domingo, 1 de junho de 2008

DIA ONLINE - MILÍCIAS - SEQUESTRO DE REPORTAGEM DO JORNAL O DIA

O DIA ONLINE.
Milícias: política do terror .
http://odia.terra.com.br/rio/htm/milicias_politica_do_terror_174936.asp
Rio - Criadas sob o "inocente" argumento de enfrentar o tráfico de drogas e livrar as comunidades carentes do crime organizado, as milícias compostas por policiais, agentes penitenciários, bombeiros e ex-servidores da Segurança Pública dominam hoje bem mais do que as 78 comunidades onde fincaram suas garras e estruturaram um exército muito bem armado. Elas ditam as leis a aproximadamente 2 milhões de cariocas e os submetem a um código penal que nunca foi escrito. Todos conhecem bem cada parágrafo, onde estão previstas a tortura e a morte a quem desafiar as suas regras. Um desmando sofrido pela equipe de O DIA.
Durante duas semanas, repórteres moraram na Favela do Batan, em Realengo, Zona Oeste do Rio. A idéia da reportagem era mostrar como vivem as pessoas em um local onde grupo clandestino tem lucro fantástico com a venda do gás de cozinha, do sinal pirata de TV a cabo e da segurança forçada, além do curral eleitoral. Mas, na tentativa de produzir material que mostrasse os desvios dessa realidade, os jornalistas caíram nas mãos da barbárie.
Denunciados, os repórteres de O DIA foram seqüestrados e mantidos em cárcere privado em um dos barracos usados como quartel-general pela quadrilha. O interrogatório e as torturas duraram sete horas e meia, período em que a equipe foi submetida a socos e pontapés, choques elétricos, sufocamento com saco plástico, roleta-russa, tortura psicológica e todo tipo de situação vexatória. Em um dos intervalos entre as sessões de agressões, a equipe identificou o barulho de sirenes iguais às das patrulhas policiais rondando o cativeiro. Mas os homens que chegavam ao local, em vez de socorrer as vítimas, eram solidários aos carrascos.
Em determinado momento, o cativeiro chegou a ter pelo menos 20 milicianos, entre torturadores, incentivadores e espectadores coniventes. As vítimas foram libertadas, depois de os criminosos terem passado todo o tempo garantindo que elas seriam torturadas até a morte. A condição seria manter segredo sobre a sessão de agressões. Foi a forma mais cruel e bárbara de testemunhar como a milícia age nas comunidades do Rio.
O crime cometido contra a equipe de O DIA aconteceu no dia 14 de maio. A cúpula da Segurança do Estado do Rio foi notificada. Hoje, mais de duas semanas depois das agressões, os fatos estão sendo publicados. A decisão de esperar esse tempo para trazer à tona a história foi tomada para que as investigações policiais não fossem prejudicadas e, principalmente, para garantir a segurança das pessoas envolvidas. Agora, espera-se pela punição dos culpados.

Milícias - Política do Terror: Detalhes da história.
http://odia.terra.com.br/rio/htm/milicias_politica_do_terror_detalhes_da_historia_174937.asp
Rio - A noite do dia 14 de maio não terminou para a equipe de O DIA que fazia reportagem especial na Favela do Batan, Zona Oeste. Repórter e fotógrafo completavam 14 dias vivendo no local e a ansiedade natural do grupo – que sabia estar em território inimigo e tomava todos os cuidados para não chamar a atenção – deu lugar a um desconfiado otimismo, depois que moradores da favela convidaram parte da equipe para uma cerveja no Largo do Chuveirão. Fotógrafo e motorista, que havia se unido ao grupo, aceitaram o convite. A repórter ficou em casa, para não desobedecer a velada ordem da favela, que lança olhares de reprovação a mulheres desfrutadoras da noite.
A lei local, paralela como toda estrutura de comércio e serviços na região, também definiu fim violento para o trabalho da equipe do jornal na comunidade. No Largo do Chuveirão, local de maior concentração da favela, uma emboscada à vista. Fotógrafo e motorista, que imaginavam estar apenas indo para uma festa, acabaram conhecendo o inferno: foram rendidos por 10 homens armados, usando toucas ninja para cobrir o rosto. Mas outras coisas os bandidos não faziam questão de esconder: um dos carros usados no seqüestro foi o Polo vermelho placa KPB 4592, veículo de "policiamento" da milícia local. Sim, eram policiais e faziam questão de ressaltar isso.
Os bandidos que usam farda nas horas vagas algemaram os dois integrantes da equipe e os mostraram a cerca de 30 moradores, que, assustados, saíram de suas casas para ver quem seriam as próximas vítimas dos neoditadores. Os criminosos tentaram obrigar a população a linchar a equipe, não queriam sujar as mãos de sangue. Mas não foram atendidos e acabaram seguindo com a dupla e um morador que os acompanhava até a casa que havia sido alugada pela equipe, na Rua Alfredo Henrique, uma das principais da favela.
O relógio havia acabado de passar das 21h quando a campanhia das casas semigeminadas do endereço tocou. Do lado de dentro, a repórter imaginou que eram seus companheiros. Do lado de fora, sete homens armados e com toucas ninja a esperavam, prontos para novo ato de covardia. Ao abrir a porta, a jornalista foi rendida com arma na cabeça. Os bandidos, mais uma vez, não esconderam sua função original e deram voz de prisão, como se fossem policiais exercendo a lei. "Você é do Jornal O DIA e está presa por falsidade ideológica", disse o mascarado conhecido como Zero Um, sujeito franzino que lidera a milícia local.
Rendida, a repórter sentou com a cara na parede, enquanto dois homens começavam a sessão de tortura que só acabaria dali a mais de sete horas. Chutes, socos, gritos e ameaças abriram caminho para o terror que iria enfrentar: submetida e subjugada à violência do bando, a jornalista viu uma arma ser encostada em sua cabeça para, em seguida, um marginal rodar a caixa de bala e acionar o gatilho duas vezes em uma roleta-russa impiedosa. Enquanto isso, outros cinco bandidos reviravam a casa atrás de câmeras escondidas ou escutas. Nada encontraram, mas saquearam pertences e dinheiro da equipe.
Sozinha e apavorada, a repórter ainda seria vítima de novas barbáries: teve a cabeça enfiada numa sacola plástica e foi obrigada a descer as escadarias da casa alugada até chegar ao carro, onde já estavam algemados o fotógrafo, o motorista e um morador da favela que os acompanhara à festa.
Os milicianos tentaram enfiar um integrante da equipe na mala do carro, mas desistiram, pois o veículo tinha kit-gás. Algemados e feridos, os quatro seguiram amontoados no banco de trás do carro da reportagem até o cativeiro. No caminho, mais ameaças: "Nós vamos fazer vocês cheirarem cocaína e vamos jogar vocês cheios de drogas no Fumacê para que os traficantes cuidem de vocês".
O carro percorreu longo caminho e deu volta em um largo próximo a um motel. Foram buscar "a chave" do local usado para a tortura. Durante o caminho, esfregavam as armas nos rostos das vítimas e descreviam uma futura morte trágica para a equipe.
Os criminosos conversavam pelo rádio todo o tempo. Um carro seguia na frente, fazendo o que chamavam de "varredura" do terreno. Só depois do OK, o automóvel de trás seguia. Após meia hora, o cativeiro. O chão úmido de cimento grosso foi o destino dos quatro depois de uma sucessão de socos, chutes e tapas. Apesar de a equipe de O DIA tentar informar que o morador da favela nada sabia sobre a identidade do grupo, ele também foi espancado.
Os agressores controlavam a voz temendo chamar a atenção da vizinhança. Durante a tortura era possível ouvir alguém tocando clarinete nas redondezas. Uma rádio evangélica foi sintonizada para abafar o barulho do espancamento.
A execução do grupo seria decidida por um "coronel" que estava a caminho. Os espancamentos eram entremeados por longos discursos. Na ideologia torta dos bandidos, a presença na comunidade colocava em risco um relevante projeto. "Existem muitos policiais corruptos, mas nós não somos corruptos. A gente se mata de trabalhar aqui, leva tiro de vagabundo para vocês chegarem e estragar o projeto social que estamos fazendo. Nós não somos bandidos", discursava um dos milicianos com voz distorcida e inspiração nazista. A repórter perguntava: "Se vocês não são bandidos, por que estão fazendo isso?" A resposta dos seqüestradores não vinha em palavras, mas sim em socos e tapas.
O ‘Coronel’ chegou. Coturnos e uma calça azul de farda da PM estavam no ambiente. Também se falava na presença de um "comandante". Mais torturadores os acompanhavam. Um deles soltou sem querer uma frase mostrando que conhecia a equipe do jornal de outro ponto da favela. Neste momento, a casa tinha pelo menos 20 homens. Seriam os algozes da longa sessão de horror imposta. A covardia atingiu níveis sobre-humanos. Como nos porões das ditaduras mais sombrias, choques elétricos e sufocamentos com sacos plásticos passaram a ser aplicados até o limite do desfalecimento. Para acordar as vítimas, socos e pontapés. Para deixar o grupo ainda mais apavorado, eles foram levados para quartos separados.
A tortura também era psicológica, com os milicianos revelando detalhes sobre a vida pessoal dos reféns. Extenuados, repórter e fotógrafo foram obrigados a fornecer senha de e-mails para que fosse feita uma varredura no que havia sido passado de informação para a redação.
A descoberta dos relatórios enviados para o jornal fez com que os agressores redobrassem o castigo. Ali, eles souberam que tinham sido realmente identificados: textos e fotos mostravam viaturas oficiais do BPVE (Batalhão de Policiamento de Vias Especiais) circulando livremente na favela, homens fardados conversavam tranqüilamente com policiais à paisana... As agressões físicas e psicológicas chegaram a níveis extremos, inclusive com ameaças de morte cada vez mais constantes.
O destino da equipe só foi decidido aproximadamente às 4h, quando os seqüestradores, tal como juízes, anunciaram o veredicto: iriam libertar as vítimas. Não sem antes roubar celulares e dinheiro do grupo, agindo como reles vagabundos de rua. Às 4h30, finalmente, a equipe foi solta na Avenida Brasil.
Machucadas, humilhadas e apavoradas, as vítimas não arriscaram procurar uma delegacia para registrar queixa ou fazer corpo de delito. Havia o medo latente de que outros policiais estivessem envolvidos com o bando do Batan. Não era possível, naquele momento, saber quem estava ao lado de quem. Era o início de uma nova vida para os envolvidos. Por um lado, o alívio por estarem vivos. Por outro, com a dor e o terror marcados na memória.

Milícias - Política do Terror: Ditadura da banda podre.
http://odia.terra.com.br/rio/htm/milicias_politica_do_terror_ditadura_da_banda_podre_174939.aspRio - A regra ditada pela milícia do Batan diz que toda locação de imóvel deve ser precedida de análise rigorosa do morador interessado pela associação, dominada pelo grupo criminoso. O principal temor da milícia é a invasão da comunidade pela ADA, facção que dominava a favela antes dos policiais da banda podre. Aspectos da vida íntima ou da comunidade são da competência dos milicianos. O ‘prefeito’ local é um sujeito franzino que só anda de touca ninja na comunidade. Conhecido como ‘01’, ele reveza carros em seus ‘policiamentos’ na favela. Está jurado de morte pela ADA. Costuma amedrontar os moradores posando com sua máscara e arma na cintura na padaria que funciona como ponto de observação dos milicianos, no Largo do Chuveirão. Os criminosos se organizam em turnos para distribuir a função de acordo com o trabalho do policial. Os milicianos fardados formam o primeiro escalão do grupo criminoso, mas recrutam moradores com talento bélico para atuar como sentinelas na proteção de áreas que consideram vulneráveis. A mais frágil no Batan é o morro. Os milicianos já avisaram que pretendem instalar cancelas e portões nas vias de entrada da área.
"Eu era catador de papel. Vocês me vêem todo ferrado assim de dia, mas de noite só dá eu no morro, com a 12 na mão", afirmou senhor de aproximadamente 50 anos.
O miliciano de segundo escalão carregava no chuvoso 1º de maio um carrinho de mão e enxadas. Estava preocupado, pois não conseguia cumprir as ordens dos milicianos. "Acho que vou à Quinta da Boa Vista pegar grama. Se eu arrancar mato e plantar lá, quando crescer vou sentir o peso da Madalena", disse, referindo-se ao caibro utilizado como instrumento de tortura.
O homem conta que a grama seria colocada em volta do campo de futebol da casa usada como Quartel General da milícia, na Rua Pedro Nava. Outros três o acompanhavam. Também eram forçados a trabalhar para o grupo criminoso. "Outro dia eles perguntaram se eu queria bala. Pensei que estavam oferecendo munição e eles atiraram no meu pé só de curtição", contou. Os trabalhos forçados são rotina na favela. Na maioria dos casos são direcionados a supostos viciados em drogas, obrigados a reformar casas dos milicianos e capinar. "Quem falou que o tempo da escravidão acabou? Aqui não teve 13 de maio, não", ironizou o miliciano de segundo escalão.
A milícia do Batan tenta criar novos rótulos e história para a ditadura que impõe à favela. Insiste em ser chamada de "segurança" e atribui à comunidade a condição de "condomínio".
Por toda a favela pichações com os dizeres "ADA" e "narizes" são apagados com tinta da mesma cor usada pela resistência do tráfico, que ainda existe em pequeno número. Os usuários de drogas são simplesmente "narizes". Mulheres mais velhas sequer pronunciam o termo. Fazem trejeitos com o rosto para simular a inalação quando se referem aos viciados.
O combate ao uso de droga transformou-se, na ideologia estreita dos milicianos, em uma cruzada moral. Qualquer morador pego com droga ou sob efeito dela é castigado e humilhado. Na segunda-feira, 7 de maio, no fim da Estrada do Engenho Novo, um rapaz abria uma valeta na rua com o rosto coberto de pó branco, num ritual de intimidação.
Os laços com o tráfico não foram completamente apagados. Na final do Campeonato Carioca, as famílias preferiram assistir ao jogo em suas casas para não confraternizar com os milicianos no Largo do Chuveirão, onde seria instalado um telão. Eles temem que a ADA retome o lugar e castigue os mais ligados à milícia. "Não gosto de conversar com eles. Não sei quando podem ir embora e, se os outros voltarem, como vou ficar?", pergunta uma moradora antiga.
A troca de poderes na favela criou uma legião de exilados. É o caso da pequena J, de 5 anos. O filho de Dona S. se envolveu com uma moça da favela. Eles tiveram um bebê. A mulher dele se apaixonou por um traficante e o largou. Foi morar com o criminoso e a filha. Quando a milícia invadiu, ela teve que ir embora porque o novo marido foi jurado de morte. A avó não conseguiu ficar sem a neta. O filho de Dona S. conseguiu tomar a menina, que agora está com a avó e não pode ver a mãe, proibida de entrar na favela.
A ditadura da milícia no Batan influenciou a religiosidade. Simpáticos à crença evangélica, policiais da banda podre fazem pipocar igrejas na comunidade. Usuários e pessoas ligadas ao tráfico fazem da Bíblia sua defesa contra a milícia. Seguidores do candomblé enfrentam dificuldades. Centros são destruídos de forma violenta no Batan. Religioso da igreja Deus Responde com Fogo, que fica próxima ao QG da milícia, descreve com discurso bíblico a atuação do grupo armado. "Deus sempre manda uma ventania para mudar a vida do homem. No Batan, a ventania veio em forma de tiroteio". O poder centralizado da milícia impressiona porque os bandidos conseguem impor suas vontades na vida íntima, política, social e comercial da favela. Os moradores são obrigados a pagar R$ 31 por um botijão de gás – R$ 5 a mais que no mercado comum – porque os milicianos impedem a entrada de outros caminhões na comunidade. A venda de água mineral também é controlada e não existe nos supermercados da região. O serviço de gatonet pode ser solicitado via associação de moradores. Eles fiscalizam e punem o "gato do gato". O sinal é captado de um motel. O serviço é muito ruim. Os 100 canais oferecidos não passam de chuviscos ruidosos na tela. À época do tráfico, o gatonet custava R$ 35, agora, são R$ 20.
O serviço de vans é operado de 6h às 21h. É controlado por milicianos, mas um pastor da Assembléia de Deus também tem veículos na linha, o que aborrece os milicianos. Os carros rodam em péssimo estado de conservação e têm ponto final na Avenida Sulamérica, em Bangu. O valor da passagem é de R$ 2. Até moradores que têm RioCard recebem sugestão de tomar van, não ônibus. O comércio informal é regulado. Os estabelecimentos não têm alvará ou CNPJ e por isso pagam taxa mensal de R$ 40 para funcionar. Depois de acabar com os bailes funk, os milicianos criaram um "pagofunk" para limitar a influência do estilo musical na favela.
O jogo do bicho era parceiro do tráfico. Quando a milícia invadiu, tiveram que fazer um acordo com eles para continuar. A milícia teme os cabeças do jogo do bicho.