e esse verdadeiro genocídio porque muitas das vítimas são criminosas. Essa matança indiscriminada gera uma situação de anomia social completa, de banalização da violência, que extrapola território e classes sociais. Cria-se um ciclo vicioso de fortalecimento do crime. A tolerância com esse tipo de crime, supostamente contra o próprio criminoso, acaba criando uma cultura da violência para lidar com os conflitos sociais. Vai atingir o trânsito, brigas de vizinhança. O grande desafio envolve ações repressivas e preventivas. Em primeiro momento, mostrar a presença do crime, identificando os atores. O grande desafio envolve ações repressivas e preventivas. Num primeiro momento mostrar a presença do Estado por meio de uma repressão qualificada, ou seja, identificando o crime, investigando, indiciando, prendendo os criminosos. Criar estruturas de investigação mais sólidas. São Paulo fez isso muito bem no DHPP e explica em parte porque estão caindo os homicídios lá. Isso me parece um caminho promissor. Aumentar o índice de elucidação. Significa na prática reduzir a impunidade. Porque se os homicídios ficam impunes você vai criando homicidas contumazes. Seriais killers de uma forma tácita. Segundo. Criar mecanismos de inserção de jovens, de 15 a 24 anos, dessas comunidades pobres no mercado de trabalho. Aí vamos atacar um problema complicado. É esse público que está sendo cooptado pelo tráfico de drogas e isso acontece não propriamente porque o tráfico oferece o dinheiro para comprar a sobrevivência. Eles estão entrando no mundo do crime e do tráfico pra realizar outros sonhos e desejos e, por incrível que pareça, desejos de consumo. É interessante como boa parte desse fenômeno está relacionado à massificação de valores consumistas, à ampliação do mercado consumidor no Brasil. Ele valoriza menos o trabalho, o tipo de trabalho que os pais tinham. é permitido a ele sonhar mais. E ele sabe que as chances de ascensão social são muito restritas, Ele tem clareza das restrições de inclusão pela renda e pela cor da pele. Sabe muito bem como os negros e pobres sofrem na sociedade brasileira. Esse contexto perverso de anomia moral que acaba gerando um público jovem muito cioso, muito envolvido e seduzido pelo que o tráfico oferece, dinheiro, prazer, droga fácil, mulheres, arma, respeito, visibilidade. Esse mundo oferece auto-estima. Para enfrentar isso só com a parceria com ONGs como o AfroReggae, a Cufa, que conhecem a linguagem desses jovens. Cabe ao poder público fazer parceria com essas entidades. Dar uma alternativa moral que não seja o tráfico. Acredito na música, na arte, no hip hop, como uma cultura de periferia, tem um potencial de agregação muito grande. Teremos uma possibilidade de criar uma grande mobilização em torno do rap, do dj, do street ball, da dança de rua."